

O desafio das mulheres no business development
A prática de ações de BD por mulheres está crescendo a passos largos e, atualmente, representa um importante avanço nas conquistas do gênero no mundo corporativo
Mesmo com a radical mudança no papel da mulher no mercado de trabalho nos últimos anos, ainda ouvimos que são os homens os mais focados em desenvolvimento de negócios.
Em razão da atual relevância do tema no mundo jurídico e no mercado como um todo, é importante não só explorar os desafios que acompanham as mulheres no business development como, também, demonstrar o potencial que a atuação delas pode atingir, colocando-as cada vez mais em posições de referência na área.
Antes disso, de forma a contextualizar esse cenário , vamos começar pelo conceito de business development e seus principais aspectos.
O que é o business development?
Business development, ou desenvolvimento de negócios, é um conjunto de ações voltadas para o desenvolvimento ao longo prazo de uma empresa ou organização a partir dos mercados, clientes e relacionamentos (BD). Em sua essência, é entender a fundo como a interação dessas variáveis pode criar oportunidades de crescimento. Nesse sentido, as ações de business development buscam criar valor e expandir o negócio, a fim de aumentar a receita e de maximizar os lucros.
Práticas importantes de BD
No âmbito jurídico, não é recente a ideia de que os escritórios de advocacia que possuem o cliente como foco são os mais bem-sucedidos, sendo essa abordagem prospectiva já adotada há anos pelos principais players do mercado.
No entanto, o foco no cliente vai além de apresentar uma prestação de serviço com alto nível de excelência e constante disponibilidade. Em nossa visão, o foco no cliente objetiva, a partir de uma escuta ativa, empática e genuína, não só o conhecimento do business do cliente mas, também, do próprio cliente, inclusive de forma pessoal, entendendo suas dores, ansiedades e desafios. A busca por conexões e interesses em comum, agregada à compreensão da indústria e do setor de atuação, possibilita, além do entendimento de seus objetivos e desafios, uma visão ampla para o oferecimento do melhor tipo e forma de prestação de serviços.
Assim, a relação de confiança que tanto é buscada vem como consequência. Consequência de um trabalho dedicado não só em se colocar no lugar do cliente, oferecendo um atendimento personalizado no endereçamento da necessidade momentânea, como também antecipando eventuais desafios e desenvolvendo uma parceria estratégica, a partir de um vínculo que se estende muito além da prestação de serviços e, consequentemente, agrega valor para o negócio do cliente.
Nesse sentido, outra prática a ser destacada no âmbito do BD parte desse relacionamento sólido construído, o qual permite, de forma orgânica e colaborativa, a promoção da conexão do cliente com outras práticas e pessoas do escritório, negócio ou organização. Essas conexões fortalecem o relacionamento já existente, visto que acarretam a ampliação do entendimento sobre o cliente e a expansão da atuação interna, gerando, assim, novas oportunidades de negócio e geração de receita a longo prazo. Ainda, para o sucesso do cross-selling, também é necessário uma sensibilidade e conhecimento intrínseco do seu próprio escritório, negócio ou organização, para que as demais partes envolvidas se encaixem de forma natural ao relacionamento pré-existente.
Por último e tão importante quanto, o networking é a estratégia base para a continuidade do desenvolvimento de qualquer negócio, a qual exige dedicação constante, já que pode ser estabelecida em qualquer oportunidade. Logo, a prática do networking pede um profissional sempre atento e interessado. Assim, de forma consciente e estruturada, é possível utilizar sua rede de relacionamento para aumentar a exposição do escritório, organização ou negócio, de modo que tal estratégia gere novas oportunidades .
O desafio das mulheres no business development
Apesar de as mulheres terem ultrapassado uma série de preconceitos históricos da sociedade patriarcal e, por conseguinte, atingido patamares similares aos homens no mercado de trabalho, subsiste ainda o que talvez seja o maior desafio estrutural a ser enfrentado e reflete de forma relevante em suas carreiras, não sendo diferente para as profissionais do mundo jurídico, em especial, dos escritórios de advocacia.
Muitas mulheres continuam e continuarão sendo mães. Este fato está interligado, na maioria das culturas, à atribuição de uma grande responsabilidade que a mulher deve assumir na criação dos filhos. Não só no Brasil, país historicamente conservador, mas também nos Estados Unidos, na Inglaterra e até em países de ideais progressistas na Escandinávia, ainda que as mulheres sejam grandes CEOs, médicas de sucesso ou presidentes de seus países, pesquisas indicam que uma minoria da população acredita que, se mães de filhos pequenos, estas deveriam trabalhar em tempo integral. Por outro lado, com relação aos homens, os resultados são contrários: nos Estados Unidos, cerca de 70% da população acredita que novos pais devem trabalhar integralmente.
Ainda, tal cultura de responsabilização pelo cuidado também se aplica à figura da mulher quando falamos do cuidado com os familiares (pais, irmãos, tios e avós) e afazeres domésticos.
