Liderança feminina nos temas climáticos
O cenário de diversidade de gênero que vem sendo implementado mudará o caminho da mudança climática?
Dois homens foram fundamentais para minha escolha de carreira até aqui no direito ambiental. O primeiro conheci aos 16 anos, ou seja, 27 anos atrás. Em uma palestra aleatória sobre mudanças climáticas em 1996 no meu clube, Paulo Nogueira Neto, que foi o primeiro secretário especial de Meio Ambiente do então Ministério do Interior na década de 70, disse que o clima estava em perigo. Segundo ele, diziam os cientistas, que naquela época pouco se comunicavam de forma ativa com a sociedade, que se a Terra contasse com aumento de mais de 2 graus na temperatura, os efeitos seriam desastrosos. Essa afirmação vale até hoje.
O segundo grande homem encontrei já no anseio de um emprego. Ao decidir trabalhar com esse assunto claramente promissor, aos 18 anos, busquei uma das maiores referências em temas ambientais naquele momento, o Greenpeace. Ao literalmente bater na porta daquela associação, meu objetivo era entender no que uma jovem estagiária de Direito poderia contribuir. Foi quando me deparei com outro mestre, Roberto Kishinami, então presidente da organização, que se tornou eternamente meu lastro para compreender a direção que devia seguir para atuar no tema.
Eu queria ter sucesso, mas naquela definição mais ampla que compreende alcançar reconhecimento, retorno financeiro, mas principalmente fazer a diferença. Não sei de onde vinha esse anseio por fazer justiça e o bem, mas desconfio que da postura naturalmente solidária que observava dos meus pais e do nível de privilégio que percebia de meu contexto afetivo e socioeconômico. Creio que tentava entender como devolver essa sorte para o universo e vi o planeta como um bom beneficiário dessa investida.
Depois da passagem desses homens pela minha vida, muitas mulheres cruzaram – e continuam cruzando – meu caminho ao longo da minha trajetória de atuação com temas climáticos e ambientais. Para mim, eram como sinais de que eu podia confiar e seguir para alcançar meu objetivo: fazer diferença positiva no mundo para evitar injustiças em decorrência das mudanças do clima. Dentre muitas mulheres, algumas me inspiraram, outras, além disso, confiaram em mim. Algumas, ainda, me ajudaram ativamente neste propósito que, por diferentes razões, coincidiam com os delas ou a inspiraram para também tê-los.
Ao ser convidada para uma entrevista para um site voltado para a temática de energia e abordar mudanças climáticas e lideranças femininas, me dei conta dessa característica inegável de perceber tantas mulheres protagonistas nesse ambiente. Marina Silva, por exemplo, que nasceu, viveu e lutou no Acre, é uma referência para muitos. Além de ser madrinha dos filhos de Kishinami já mencionado, ela sempre fez parte de minha vida e nos deu a honra de falar em uma comemoração do dia internacional da mulher em nosso escritório há mais de 10 anos. O ponto que me marcou (já que dizem que registramos somente aproximadamente 10% do que vivemos) foi que mulheres deveriam prestar atenção para exercer todas as suas características femininas no trabalho, em casa ou em qualquer ambiente e não as negar ou omitir essa natureza. E, de fato, era nítido nas mulheres da minha geração, inclusive em mim, o fenômeno de buscar esconder lados mais sensíveis para exercitar a tal da assertividade, foco e executividade – supostamente dignas de homens – no ambiente profissional. Com isso, percebi também que, exceto em condições patológicas, não é possível alcançar a autenticidade, que nos diferencia, buscando agir de maneiras distintas em ambientes diversos. Essas reflexões me levaram a concluir que eu deveria ser eu mesma em todos os lugares onde eu estivesse. Somente assim poderia exercer minha potência. Arrisquei ser eu e, apesar de alguns percalços, acho que deu certo. Julgo que alcancei o sucesso que tanto almejava no início da minha carreira.
