

O novo regime de divulgação de informações por companhias abertas e aspectos ESG
Alterações trazidas pela Resolução CVM 59 reduzem o custo de observância e aumentam a transparência sobre práticas ESG adotados pelas companhias abertas
A Resolução nº 59, publicada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 22 dezembro de 2021, dispõe, dentre outros assuntos, sobre o novo regime de divulgação de informações por companhias abertas em seus formulários de referência. A nova resolução entrará em vigor em 2 de janeiro de 2023, sendo, portanto, aplicável para a atualização anual de formulário de referência referente aos exercícios sociais encerrados a partir de 31 de dezembro de 2022.
Objetivos da nova regulamentação
Um dos principais objetivos da alteração regulatória é a redução dos custos de observância, por meio da exclusão de informações já disponíveis em outros documentos da companhia e de informações descritas em outras seções do próprio formulário e da redução do período aplicável para a prestação das informações.
Via de regra, o regime atual prevê que o formulário de referência deve conter informações financeiras referentes aos três últimos exercícios sociais, ou ao período mais recente, em caso de oferta pública. No entanto, a nova regra estabelece que:
- Para fins de atualização anual do formulário de referência, devem ser apresentadas, de uma maneira geral, somente informações referentes ao exercício social anterior;
- Para fins de realização de oferta pública, devem ser incluídas as informações do último exercício social e as informações financeiras mais recentes, se aplicável;
- Para fins de solicitação do registro de companhia aberta, deve ser mantida a apresentação das informações dos três últimos exercícios sociais.
Um segundo objetivo relevante da alteração regulatória é a prestação de informações ESG por companhias abertas. Nos últimos anos, a sigla ESG, que advém do termo em inglês Environmental, Social and Governance (Ambiental, Social e Governança), vem ganhando notoriedade no cenário mundial, principalmente no mercado de capitais.
Avanço do tema ESG no mercado
O ESG como prática corporativa surgiu no início dos anos 2000, e se desenvolveu como uma forma de mensurar o impacto das empresas e nortear o planejamento de suas ações a partir de um conjunto de políticas e práticas para mitigar riscos sociais, ambientais e de governança decorrentes das suas atividades, além de gerar impactos positivos para a sociedade e o meio ambiente.
De acordo com estudo sobre o tema preparado pela CVM, foi identificado um aumento de 15%, entre 2018 e 2020, e de 55%, entre 2016 e 2020, no volume financeiro dos investimentos sustentáveis globais demostrando, dessa forma, o crescente interesse dos investidores em oportunidades com viés ESG.
A disseminação do tema no mercado, atrelada à demanda de investidores por maior transparência sobre políticas e práticas ESG, ensejou a realização da Audiência Pública SDM 09/205 pela CVM, em 2020, cujo resultado foi a Resolução CVM 59. A audiência propôs, dentre outras matérias, a incorporação de informações sobre aspectos ESG no formulário de referência, com vistas a estimular e aumentar a divulgação dessas informações por companhias abertas, padronizar e facilitar a comparabilidade de tais informações pelos investidores, bem como alinhar a regulamentação brasileira aos avanços que o tema apresenta mundialmente.
Vale dizer que, recentemente, a B3 submeteu à audiência pública proposta de Anexo ao Regulamento para Listagem de Emissores e Admissão à Negociação de Valores Mobiliários visando alinhar as normas da B3 à movimentação regulatória recente relacionada a temas ESG.
Novas informações ESG no formulário de referência
Em linhas gerais, no que se refere às informações ESG, as companhias deverão informar, dentre outros:
- Se divulgam dados ESG no relatório anual ou em algum outro documento específico;
- Se o relatório ou documento produzido considera a divulgação de matriz de materialidade e indicadores-chave de desempenho ESG, e quais são os indicadores materiais para a empresa;
- Se realiza inventários de emissão de gases do efeito estufa;
- Oportunidades inseridas no plano de negócios da companhia relacionadas a aspectos de ESG;
- Fatores de riscos sociais, ambientais e climáticos específicos à sociedade, alinhados à sua matriz de riscos e relatório de sustentabilidade.
