

Não existe plano B
Pesquisa do IBGC analisa participação feminina em posições de liderança nas companhias de capital aberto e mostra que caminho para alcançar a paridade de gênero no Brasil ainda é longo
Pelo terceiro ano consecutivo, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) divulgou a “Análise da participação das mulheres em conselhos e diretorias das empresas de capital aberto” para traçar o perfil dos profissionais que atuam nos conselhos e diretorias das companhias e identificar a medida da diversidade de gênero nessas funções diretivas.
A pesquisa é extremamente minuciosa, com recortes interessantes, e nos permite concluir pela ainda incipiente participação feminina em posições de liderança de algumas das principais empresas do país.
Comecemos pelos números. Foi analisado o universo de 389 companhias de capital aberto, das quais 82,5% possuem mulheres como líderes, sendo 65,8% em conselhos de administração, 52,3% em conselhos fiscais, 49,2% em diretorias, e 25% em conselhos de administração e diretorias, concomitantemente. A contrario sensu, os números indicam que, atualmente, 18,5% das companhias brasileiras de capital aberto não possuem mulheres em suas lideranças, dado extremamente preocupante.
Essas 389 companhias reúnem um total de 6.160 posições ocupadas por profissionais líderes, das quais somente 15,2% são preenchidas por mulheres. Isso não significa que temos 938 mulheres líderes (15,2), pois algumas das profissionais acumulam funções em empresas diversas, podendo estar em até dez instituições diferentes. O número, portanto, pode ser até pior, se consideradas as profissionais individualmente.
Os percentuais de funções de liderança ocupadas por mulheres são muito próximos independentemente do tipo de controle acionário (estatal, estrangeiro ou privado) e do segmento de negociação na B3 (do Básico ao Novo Mercado). Além disso, a indicação à liderança partir do controlador não torna o percentual de mulheres nessas funções mais elevado. Há, de fato, uma uniformidade no que se refere ao percentual de mulheres líderes, que não se distancia substancialmente em função de quaisquer desses fatores.
Nos três anos em que o IBGC realizou essa pesquisa, vimos uma pequena alteração no percentual de mulheres em funções de liderança, que saiu de 12,8% (2021), passou a 14,3% (2022) e chegou a 15,2% (2023). Como dito acima, um trabalho tão detalhado como esse nos permite inúmeras reflexões e, especialmente, escancara a disparidade entre homens e mulheres no que podemos chamar de o “topo da pirâmide”.
Em um país de cerca de 220 milhões de habitantes, com uma população feminina ligeiramente maior (51,1%) do que a masculina (48,9%), segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Continua (PNAD/2021), e onde as mulheres, no geral, são mais instruídas que os homens e têm mais acesso ao ensino superior (“Estatísticas de Gênero: Indicadores sociais das mulheres no Brasil” – IBGE), o percentual de 15,2% é realmente perturbador.
Não há dúvida de que as funções de liderança não são disponibilizadas a mulheres tanto quanto são aos profissionais homens. Além disso, é usual, como dito acima, que uma mesma profissional ocupe funções de liderança em companhias diferentes, o que torna o “seleto clube” das mulheres líderes em companhias abertas ainda mais restrito. Nos referimos a somente 432 profissionais, menos do que cinco centenas de mulheres que compõem o corpo diretivo de algumas das principais empresas do Brasil.
Outro fenômeno que a pesquisa evidencia é que, mesmo nas empresas com práticas de governança mais desenvolvidas e modernas, como aquelas inseridas no Novo Mercado, não há uma proporção significativamente maior de mulheres em posição de liderança.
Por fim, outra curiosidade: mesmo ao ingressar no “magic circle” da liderança corporativa, pouquíssimas são as mulheres que ocupam a presidência dos conselhos de administração (cerca de 6%). Mais uma demonstração de que encontramos disparidade dentro da própria disparidade. Essa é a realidade brasileira, tão bem descrita pela recente pesquisa.
É importante trazer à discussão exemplos de países que vêm tratando o tema de forma distinta. A Noruega foi o primeiro país a adotar quotas de diversidade de gênero nos conselhos de administração das companhias abertas, mais precisamente em dezembro de 2005. O percentual obrigatório fixado foi de 40% e as empresas tiveram até dois anos para se adaptar à nova regulação; em 2008, todas as companhias abertas norueguesas cumpriam essa determinação.