Ou seja, o principal desafio para a realização de desenvolvimento de negócio, como para qualquer outro tipo de atuação profissional, são os múltiplos papeis impostos para a mulher na sociedade. A tão famosa “segunda jornada” acaba restringindo, na maioria dos casos, a possibilidade, o tempo e a energia da mulher em se dedicar às práticas de business development. Mesmo com a evolução nas dinâmicas familiares, ainda faz parte da nossa realidade a mulher exercer mais responsabilidades nos cuidados da casa e da família em geral do que seus respectivos maridos, companheiros, pais, irmãos ou demais figuras masculinas de seu círculo social.
Fato é que, de modo geral, sem uma forte rede de apoio, as mulheres têm menos tempo e energia em comparação aos homens para promoverem as ações necessárias para desenvolvimento do negócio.
Além disso, vale notar que a falta de tempo, especialmente no que se refere ao networking, é um diferencial importante, já que os homens se utilizam de diversas circunstâncias fora do ambiente de trabalho para construção de relacionamentos que possam gerar oportunidades profissionais, como encontro de amigos, happy hours de trabalho após o expediente e práticas esportivas, momentos e situações que permitem uma aproximação e intimidade que as mulheres, muitas vezes, têm dificuldade de se fazerem presentes em razão do exercício de seus outros papeis.
Enquanto não pensarmos em homens e mulheres como, igualmente, cuidadores e provedores, a cultura que reforça os estereótipos das mulheres não vai mudar, sendo este um desafio que persistirá para que grande parte das mulheres faça negócios.
Ainda, dentro desse contexto, mesmo que as mulheres estejam cercadas de uma rede de apoio privilegiada e uma dinâmica familiar positiva, tais papeis ainda subsistem de forma inconsciente quando, ao longo do caminho para o sucesso profissional, elas se questionam sobre a presença na criação dos filhos, bem como a intensidade de dedicação.
Diante disso, a mudança cultural da sociedade se faz urgente para que mulheres possam se tornar cada vez mais presentes e atuantes nas práticas de BD e qualquer outro cenário profissional, sem julgamentos ou culpa de que têm outros papeis a serem cumpridos.
Fazer negócio é coisa de mulher
Mesmo com esses desafios presentes, as mulheres estão se destacando cada vez mais no desenvolvimento de negócios, explorando e potencializando seus pontos fortes, e descobrindo que fazer negócio é coisa de mulher sim! A simples libertação do potencial da mulher é o maior fator multiplicador possível em termos de crescimento de negócio.
Como bem colocado por Glaucia Lauletta, sócia de Tributário do Mattos Filho, “nós, mulheres, devemos reconhecer no nosso agir o “nosso jeito de fazer negócios”, sem precisarmos nos moldar aos padrões corporativos masculinos já existentes”. É falsa a ideia de que a mulher, para fazer BD, precisa entrar em ambientes masculinos. O que precisamos, na verdade, é construir e colocar em prática uma identidade profissional própria, a fim de explorar as nossas redes de relacionamento de forma consciente e estratégica.
Nesse aspecto, o autoconhecimento é fundamental, já que permite a identificação e aplicação de seus pontos fortes. Assim, com segurança e personalidade, a mulher poderá apresentar “the best version of herself” em suas trocas e conexões, transformando-as em relações de qualidade, que nada mais é do que o próprio BD em si.
Para tanto, devemos buscar cada vez mais conexões, nos envolver em grupos de discussão sobre temáticas variadas, não só de nossa especialidade, clubes de leitura, encontros com colegas e amigos da faculdade, ensino médio ou infância, grupos de mães e, claro, contra qualquer estereótipo, também em práticas esportivas e eventos corporativos. O que vale é a abertura para trocar experiências e visões, de forma interessada e genuína, possibilitando a criação de um relacionamento com admiração e abrindo caminho para a expansão ou novas oportunidades.
Vale lembrar que os relacionamentos já existentes também podem ser uma importante fonte de BD, trocas sobre o tema, carreira, serviços buscados, utilizados e oferecidos, são possibilidades de gerar oportunidades.
Nesse contexto, é importante também nos vermos como rede de apoio uma das outras e promovermos discussões sobre os desafios comuns a serem enfrentados. O trabalho em equipe e mentorias podem ser importantes fatores na construção dessa rede ao proporcionar que aquelas que possuem as softs skills mais desenvolvidas e mais experiência no BD possam apoiar as demais que possuam mais dificuldades ou que estejam no início de suas jornadas.
Precisamos falar mais de negócios para fazermos cada vez mais negócios! É importante buscarmos por mentoria e inspirações, quando necessário, para que, por meio de uma comunicação motivacional, possamos nos fortalecer e nos tornar, cada vez mais, referências no assunto.
Lembrando que não há forma certa ou errada para fazer BD, cada mulher trilhará seu próprio caminho e construirá sua própria identidade profissional para o sucesso.
Esse conteúdo integra a série Mulheres e Negócios, de autoria do grupo de afinidade 4Women, que faz parte do programa de Diversidade, Equidade e Inclusão do Mattos Filho.
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