Em relação à prestação das informações ESG, a CVM adotou o modelo “pratique ou explique”, isto é, caso a companhia não observe os parâmetros e/ou as práticas questionadas pelo regulador no formulário de referência, será necessário incluir as justificativas para tanto. Ainda que não haja uma imposição regulatória para a integração de critérios ESG nas companhias abertas, é notório o crescente interesse dos investidores nestas práticas, em especial dos institucionais.
Diversidade
Ainda dentro da temática ESG, observa-se o interesse da CVM na diversidade dos quadros administrativos e de empregados das companhias. A partir do ano que vem será necessário identificar o número de administradores agrupados por gênero, cor e demais indicadores relevantes de diversidade, bem como as características e objetivos específicos relativos à diversidade da diretoria e do conselho de administração da companhia. No mesmo sentido, o número de empregados deve ser incluído conforme tais indicadores de diversidade dentro de cada nível hierárquico.
Remuneração de executivos e empregados
No tema de remuneração no nível executivo, dentre outras informações, será necessário descrever os indicadores que levarem em conta os aspectos de ESG (sendo que, não havendo tais parâmetros, deve ser apresentada justificativa para essa ausência), e será exigida a apresentação de informações mais detalhadas sobre planos de remuneração/pagamentos baseados em ações. No que diz respeito à remuneração dos empregados, deve ser incluída a razão entre a maior remuneração reconhecida no resultado da companhia no último exercício social e a mediana da remuneração individual dos empregados da sociedade no Brasil, desconsiderando-se a maior remuneração individual.
Em resumo, as novas exigências de divulgação sobre remuneração e incentivos de curto e longo prazo buscam evidenciar irregularidades ou não-conformidade com boas práticas de governança por ser um tema que abrange questões delicadas (por exemplo, os riscos fiscais, conflitos de interesse, diluição de acionistas minoritários, discussões sobre natureza jurídica e contabilização de determinadas estruturas de incentivo etc.).
Integridade e contribuições políticas
Vale citar também a inclusão de itens específicos sobre integridade e contribuições políticas. Tornou-se obrigatório informar o número de casos de desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública confirmados nos últimos três exercícios sociais, e as medidas corretivas adotadas, independente de decisão administrativa ou judicial sobre os fatos detectados.
No que diz respeito a contribuições políticas, torna-se necessário informar as contribuições financeiras diretas ou indiretas realizadas pela sociedade para políticos e partidos políticos, destacando-se que, em 17 de setembro de 2015, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.650 e declarou a inconstitucionalidade das normas legais que autorizavam as contribuições de pessoas jurídicas a partidos políticos e a campanhas eleitorais. Mesmo assim, caberá à companhia descrever eventuais doações realizadas, inclusive no exterior, e/ou contribuições voltadas a custear atividades de grupos de interesse junto à administração pública (por exemplo, para influência em decisões de políticas públicas no conteúdo de atos normativos).
Como se preparar para a nova regra
A Resolução CVM 59, além de estruturar o novo modelo do formulário de referência, que será acompanhado por uma atualização no sistema de implementação de informações (Empresas.Net) disponível para testes a partir de 1° de setembro, também foi responsável por trazer à tona, de maneira definitiva, diversas discussões sobre a forma como companhias abertas e o mercado como um todo encaram a temática ESG na prática.
Dessa forma, mais do modificar os formulários de referência, percebe-se que a alteração regulatória busca ensejar a implementação de novas estruturas e mecanismos dentro da organização das companhias abertas. Assim, será necessário um maior aprofundamento em assuntos de cunho ambiental, de diversidade e, de forma mais ampla, na maneira pela qual as companhias se relacionam com a sociedade e ao ambiente ao seu redor.
Ao estabelecer novos padrões de qualidade e transparência, reduzindo certos custos de observância para as companhias abertas ao mesmo tempo que privilegia informações relevantes e atuais aos investidores, a Resolução CVM 59 é um marco na regulamentação brasileira do Mercado de Capitais.
Para mais informações, conheça as práticas de Mercado de Capitais, ESG, Remuneração de Executivos e Compliance e Ética corporativa do Mattos Filho.