

Lei Alemã de Cadeia de Fornecimento exigirá que empresas adotem due diligence
As disposições legais, que terão impacto em fornecedores do Brasil, entrarão em vigor a partir de 1 de janeiro de 2023
Assuntos
Com um olhar voltado para a tutela de direitos humanos e de incorporação de parâmetros ESG (Environmental, Social and Governance) em empresas, a Lei da Cadeia de Fornecimento alemã, aprovada em 16 de julho de 2021, impõe obrigações de due diligence para a prevenção de violações de direitos humanos nas cadeias de fornecedores.
Nesse sentido, tais empresas alemãs terão que implementar uma série de padrões de compliance e gestão de riscos, além de demonstrar que há respeito integral aos direitos humanos em toda a sua cadeia produtiva, o que engloba os seus fornecedores com atuação no exterior (inclusive no Brasil). A legislação entrará em vigor gradativamente a partir de 1 de janeiro de 2023.
Denominada “Gezetz über die unternehmerischen Sorgfaltspflichten zur Vermeidung von Menschenrechtsverletzungen in Lieferketten” (coloquialmente referenciada como “Lieferkettensorgfaltspflichtengesetz” ou LkSG), a legislação é pioneira na extensão de obrigações de compliance para os fornecedores estrangeiros. Embora já houvesse normas internacionais sobre o tema, o Parlamento alemão compreendeu que um mero comprometimento voluntário de empresas ao cumprimento de valores principiológicos seria insuficiente para a sua efetividade. Por isso, a nova legislação traz deveres específicos, com a aplicação de multas significativas nos casos de descumprimento das medidas previstas.
Dever de diligência em sustentabilidade
Atualmente, na qualidade de órgão executivo da União Europeia, a Comissão Europeia apresentou ainda a proposta “Corporate Sustainability Due Diligence”, uma diretiva sobre o dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade, a qual prevê a responsabilização empresarial por danos ambientais e por violações de direitos humanos em sua cadeia de fornecedores, a nível global. A proposta ainda será apresentada ao Parlamento Europeu para aprovação, mas já sinaliza uma tendência europeia de adoção de normas nesse sentido.
Outros países europeus também já vêm implementando normas similares. A título de exemplo, a Lei de Vigilância Francesa n° 2017-399 de 27 de março 2017, estabeleceu a obrigação de que empresas transnacionais com atuação no país exerçam um dever de vigilância de todo o seu processo produtivo. Em outras palavras, deve-se observar o cumprimento das disposições legais desde a produção da matéria-prima, passando pelo fornecimento dos insumos, até a venda do produto ao consumidor final.
De forma similar ao estabelecido pela LkSG, a legislação francesa determinou que as empresas-matrizes que se encontrem em seu território e que possuam mais de cinco mil funcionários pelo período de dois anos consecutivos devem produzir medidas de vigilância razoáveis para identificar riscos e prevenir violações de direitos humanos; da liberdade individual; do direito à saúde; à segurança e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Tais deveres se aplicam tanto a danos decorrentes de atividades da matriz (atividade principal), bem como de empresas por ela controladas direta ou indiretamente (inciso II do artigo L. 233-16) ou de atividades de subcontratados/fornecedores com os quais mantenha uma relação comercial.
Nesse sentido, empresas francesas com operações no Brasil que empreguem mais de 10 mil funcionários (distribuídos entre matriz e subsidiárias diretas ou indiretas) terão a obrigatoriedade de implementar um Código de Vigilância para controle da observância das normas legais também por suas subsidiárias e controladas, com intuito de evitar a responsabilização na França.
Além disso, já se tem observado uma tendência internacional de proposição de ações judiciais em países europeus por danos ocorridos em outros países, incluindo o próprio Brasil. Em alguns desses casos, os proponentes vêm buscando a responsabilização por tribunais europeus de empresas com sede na Europa, porém com base na aplicação da legislação do local do dano ocorrido. Isto é, as ações são pautadas na lei brasileira em razão de alegados danos ocasionados por empresas subsidiárias com operação no Brasil.
Pontos de inovação
A principal inovação da legislação alemã é, no entanto, a necessidade de que as empresas demonstrem que não há violações a direitos humanos em toda a sua cadeia produtiva (dentro de seus próprios estabelecimentos e nos de seus fornecedores imediatos), com a imposição de diversos deveres específicos e sanções em caso de irregularidades. Já com relação a fornecedores indiretos, como os de matéria-prima, embora os deveres de compliance sejam menos rígidos, devem-se realizar análises de risco em caso de reclamações/indícios de descumprimento das exigências legais.