Foram colhidos bons resultados por meio de tais esforços e essa iniciativa acabou se estendendo a outros países, ainda que continue sendo uma prática isolada. A boa aceitação dos conselheiros, em sua maioria homens, à maior presença feminina foi um dos pontos positivos identificados. Reconheceu-se que as mudanças na alta administração não teriam sido alcançadas se a matéria não tivesse sido normatizada. Diferentes perspectivas e experiências trazidas ao processo decisório foram consideradas essenciais e transformadoras, de modo a aprimorá-lo, assim como a melhorar as práticas de governança corporativa, especialmente no que se refere à mitigação de riscos e à gestão de crises.
Em que pese os bons resultados verificados, é inegável a timidez com que esse tipo de medida é implementada, o que demonstra a resistência que cerca o tema, por se tratar de uma evidente interferência do agente público no setor privado. Por isso, são absolutamente necessárias a discussão e a idealização de iniciativas que possam ir muito além da sua mera normatização, alcançando as esferas política, social e cultural dos países.
O exemplo da Suécia confirma essa necessidade. Anos atrás, o governo sueco propôs um sistema de cotas para equilibrar a divisão de poder dentro das empresas listadas em Bolsa, cujo objetivo era chegar a 40% de presença feminina até 2019, no caso das diretorias. Contudo, o governo sofreu uma derrota política no Parlamento e retirou a proposta. Nas palavras da ministra da Igualdade, à época, Asa Regnér: ”a experiência sueca com a questão da igualdade de gênero é que é preciso tomar decisões políticas. As coisas não mudam por si sós”.
Para corroborar a complexidade do tema, há um dado inquietante no que se refere a países como Noruega e Suécia, precursores das iniciativas de gênero relacionadas à ocupação de lideranças, que foi denominado de “paradoxo nórdico”. É que, segundo um estudo publicado na revista Social Science and Medicine, a Dinamarca, a Finlândia e a Suécia lideram a porcentagem de agressões (físicas e sexuais) a mulheres, muito acima da média europeia. Um indício de que a facilitação do acesso de mulheres às posições de liderança não garante o respeito à sua integridade física e moral, e de que há muitos avanços sociais que devem acompanhar esse tipo de iniciativa.
Voltando aos dados do Brasil, é evidente que, nesse ritmo, em que o percentual de participação feminina cresce à razão de pouco mais de 1% ao ano, serão necessárias algumas décadas para que cheguemos à paridade entre homens e mulheres líderes, de forma orgânica – isso considerando que o crescimento se mantenha.
Com passos tão lentos, perderão as mulheres, perderão as companhias, perderá a sociedade. Os exemplos em que a participação de mulheres líderes foi alavancada mostram que bons resultados foram alcançados, no que se refere a governança, a ambiente e a performance.
Em uma sociedade que pretende ser cada vez mais sustentável, as empresas que buscam a perenidade deveriam estar atentas ao tema mais do que nunca. Boas intenções não serão suficientes: metas ambiciosas e prazos curtos são e serão determinantes a lhes garantir vantagens em um mercado cada vez mais competitivo.
Exemplos são poucos, mas existem. É o caso da Prudential do Brasil, a maior seguradora independente para seguro de pessoas do país. A empresa lançou, no final de 2022, o programa de “Liderança Feminina para impulsionar as carreiras das mulheres”, especialmente das que ocupam cargos de gestão na companhia. Segundo Gabriela Al-Cici, diretora de Recursos Humanos, da Prudential, a meta da empresa, até 2024 é que metade dos cargos de gestão seja formada por mulheres – índice muito acima da média nacional.
Gerar oportunidades a todos os profissionais que mereçam, independentemente de gênero (assim como raça, etnia, religião, orientação sexual), é uma obrigação e, cada vez mais, uma necessidade das empresas. Essa diretriz deve fazer parte da estratégia, da cultura e da essência da corporação que pretende impactar positivamente a sociedade e se perpetuar. Para isso, não existe plano B: diversidade e inclusão, igualmente nas funções de liderança, são os únicos caminhos a serem trilhados, ainda que o percurso seja longo e extremamente desafiador.
Esse conteúdo integra a série Mulheres e Negócios, de autoria do grupo de afinidade 4Women, que faz parte do programa de Diversidade, Equidade e Inclusão do Mattos Filho.
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