A superação da rivalidade feminina para impulsionar a diversidade no ambiente de trabalho
Contar com o apoio entre mulheres faz a diferença em ambientes corporativos majoritariamente compostos por lideranças masculinas
Além de todos os reveses culturais que mulheres enfrentam no dia a dia – entre eles, a pressão para ter filhos versus pressão para não engravidar, a busca por ser uma profissional de destaque versus tentativa de estar sempre disponível para a família há, ainda, um assunto relevante pouco discutido. Trata-se da rivalidade feminina, propagada como reflexo de uma sociedade centrada nos homens e, decerto, impulsionada pelas inseguranças e necessidade de aceitação impostas às mulheres durante anos.
Enfrentar o cenário de disputas femininas é promover um ambiente de trabalho com maior inclusão e igualdade, além de potencializar os caminhos para que elas ocupem mais cargos de liderança. As mulheres são as protagonistas para a mudança na tradicional rivalidade feminina, e só cabe a nós encarar a trilha para a superação dessa realidade, por vezes, ignorada ou desconhecida por muitas.
Reforço de estereótipos de gênero
Não é incomum ouvirmos que mulheres confiam menos umas nas outras do que em homens. Também é frequente que, especialmente em ambientes corporativos, a mulher tenha como referência de sucesso uma figura masculina. Apesar de não parecer, os dois comportamentos têm relação – e estão atrelados à rivalidade feminina.
A psicóloga Olga Tessari argumenta que o ser humano é naturalmente competitivo e deseja sempre ter e/ou ser o melhor. Todavia, essa competitividade é especialmente incentivada em relação às mulheres, pois a sociedade sempre espera o máximo delas: deve ser uma boa profissional, se comportar conforme os ditames sociais, ser uma boa mãe, companheira, líder e, ainda, precisa ser atenciosa, carinhosa e paciente.
Toda essa expectativa sobre as mulheres, aliada a um cenário com mais homens em cargos de liderança (que, inclusive, gera a falsa sensação da existência de menos oportunidades para as mulheres) fomentam a cultura da rivalidade entre mulheres, marcada pela exacerbação excessiva da competitividade entre elas.
Sabemos que nem sempre é possível manejar todas as atividades com excelência – diferentemente da realidade masculina, que cumula apenas algumas das atribuições indicadas acima e sem grandes pressões por uma excelente performance. Todavia, a alta expectativa em torno das mulheres faz com que as falhas nessas tarefas gerem insegurança, que, por sua vez, reforça a necessidade de comparação com outras mulheres. Tal comparação é feita tanto pela diminuição pessoal em relação a colegas de trabalho quanto pela conclusão de que se está acima de seus pares. Além disso, na maioria das vezes, a necessidade de autoafirmação e aceitação, somada à escassez de oportunidades para as mulheres, contribui para a cultura da rivalidade.
Mulheres são mais exigentes com suas colegas e subordinadas e mais lenientes com pares e funcionários homens. Mesmo que inconscientemente, tendem a excluir outras mulheres por não enxergarem espaço para múltiplas lideranças femininas ou por entenderem que posições superiores na hierarquia de um ambiente corporativo serão, necessariamente, ocupadas por homens. Na maioria das vezes, consideram que homens já estão à frente, então sequer seriam rivais.
Ao mesmo tempo, mulheres esperam, mesmo que contraditoriamente, que suas colegas e superiores sejam mais compreensivas, tolerantes e generosas que os homens que ocupam as mesmas posições. Dessa forma, acabam enxergando as mulheres que cumprem o objetivo de dar o melhor de si no trabalho como egoístas, frias, hostis e antagônicas, como explicam Andrea Kramer e Alton Harris no artigo The Persistent Myth of Female Office Rivalries, publicado na Harvard Business Review. Homens que se comportam da mesma forma, por outro lado, estão simplesmente fazendo seu trabalho.
Tudo isso reforça os estereótipos de gênero, especialmente quando a presença feminina predomina na base da pirâmide do mercado de trabalho e a presença masculina é a preponderante no topo. Se são eles que estão no topo, caberia às mulheres que querem ascender em suas carreiras não apenas emular as características de seus líderes (ainda que pouco empáticas com elas mesmas), mas também antagonizar com mulheres, de forma a se sentirem aceitas na cultura preponderantemente masculina.
