O impacto da maternidade na inserção plena das mulheres no mercado de trabalho
Políticas específicas para mães e a corresponsabilidade masculina no trabalho do cuidado são importantes vetores de transformação
Em 2023, pela primeira vez, aproximadamente 10% das empresas da lista da Fortune 500 são lideradas por mulheres CEOs. Apesar de serem, de acordo com o Banco Mundial, quase 50% da população do mundo, essa é, sem dúvida, uma boa notícia já que, ainda hoje, as mulheres ainda não estão plenamente inseridas no mercado de trabalho.
A plena inserção não se refere tão somente a uma perspectiva quantitativa mas, principalmente, à qualidade dessa inserção – que cargos as mulheres ocupam, quanto ganham, qual seu poder de influência nas organizações, como são suas trajetórias profissionais etc.
Mulheres no mercado de trabalho
No Brasil, a participação feminina na população economicamente ativa (PEA) aumentou significativamente nas últimas décadas. De acordo com dados de janeiro de 2023 da Pesquisa Mensal de Emprego do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), as mulheres brasileiras representam 45,5% da PEA.
Apesar da escolaridade maior do que a dos homens – quase 60% delas têm 11 ou mais anos de estudo versus 52% dos homens, em todos os outros indicadores as mulheres, se comparadas aos homens, têm níveis piores: as que têm ensino superior recebem apenas 60% do que os homens com a mesma escolaridade, por exemplo; entre as mulheres, 37,8% têm carteira assinada contra 48,6% dos homens e, por fim, a taxa de desocupação das mulheres foi de 10,1% enquanto a dos homens foi de 6,2%.
Desigualdade de gênero e o cuidado com as crianças pequenas
Como se explicam essas diferenças? Ao nosso ver, a principal razão para a desigualdade de gênero no mercado de trabalho é o fato das mulheres serem, ainda hoje, as principais responsáveis pelos cuidados com as crianças pequenas. Ainda que mulheres negras tenham sempre trabalhado, a entrada da maioria das mulheres brancas no mercado de trabalho, a partir da segunda metade do século XX, não correspondeu à vinda dos homens para a esfera doméstica, do trabalho do cuidado, especialmente com os filhos pequenos, mas também com a casa.
Verdade seja dita, os homens do século XXI participam muito mais da vida de seus filhos do que seus pais participaram das suas. Se comparado ao passado recente há, claramente, um maior envolvimento dos homens com a rotina de cuidado das crianças pequenas, como alimentação e higiene, escola e deveres de casa, idas ao médico e vacinas etc. Contudo, ainda assim, a participação masculina está muito aquém da dedicação da mulher aos filhos e à casa. Basta ver que, no Brasil, em 2019, de acordo com dados do IBGE, as mulheres, principalmente as pretas ou pardas, dedicaram aos cuidados de pessoas ou afazeres domésticos quase o dobro de tempo que os homens (21,4 horas contra 11,0 horas semanais). Isso apesar de 40,5% das famílias, em 2015, serem chefiadas por mulheres – isto é, serem elas as principais provedoras e de haver inúmeros benefícios na criação de vínculo entre pais e filho, tanto para os pais quanto para as crianças – veja recente infográfico publicado pelo Mattos Filho sobre paternidade responsável.
A dupla jornada de trabalho das mulheres
O trabalho doméstico, do cuidado, é um trabalho invisível já que realizado no âmbito privado e sem remuneração, culturalmente associado às mulheres – em razão da histórica divisão sexual do trabalho, que atribui aquele às mulheres e o formal, remunerado, na vida em sociedade, aos homens. Sua invisibilidade tem a ver com o seu não-reconhecimento como trabalho e com a inferência de que a mulher faz isso naturalmente, sem esforço e porque gosta, apesar de sua natureza repetitiva, de ser cansativo e requerer resiliência, persistência e paciência.
Civilizar uma criança é para poucos – ou melhor, para poucas. Sendo as crianças os futuros cidadãos e cidadãs desse país, o trabalho do cuidado deveria ser, no mínimo, mais valorizado e compartilhado com os homens. Mas não é assim: as mulheres seguem sendo quase que as exclusivas responsáveis por ele. As que podem, comumente brancas e mais escolarizadas, contratam outras, em geral negras, para cuidar da casa e das crianças, enquanto elas trabalham fora para ganhar dinheiro. As que não podem contratar outras mulheres, têm redes de solidariedade feminina, que lhes apoiam no cuidado com os filhos para que possam sair e trabalhar, geralmente na casa de outras mulheres. Invariavelmente, então, são as mulheres as responsáveis pelo trabalho do cuidado.
Não há dúvidas, pois, de que a chamada “dupla jornada de trabalho”, que sobrecarrega desproporcionalmente as mulheres, contribui de modo significativo para sua incompleta inserção no mercado de trabalho. As mulheres, na terceira década do século XXI, ainda escolhem entre a realização pessoal e a profissional.
Em todas as profissões, mas em especial nas mais tradicionais, como direito, medicina e outras, já bem mais feminizadas do que no passado, elas enfrentam barreiras adicionais para seu desenvolvimento profissional e ascensão à liderança como, por exemplo, os vieses inconscientes, o assédio, a falta, ou o menor número, de oportunidades, a desigualdade salarial e outras.
A iniciativa privada e a importância da contribuição das mulheres
Frente a esse cenário, o que a iniciativa privada pode fazer para promover a plena inserção das mulheres no mercado de trabalho? Tendo em vista que as empresas, em geral, têm uma maioria de trabalhadores com menos de 50 anos e que as mulheres vêm tendo filhos cada vez mais tarde, se os tiverem, um primeiro passo na direção da mudança é entender as mulheres que são mães como talentos diversos no ambiente organizacional. Com essa compreensão, deverá ser oferecido um olhar atento às necessidades específicas das mulheres que são mães e um conjunto de iniciativas que tenham como foco o seu desenvolvimento, retenção e ascensão.
Afinal, o exercício da maternidade agrega habilidades às mulheres bastante úteis para sua carreira – para citar somente algumas, empatia, comunicação assertiva, planejamento, organização, flexibilidade e inteligência emocional. Uma das formas de dar voz às mães e aos pais, permitindo-lhes uma escuta ativa quanto aos seus desafios profissionais relacionados ao exercício da parentalidade é ter no pilar de equidade de gênero do Programa de Diversidade, Equidade e Inclusão um grupo de afinidade, como o
Nesse sentido, a elaboração de um programa de parentalidade, com benefícios específicos para pais e mães, visando a facilitar a conciliação da vida pessoal e profissional e valorizar as contribuições que só as mães podem dar em razão de suas perspectivas únicas pode ser a forma mais sustentável de desenvolver, reter e ascender mães talentosas. Com essas ações, ambientes de trabalho devem se tornar mais acolhedores para mulheres que, junto com a maior participação masculina na esfera do cuidado, deve, efetivamente, diminuir o tempo necessário para a plena inserção das mulheres no mercado de trabalho.
Esse conteúdo integra a série Mulheres e Negócios, de autoria do grupo de afinidade 4Women, que faz parte do programa de Diversidade, Equidade e Inclusão do Mattos Filho.
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- A diversidade como valor corporativo
- A voz feminina na era digital
- Liderança feminina nos temas climáticos
*Por Adriana Simões e Laura Mattar.