

A chegada e o “abandono”: desafios das mulheres que alcançam posições de liderança
Aceitação, sobrecarga e falta de apoio são diagnósticos comuns na saída de mulheres de cargos de liderança. Gargalo na entrada e saída reforça ainda mais a problemática da representatividade feminina
A luta pela inserção de mulheres no mercado de trabalho é uma história longa e complexa, repleta de desafios e obstáculos que vêm sendo superados ao longo do tempo. Não há como negar um avanço, já que mulheres são maioria em muitas empresas e até em mercados historicamente masculinos.
O trabalho profissional já é uma realidade para muitas mulheres, que conseguiram conquistar presença, mas lutam por ascensão, igualdade de oportunidades e, mais recentemente, por políticas e ações que reafirmem esses compromissos a longo prazo. O caminho é conhecidamente árduo, mas não basta enxergar a luz no fim do túnel. Temos que saber que a luz se manterá acessa.
Representatividade em cargos de liderança
A liderança é um teto de vidro nas discussões sobre igualdade de gênero. Mulheres ainda estão muito sub-representadas nessas posições e, em algumas áreas, como na política brasileira, estão em menos de 15% dos cargos eletivos, apesar de representarem 53% do eleitorado. A iniciativa privada reforça essa estatística: segundo o relatório Women in the Workplace, da consultoria McKinsey em parceria com a ONG LeanIn.Org, que coletou dados de 333 empresas, mulheres brancas ocupam 21% dos cargos C-Level, contra 61% dos homens brancos. No caso de mulheres negras, a liderança é ainda mais distante: elas representam apenas 5% dos executivos C-Level.
Dados como esses reforçam que, apesar de termos avançado em termos percentuais nessa frente nos últimos anos, mulheres ainda são menos promovidas que homens para os primeiros cargos de liderança (gerência, por exemplo). Ainda de acordo com a pesquisa, para cada 100 homens promovidos a gerentes, 87 mulheres têm o mesmo crescimento profissional. Isso coloca numericamente homens em constante vantagem na ascensão profissional e, ainda, mantém o efeito de sub-representação de mulheres na liderança no tempo.
Desafios do pós-ascensão profissional
Os desafios, no entanto, não terminam na luta pela ascensão profissional. Chegar é difícil, mas persistir na liderança também. Liderar sem políticas e ações concretas de igualdade de gênero gera desafios de permanência – e alguns deles já estão levando mulheres a deixarem seus cargos.
O relatório McKinsey-LeanIn apontou que, em 2022, a cada mulher promovida ao cargo de diretoria, duas diretoras deixaram as empresas nas quais trabalhavam. É a maior taxa de mulheres deixando cargos de liderança nos últimos anos, o que aumenta ainda mais a diferença quantitativa entre homens e mulheres nessas posições. Temos mais homens sendo promovidos nos cargos de entrada de liderança e menos deixando seus altos cargos. É a matemática perfeita para vivermos senão um retrocesso, no mínimo, um avanço tímido no tema que nos custou e ainda custa tão caro.
A razão pela saída de mulheres de cargos de liderança oscila entre dois polos: algumas estão deixando empresas em busca de melhores oportunidades, enquanto outras estão deixando o mercado de trabalho. Nas duas pontas, no entanto, há diagnósticos comuns.
O primeiro deles passa pelas dificuldades de aceitação e legitimação de mulheres na liderança, pois ainda são vítimas de preconceitos e estereótipos que as colocam, já de partida, em desvantagem para o exercício de qualquer liderança. Mulheres são usualmente subestimadas, têm sua capacidade técnica constantemente questionada e são cobradas e julgadas com maior rigidez. A régua da liderança feminina permanece sendo mais alta e os erros são menos tolerados.
Existe uma desconfiança, ainda que por vezes velada, na capacidade da mulher de liderar, o que não só contamina a aceitação dessa liderança como desgasta todo o processo de legitimação. O esforço que uma mulher precisa fazer para se provar é grande, mas o para manter as elevadas e diferentes expectativas ainda é maior. Esse processo é desgastante e, muitas vezes, solitário.
Não à toa, o segundo traço comum desse diagnóstico é a exaustão e a falta de reconhecimento. Mulheres ainda protagonizam trabalhos domésticos e são consideradas responsáveis pelos cuidados com a família. É inquestionavelmente um acúmulo de funções que reflete na menor disponibilidade de tempo para o trabalho profissional e uma cobrança maior por eficiência. Para aquelas que priorizam a família, questiona-se o tamanho da ambição profissional (aquém) e, para aquelas que priorizam o trabalho, também (além).