Como disse Barbara Neely na obra Blanche Among the Talented Tenth, mulheres geralmente estão mais interessadas em fazer parte de grupos masculinos do que em desafiá-los. No entanto, é só desafiando a estrutura pré-concebida de que mulheres são rivais que se conseguirá um ambiente de trabalho de efetiva inclusão e igualdade.
Mulheres têm melhor desempenho em ambientes empáticos e acolhedores
Conforme o relatório Women in the Workplace, elaborado pela consultoria McKinsey em parceria com a ONG LeanIn, a maioria das mulheres com menos de 30 anos e quase metade das mulheres que ocupam posições de liderança passaram a considerar o apoio oferecido pelos seus gestores um fator essencial no ambiente de trabalho. Esse contexto é relevante porque, na realidade, mais de 20% das mulheres que ocupam posições de liderança deixam seus cargos por falta de acolhimento por seus superiores.
O relatório também mostra que, atualmente, líderes de recursos humanos esperam que gestores de ambientes corporativos ajudem no desenvolvimento da carreira de seus subordinados, promovam o bem-estar dos funcionários e busquem a inclusão em seus times.
A performance dos colaboradores de uma empresa está intimamente ligada ao ambiente de trabalho acolhedor e compreensivo, e isso é especialmente verdade para mulheres, que, ao ocuparem cargos de liderança, tendem a ser mais empáticas e preocupadas com o bem-estar de seus subordinados, embora nem sempre reconhecidas por isso – outro tema relevante que foge do escopo deste texto e renderia um artigo próprio. Mas, por outro lado, na prática, nota-se que elas são mais criticadas e julgadas pelas próprias mulheres que, geralmente, reputam suas líderes como duras e agressivas ou mesmo como fracas ou incompetentes.
Essa cultura de rivalidade prejudica o que poderia ser uma parceria de muito sucesso. A disputa constante entre mulheres anula o acolhimento, aumenta as chances de promoção de homens – que, frise-se, sabem se apoiar –, e, principalmente, reduz as oportunidades para que mulheres cheguem à liderança, especialmente em ambientes que não são tradicionalmente femininos.
Como ser uma mulher que apoia outras mulheres?
Por mais que soe clichê, é na sororidade que está a resposta para a efetiva inclusão e promoção de outras mulheres. O relatório da McKinsey em parceria com a ONG LeadIn indica que o apoio de gestores está no interesse demonstrado pela carreira de seus subordinados, na garantia de que o executor receberá o crédito pelo trabalho realizado, em feedbacks construtivos, nos incentivos ao ambiente respeitoso e inclusivo, na frequente conferência quanto ao bem-estar dos funcionários e na proximidade durante a realização de trabalhos.
Tudo isso deve ser incentivado quando mulheres trabalham com outras mulheres. Em uma sala com diversos homens, por exemplo, uma mulher que ocupa um cargo mais sênior pode exaltar sua colega mais júnior, reconhecendo seu trabalho frente aos pares masculinos, ou elogiando um posicionamento pertinente. Outra forma de construir essa rede de apoio é demonstrando disponibilidade e acolhimento quando outras profissionais enfrentarem dificuldades.
Sororidade não é sinônimo de “dar colo” ou “ter pena” mas, sim, de empatia, torcida pelo sucesso de outras mulheres, ajuda e acolhimento em ambientes machistas e assim por diante. Por outro lado, a superação da rivalidade também pressupõe que profissionais mais juniores compreendam os desafios dos profissionais mais seniores, sejam empáticas e receptivas a conselhos e feedbacks. É buscar a igualdade por meio do apoio feminino, é evitar rivalidades, muitas vezes, baseadas em vieses inconscientes e que só prejudicam o ambiente de trabalho.
Todos ganham com a sororidade (até os homens!)
Todos têm a ganhar quando o assunto é reduzir a desigualdade. Empresas se tornam mais bem sucedidas, profissionais se sentem mais motivados (em especial, os que são vítimas da estrutura que exclui minorias) e o ambiente se torna mais agradável.
Contudo, é impossível negar que, com a redução da rivalidade feminina, as principais vencedoras são as mulheres, que contarão com um acolhimento mais empático entre si e formarão uma rede de apoio efetivamente eficiente rumo à igualdade de gênero no ambiente de trabalho.
Esse conteúdo integra a série Mulheres e Negócios, de autoria do grupo de afinidade 4Women, que faz parte do programa de Diversidade, Equidade e Inclusão do Mattos Filho.
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