

Liderança feminina e reputação: uma via de mão dupla
Mulheres líderes contribuem positivamente para a imagem e reputação de uma organização e essas mesmas mulheres podem ser peças-chave em casos de prevenção e gestão de crise
Em 2015, ao vencer o prêmio Glamour Women of the year, a atriz Reese Witherspoon criticou, em seu discurso, o fato de as mulheres serem retratadas recorrentemente nas comédias românticas de Hollywood como figuras acessórias, desprovidas de criatividade e inteligência suficientes para tomarem decisões ou protagonizarem momentos emblemáticos nas histórias. “I dread reading scripts that have no women involved in their creation because inevitably I get to that part where the girl turns to the guy, and she says, ‘What do we do now?!’ Do you know any woman in any crisis situation who has absolutely no idea what to do?”, provocou a atriz, arrancando aplausos e gritos da plateia. Há que se destacar que a artista tem levantado a bandeira da equidade de gênero e empoderamento feminino, impactando, por meio de sua produtora independente, as tradicionais (e patriarcais) “regras do jogo” da indústria audiovisual americana. Além de personagens femininas fortes e complexas, seus filmes e séries também contam com mulheres em diferentes etapas de criação e produção.
Mas, a essa altura, você deve estar se perguntando o que a reflexão da eterna “Elle Woods” tem a ver com reputação e liderança feminina no mundo corporativo. A resposta é: tudo! E essa relação pode ser analisada sob duas perspectivas diferentes. Na primeira perspectiva, é preciso reconhecer a capacidade da maioria das mulheres de analisar rapidamente, sob múltiplos aspectos, uma situação e, a partir desta análise, tomar uma decisão, já prevendo possíveis impactos da medida. Essa sequência – de maneira resumida e simplista, é claro – descreve o processo de gestão de uma crise. Mulheres, em sua maioria, são solucionadoras de problemas e fazem isso com maestria!
Já observaram uma mãe ou cuidadora em ação quando um filho se acidenta? A habilidade de socorrer a criança, acalmá-la, decidir se vai ou não ao hospital, avisar familiares, pensar e agir – tudo ao mesmo tempo ou quase – é impressionante. Adicione a isso a pressão e impacto emocional sobre essa mulher que vê sua amada criança machucada ou em risco. É fato que alguns homens, pais ou cuidadores, também possuem inteligência emocional para lidar com esse tipo de situação, mas são exceção. Em geral, quem costuma tomar a frente nessas e em muitas outras horas é a mulher. A mesma mulher que é responsável pelo planejamento e organização das atividades da casa, cuidados diários com a família, além das atividades profissionais. Não à toa as mulheres, exaustas, lutam por equidade não apenas no mercado de trabalho, mas também dentro de casa. A sobrecarga física e mental sobre elas é notória.
Mulheres em cargos de liderança
Se no ambiente familiar, a mulher se destaca na liderança de atividades e condução de situações de crise, no ambiente corporativo, não é diferente. Segundo estudo recente da Harvard Business Review, mulheres em cargos de liderança se mostraram mais eficientes durante a pandemia da Covid-19, que gerou uma crise global, afetando de maneira generalizada empresas no mundo todo. Os dados indicam que elas obtiveram mais resultados positivos e contribuíram mais significativamente para o engajamento de profissionais. No setor público, por exemplo, a ex-primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, foi elogiada por autoridades de diversos países por sua atuação no combate à pandemia.
A pesquisa da Harvard Business Review mostra que as mulheres se destacaram positivamente, em comparação com homens, em 13 das 19 competências de liderança analisadas. Os diferenciais foram soft skills, como colaboração, trabalho em equipe e motivação. A verdade é que, deixando de lado o estereótipo de que mulheres são mais “sensíveis” (atribuído equivocadamente e de maneira pejorativa para sinalizar uma suposta fraqueza), as mulheres são mais estimuladas, desde a infância, a desenvolver habilidades interpessoais – estímulo esse que está diretamente ligado ao papel que a sociedade tradicional espera que a mulher desempenhe, quando o ideal seria que esse estímulo alcançasse de maneira igual meninas e meninos para formar adultos mais capazes de lidar com pessoas e com situações difíceis e inesperadas.
Reputação corporativa
No mercado de Comunicação e Marketing, por exemplo, é grande o número de mulheres especializadas em prevenção e gestão de crises – arriscaria dizer que a presença delas é predominante. Muito possivelmente por terem desenvolvido, ao longo da vida, habilidades necessárias para uma atuação de sucesso nessa área, como análise de cenário em uma perspectiva holística e estratégica, planejamento, agilidade, criatividade, tomada de decisão cuidadosa e prática, comunicação eficaz e empática, boa capacidade de estabelecer relações interpessoais, além da já mencionada inteligência emocional. Elas, portanto, dispõem de recursos para desempenhar papel protagonista na defesa da reputação de uma organização. Diante de tantas evidências, é difícil não se identificar com a revolta de Reese Witherspoon ao ver roteiros que retratam personagens femininas incapazes de pensar e agir por si mesmas em situações de crise e dependendo de homens para isso.