Os padrões esperados e aceitáveis no gerenciamento da equação carreira-família ainda são muito diferentes para líderes homens e mulheres. A ascensão de homens na liderança é acompanhada, via de regra, por menos trabalho e gerenciamento doméstico. Tal premissa, no entanto, não se confirma como regra na ascensão de mulheres aos cargos de liderança, que se mantêm responsáveis por todas essas frentes.
Para além da conciliação carreira-família, o relatório da McKinsey-LeanIn também indicou como fonte de exaustão o tempo dedicado por mulheres líderes ao trabalho de apoio e retenção de times. Mulheres líderes dedicam mais tempo com pautas de gestão de pessoas, como é o caso de bem-estar social e diversidade e inclusão. Apesar de essa agenda ter resultados positivos e ser cada vez mais abraçada pelas gerações mais novas, o trabalho dedicado ao tema ainda não é devidamente valorizado e recompensado pelas empresas.
Isso representa um gasto de energia em um trabalho que é, por vezes, invisibilizado e gera uma sobrecarga. Segundo a pesquisa, 43% das mulheres líderes já sofreram um burn-out, contra 31% de homens líderes no mesmo cargo. A diferença é expressiva e, obviamente, não tem relação com “falta de resiliência”, “fraqueza” ou “vulnerabilidade”, que são os estereótipos comuns usados para justificar esse padrão estatístico.
Por fim, o terceiro ponto comum desse diagnóstico é a falta de apoio de pares e líderes. A escassez de mulheres na liderança pode levar a um caminho de isolamento e de dificuldade de engajamento.
Mulheres que chegam a cargos de liderança se sentem sozinhas em meio à inflada representatividade masculina. Ao mesmo tempo que a formação de elos e conexões depende de uma relação de confiança- que já não é naturalmente aceita na liderança feminina- passa, também, por uma necessária conscientização de vieses e da própria existência da problemática em si de discriminação de gênero. É uma voz feminina isolada, ou poucas vozes, apontando o dedo para todo um grupo de homens que, historicamente, se beneficiou e continua a se beneficiar dessa discriminação estrutural, ainda que inconscientemente.
A tarefa de pertencer e se conectar com pares e outros líderes homens nesse contexto é, talvez, a mais desafiadora e leva mulheres a optarem pelo silêncio ou pela desistência, que, em larga escala e no tempo, não ajudam na luta efetiva pela igualdade de gênero. Outro caminho é a militância, que também precisa de um propósito claro para alcançar esse objetivo.
Segundo o relatório da McKinsey-LeanIn, acelerar a transição para uma liderança com equilíbrio de gênero demanda ações – e não somente práticas comuns, basicamente, em três frentes:
- Estabelecimento de metas;
- Responsabilização e engajamento dos líderes pelo atingimento dessas metas;
- Esforços de trabalho no mapeamento e desconstrução de vieses nas decisões de contratação e promoção.
Próximos passos no alcance e manutenção da liderança feminina
Os avanços dependem, essencialmente, de as instituições conhecerem as suas métricas e gargalos específicos de desigualdade (contratação e promoção de mulheres em diferentes níveis) e trabalharem com metas que permitam que homens e mulheres possam ascender em condições mais igualitárias.
Esse esforço passa pela revisão de processos de avaliação, oferecimento de treinamento e letramento sobre o tema para lideranças, programas específicos de mentoria dedicados às mulheres, além de benefícios que proporcionam melhores experiências no dia-a-dia de trabalho, como flexibilidade e apoio no tema de saúde mental. Responsabilização por resultados é uma forma de não só trabalhar os vieses mas, também, engajar líderes e semear uma mudança de cultura organizacional.
Para que possamos sair do lugar e experimentar um progresso significativo, empresas e governos precisam sair de meros discursos e implementar ações. Empresas precisam focar em ter mais mulheres na liderança e, mais do que isso, retê-las nesse lugar. Essas saídas representam não só um retrocesso mas, também, um impacto na capacidade de as empresas reterem talentos, especialmente de mulheres jovens que demandam por essa representatividade para seguirem no mercado de trabalho. E aqui, os números importam, já que mulheres são a maioria da população mundial e representam metade da força laboral.
Esse conteúdo integra a série Mulheres e Negócios, de autoria do grupo de afinidade 4Women, que faz parte do programa de Diversidade, Equidade e Inclusão do Mattos Filho.
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- O impacto da maternidade na inserção plena das mulheres no mercado de trabalho
- Liderança feminina nos temas climáticos
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