O tema de mudanças climáticas compreende um nível de complexidade que nos obriga a exercer empatia coletiva que ou é inata ou demanda muito treinamento e capacitação. Hoje, enxergamos algumas realidades sobre o tema que devem nos deixar desconfortáveis a ponto de agirmos em parte ou na totalidade de nosso tempo em direção ao bem comum, seja qual for a posição na qual nos encontramos. Mundo privado, público, terceiro setor, liderança, base, academia, voluntariado, finanças, onde quer que estejamos posicionados, acabaremos agindo a partir dessas verdades desconfortáveis:
- O clima está impactado pela ação do homem e não conseguimos mudar esse impacto tão rapidamente como seria o ideal, pois a economia foi baseada em combustíveis fosseis;
- Os mais vulneráveis – países específicos (sul global) e localidades sensíveis (ilhas, morros, costas etc.) serão mais impactados, pois de saída já prescindem de saneamento e outras infraestruturas adequadas e quaisquer eventos naturais extremos desestabilizam ainda mais esse cenário;
- A educação em massa ainda não atinge a formação dos mais vulneráveis na velocidade necessária para que lhes dê ferramentas para enfrentar os desafios que os eventos extremos irão impor;
- As crianças ficam mais doentes que os adultos, pois possuem menor imunidade e, com isso, estarão mais suscetíveis à morte, doenças ou perda de desenvolvimento intelectual no momento no qual precisariam de lares seguros e saudáveis para seu crescimento estruturado;
- A diversidade de gênero, raça e outras chamadas minorias ainda não está presente de forma equânime no coletivo de tomadores de decisão nos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, razão pela qual direcionamentos – conscientes ou inconscientes – ainda são majoritariamente influenciados sem devida representatividade das minorias.
Diante desses exemplos de desafios provocados pelas mudanças climáticas, que, na verdade, concluímos serem desafios de uma sociedade, economia e governo, famílias, escolas, meios de vida, ambiente corporativo, me vem a mente que mulheres compreendem rapidamente do que se trata.
Porque mulheres, naturalmente, em sua maioria, acreditam num mundo melhor, gostam de cuidar dos outros, das crianças, dos velhos, dos homens, das amigas, dos bichos, dos filhos e de si mesmas. Mulheres gostam de tudo arrumado, bonito, cheiroso, para gerar boas sensações. Mulheres cuidam dos alimentos, dos remédios, da educação, da formação humana e de valores para a perpetuação e melhoria da espécie. Mulheres são defensoras dos direitos humanos e sentem no âmago a desnutrição e injustiças históricas e culturais que ocorrem na sua frente ou a milhas e milhas de distância.
Analisando essas características podemos perceber o porquê cuidar de um tema tão complexo como as mudanças climáticas pode ser entendido como parte do job description de uma mulher. Não que não seja de homens, com certeza também é e tomara que a identificação seja muito natural por todos eles, mas as mulheres vêm assumindo esse protagonismo. A razão pela qual as mulheres são assim pode ser genética, cultural ou espiritual – não importa. Só sei que são.
O fato histórico e cultural de a mulher ter sido ensinada a ser cuidadora diz muito sobre a expectativa de evoluções de mundo as tendo nas lideranças. Se fomos ensinadas a cuidar, é isso que fazemos dentro das organizações. Cuidar de pessoas, que integram nossas equipes, mas também daquelas que sequer conhecemos. Com isso, acabamos cuidando do mundo e tomando decisões baseadas no bem coletivo. Tenho certeza de que isso fará a diferença no cenário global de eventos extremos e transição da economia baseado nas alterações climáticas. Veremos o que o monitoramento ativo de indicadores e a história nos mostrarão. As expectativas são altas e as redes de apoio estão aí continuamente crescendo, não só no exercício da maternidade, como é mais comum, mas nos ambientes corporativos e profissionais em geral. O 4Women, grupo de afinidade do escritório, é também exemplo desse lugar de apoio e desenvolvimento coletivo.
Esse conteúdo integra a série Mulheres e Negócios, de autoria do grupo de afinidade 4Women, que faz parte do programa de Diversidade, Equidade e Inclusão do Mattos Filho.
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