Há ainda a segunda perspectiva pela qual podemos analisar a relação positiva entre lideranças femininas e reputação corporativa. Nos últimos anos, a conscientização sobre a importância da equidade de gênero e o aumento da cobrança da sociedade por mais diversidade nas empresas impulsionaram avanços para as mulheres no cenário corporativo brasileiro, embora a passos mais lentos do que esperávamos, especialmente quando nos atentamos para os muitos obstáculos – estruturais e organizacionais – que elas ainda enfrentam para alcançar posições de liderança nas empresas.
Se por um lado mais portas se abriram de uns anos para cá, por outro, ainda há um longo caminho a ser percorrido para que isso se reflita de maneira consistente na ocupação de cargos de liderança por mulheres nas empresas. Isso porque não basta apenas contratar mulheres. É necessário construir um ambiente corporativo na qual a cultura organizacional ofereça oportunidade para que essas mulheres possam ascender profissionalmente e em condições de igualdade salarial na comparação com profissionais homens do mesmo nível de carreira – o que exige superar questões de machismo estrutural e atuar no combate a vieses inconscientes.
A discussão do tema – que está longe de ser novo – tornou-se urgente especialmente após a pandemia, quando critérios ESG (Environmental, Social and Governance) passaram a ser avaliados mais atentamente por empresas e investidores. Além disso, o fortalecimento das mídias sociais criou terreno fértil para o debate de maneira ampla e disseminada. Se antes, por exemplo, era “normal” para uma organização postar uma foto de líderes sem a presença de uma mulher ou promover um evento no qual todos os palestrantes são homens, hoje é inaceitável. O “tribunal da internet” não deixa nada passar despercebido e qualquer erro tem potencial de “viralizar”. Os impactos da falta de diversidade e inclusão ou desrespeito a direitos humanos, no entanto, vão além das discussões polêmicas geradas nas redes sociais. As marcas, agora, estão sujeitas a enfrentar ataques, “cancelamentos” e até boicotes, capazes de gerar sérios danos reputacionais e financeiros. Essa pressão social e comercial tem forçado uma movimentação das empresas que ainda não tratavam o tema com a devida importância.
A liderança feminina, portanto, pode ter um impacto significativo na reputação das empresas em uma via de mão dupla: enquanto ter mulheres líderes contribui positivamente para a imagem e reputação de uma organização, essas mesmas mulheres líderes podem ser peças-chave em casos de gestão de crise, atuando de maneira assertiva e diferenciada na proteção da reputação da marca. É um ciclo virtuoso em que todos ganham. Considerando que reputação de marca é o principal ativo de uma empresa e pode ser determinante na decisão de um cliente sobre a escolha de seus parceiros de negócio, especialmente em mercados com competitividade acirrada, não deverá haver mais espaço, em um futuro próximo, para organizações que não reconheçam a importância da promoção da equidade de gênero.
A adoção de políticas concretas e assertivas em direção a este objetivo é um dos fatores preponderantes para criar um ambiente profissional mais equânime, reforçar a reputação de marca, gerar lucratividade e proporcionar crescimento sustentável ao negócio em longo prazo. Além, é claro, de contribuir para uma sociedade mais justa, na qual o gênero seja apenas uma mera informação e não um fator decisório ou obstáculo para a carreira de alguém. E quem ainda tiver dúvidas sobre como começar a adotar medidas com este objetivo, pergunte a uma mulher com quem trabalhe. Provavelmente, ela terá ideias sobre o que fazer e estará disposta a construir junto esse caminho.
Esse conteúdo integra a série Mulheres e Negócios, de autoria do grupo de afinidade 4Women, que faz parte do programa de Diversidade, Equidade e Inclusão do Mattos Filho.
Confira outros artigos da série Mulheres e Negócios:
- A diversidade como valor corporativo
- A voz feminina na era digital
- O impacto da maternidade na inserção plena das mulheres no mercado de trabalho
- Liderança feminina nos temas climáticos
- O próximo passo no combate aos vieses inconscientes de gênero no ambiente trabalho
- O valor de lideranças femininas no âmbito jurídico para a promoção da igualdade de gênero
- A chegada e o “abandono”: desafios das mulheres que alcançam posições de liderança
*Por Ive Lima e Priscilla Souza.