Nesse sentido, medidas corretivas poderão ser exigidas por empresas alemãs aos seus fornecedores caso se tenha conhecimento da existência de alguma violação de direitos (por meio de denúncias, por exemplo). Cumpre observar que, embora as penalidades previstas na legislação sejam direcionadas apenas às empresas alemãs, os seus fornecedores estrangeiros poderão sofrer sanções comerciais decorrentes do descumprimento das normas, inclusive com a imposição de multas contratuais. Em último grau, caso as irregularidades não sejam sanadas, poderá haver o rompimento de relações comerciais.
Principais medidas da legislação
Dentre as principais medidas trazidas pela legislação, destacam-se a necessidade se implementação de um sistema interno de gerenciamento de riscos; a realização de análise de riscos; adoção de medidas preventivas e corretivas (conforme o necessário), inclusive no processo produtivo de seus fornecedores. Ademais, as empresas passarão a ter que apresentar relatórios anuais de compliance com as disposições legais, os quais devem ser disponibilizados com livre acesso ao público no sítio eletrônico da empresa pelo período mínimo de sete anos. Além disso, as empresas têm o dever de comprovar a implementação de procedimentos internos adequados para reclamação, bem como o de informar ao público em geral os potenciais impactos negativos do seu negócio no que se refere a direitos humanos.
O principal objetivo da legislação é impor deveres de ação para que empresas evitem violações de direitos humanos, corrigindo as práticas inadequadas e, em último grau, encerrando práticas ilegais com o rompimento de relações comerciais com empresas que não se adequem aos standards exigidos. Os deveres de compliance têm especial enfoque em coibir as seguintes práticas ilegais:
- Trabalho infantil;
- Trabalho análogo à escravidão;
- Descumprimento das normas trabalhistas;
- Desrespeito à liberdade de associação;
- Discriminação, inclusive quanto ao tratamento desigual com base em raça, gênero, nacionalidade, origem social, idade, saúde ou crença religiosa;
- Violação de obrigações ambientais.
Aplicação de multas
O descumprimento das previsões legais pode ensejar a aplicação de multas de até cinco milhões de Euros se constatada a ausência de mecanismos para monitoramento de riscos ou falha na sua condução. Em casos de omissões a adoção de medidas preventivas diante da identificação de riscos, tais multas podem alcançar o valor de oito milhões de Euros. Outros tipos de violação por empresas de grande porte (com faturamento anual acima de 400 milhões de Euros) podem ensejar ao pagamento de multas de até 2% do seu faturamento anual. Além disso, empresas que tenham sido multadas com valores acima de 175 mil Euros serão impedidas de participar de licitações com o poder público pelo período de três anos.
Diante das novas medidas impostas pela legislação, uma das preocupações das empresas alemãs é com relação à extensão da responsabilização civil indireta por eventuais danos socioambientais causados por terceiros no processo produtivo, especialmente em outros países. Diante disso, após diversas discussões, uma nova disposição foi adicionada à versão final da legislação aprovada para endereçar o tema de modo específico (Seção 3, §3º). O dispositivo atesta expressamente que a violação de obrigações legais não enseja a responsabilidade civil, sendo, entretanto, mantidas as previsões de responsabilização já previamente existentes na legislação alemã. Todavia, será preciso aguardar o posicionamento dos tribunais alemães quanto à forma de interpretação da nova legislação no que diz respeito a uma eventual ampliação da extensão da responsabilidade civil.
Impactos no Brasil
De toda sorte, ao longo do ano de 2022, será de extrema importância a adequação do processo produtivo de empresas tanto às normas socioambientais brasileiras, quanto às novas exigências que serão impostas pela LkSG a partir de 1º de janeiro de 2023. Tais medidas serão aplicáveis não só às subsidiárias de empresas alemãs com atuação no Brasil, mas também a empresas brasileiras que atuem como fornecedoras de bens ou serviços para Companhias com sede na Alemanha.
Nesse sentido, é fundamental que as empresas incorporem internamente ‘Manuais de Compliance’ e adotem medidas de análise e controle de riscos socioambientais, bem como que busquem divulgar informações e relatórios anuais de parâmetros ESG, além de adotar mecanismos de reclamação e reporte efetivo de riscos socioambientais e violações de direitos humanos de modo geral. Nesse sentido, será de extrema importância o treinamento de funcionários para o compliance com as previsões legais e adoção de medidas de due diligence para fins de identificação, prevenção e reparação de riscos socioambientais no âmbito da cadeia produtiva da companhia. Caso contrário, a empresa estará sujeita a sérios riscos de responsabilização tanto no Brasil, quanto na Alemanha.
Para mais informações sobre a Lei da Cadeia de Fornecimento, conheça a prática de ESG do Mattos Filho.
* Com a colaboração de Isabella Senedez de Andrade.
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