Publicada resolução sobre direitos de crianças e adolescentes no ambiente digital
Resolução n° 245 do Conanda garante direitos digitais como liberdade de expressão e estabelece dever de cuidado
Assuntos
A Resolução nº 245, de autoria do Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes (Conanda), foi publicada em 9 de abril de 2024 no Diário Oficial da União. A resolução dispõe sobre os direitos das crianças e adolescentes no ambiente digital e define princípios, recomendações e obrigações específicas a respeito para entidades do setor público e do setor privado.
A Resolução estabelece diretrizes para as empresas provedoras de produtos e serviços digitais acessíveis por crianças e adolescentes e entrou em vigor na data de sua publicação.
Noções iniciais e princípios basilares
A Resolução considera como “ambiente digital” as tecnologias da informação e comunicação (TICs), como redes, conteúdos, serviços e aplicativos digitais disponíveis no ambiente virtual (internet); dispositivos e ambientes conectados; realidade virtual e aumentada; inteligência artificial (IA); robótica; sistemas automatizados, biometria, sistemas algorítmicos e análise de dados, em consonância com o Comentário Geral nº 25 de 2021, do Comitê de Direitos da Crianças da ONU.
A Resolução define princípios básicos de proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes no ambiente digital, incluindo:
- Prevalência, primazia e precedência do interesse superior e dos direitos das crianças e adolescentes previstos na legislação brasileira;
- Respeito à liberdade de expressão e de consciência ao acesso à informação, à autonomia progressiva e à escuta e participação da criança e do adolescente;
- Proteção contra toda forma de negligência, discriminação, violência, crueldade, opressão e exploração, inclusive contra a exploração comercial;
- Garantia dos direitos das crianças e adolescentes por design dos produtos e serviços em ambientes digitais.
Interesse superior
A Resolução estabelece que o interesse superior da criança e do adolescente deve ser aferido em conformidade com a Doutrina da Proteção Integral dos Direitos da Criança e do Adolescente, observando os direitos previstos na legislação nacional e normas internacionais, sendo esse o princípio orientador e primário para a garantia dos direitos e do bem-estar da criança e do adolescente no ambiente digital.
Autoridades públicas, entes privados e sociedade devem zelar para que todas as ações realizadas, a concepção, o desenvolvimento e as ações de comunicação de qualquer produto ou serviço no ambiente digital levem em conta os direitos e o interesse superior da criança e do adolescente, sobretudo liberdade de expressão e os direitos de buscar, receber e difundir informação segura, confiável e íntegra.
Violação de direitos relacionados aos riscos de conteúdo, contrato, conduta e contato
Conforme a Resolução, as crianças e adolescentes devem ser protegidas das violações de direitos relacionadas aos riscos de conteúdo, contrato, contato e conduta que incluam, dentre outros, conteúdos violentos e sexuais, cyber agressão ou cyberbullying, discurso de ódio, assédio, adicção, jogos de azar, exploração e abuso – inclusive sexual e comercial -, incitação ao suicídio, à automutilação, publicidade ilegal ou a atividades que estimulem e/ou exponham a risco sua vida ou integridade física.
Liberdade de expressão e moderação de conteúdo
Segundo a Resolução, o direito à liberdade de expressão de crianças e adolescentes no ambiente digital inclui a liberdade de buscar, receber e compartilhar informações seguras, íntegras e adequadas, utilizando-se de qualquer ferramenta ou serviço conectado à internet. Qualquer restrição ao direito de liberdade de expressão no ambiente digital deve ser legal, necessária e proporcional, tendo como base o superior interesse da criança e do adolescente.
O uso de ferramentas de moderação e controle de conteúdo digital que tenham o objetivo impedir que crianças e adolescentes de acessar conteúdo e serviços nocivos deve ser compatível com o respeito ao seu direito à liberdade de expressão e de acesso à informação.
Proteção de dados e obtenção do consentimento
A Resolução prevê que, sempre que houver o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes baseado no consentimento, este deve ser obtido de forma livre e prévia junto aos responsáveis, solicitado de forma específica e destacada, para finalidades específicas e, sempre que possível, junto à criança ou adolescente, observado seu grau de maturidade e compreensão sobre os efeitos do consentimento.
Profiling e vigilância
Dados pessoais de crianças e adolescentes não devem ser utilizados para fins comerciais, como criação e definição de perfis de comportamento, consumo e segmentação mercadológica, tampouco para direcionamento de publicidade ou ampliação de seu alcance. Qualquer tipo de mecanismo de vigilância e monitoramento digital de crianças e adolescentes associado a ferramentas de automação e tratamento de dados pessoais deve respeitar seu direito à privacidade e não deve ser utilizado de forma indiscriminada e injustificável.
Dever de cuidado das empresas provedoras
A Resolução prevê que as empresas provedoras de produtos e serviços digitais utilizados por crianças e adolescentes em funcionamento no Brasil, inclusive aquelas sediadas no exterior, são responsáveis pela implementação e garantia dos direitos desse público nos ambientes digitais.
Mecanismos efetivos de verificação etária nos serviços e ambientes digitais acessíveis a crianças e adolescentes devem ser disponibilizados para impedir que estes tenham acesso a plataformas, produtos, serviços e conteúdos ilícitos ou incompatíveis com sua idade.
As empresas provedoras de ambientes e serviços digitais devem disponibilizar mecanismos de mediação parental e recomendar ativamente a participação de responsáveis legais, como forma de promoção do uso seguro e saudável de seus serviços no ambiente digital.
Ainda, a Resolução estabelece que as empresas de tecnologia devem desenvolver mecanismos de proteção e prevenção de violações específicas para o nível dos intermediários que agregam grandes bases de seguidores de crianças e adolescentes, como influenciadores, streamers, gamers, administradores de grupos e canais, moderadores de lives e afins.
Segundo a Resolução, empresas devem priorizar em seus sistemas as ferramentas, equipes, recursos de moderação e o controle de conteúdo ilegal ou impróprio envolvendo ou direcionado para crianças e adolescentes. A Resolução prevê que as empresas devem tornar indisponíveis o conteúdo ilegal ou nocivo envolvendo ou direcionado para crianças e adolescentes tão logo constatado o seu teor, independentemente de ordem judicial.
Divulgação de relatórios de transparência e conformidade
As empresas devem publicizar regularmente informações sobre a quantidade de denúncias recebidas, as categorias de ofensas e violações, bem como os métodos de moderação aplicados no processo de análise de denúncias e na eventual aplicação de sanções. As empresas devem prever, em seus termos de uso, a proibição de postagem de conteúdo ilegal ou impróprio envolvendo ou direcionado para crianças e adolescentes, bem como sanções proporcionais aos usuários infratores.
Além disso, as empresas deverão publicar, ao menos anualmente, relatórios de:
- Transparência, quanto ao funcionamento de seus serviços e sistemas, inclusive os algorítmicos, bem como do uso dos dados colhidos durante o funcionamento de seus serviços e, no mínimo:
- Medidas de governança adotadas na concepção, desenvolvimento e emprego de seus sistemas;
- Detalhamento dos métodos empregados para prevenção e mitigação de riscos;
- Detalhamento das sanções aplicáveis a infratores;
- Exposição de esforços envidados para educação e promoção de direitos e uso consciente, saudável e responsável dos ambientes e serviços digitais.
- Avaliação de riscos aos direitos e o interesse superior de crianças e adolescentes;
- Auditoria independente, que avalie a conformidade com o ordenamento jurídico e o cumprimento das responsabilidades e do dever de cuidado.
A Resolução prevê que o tratamento de denúncias de violação dos direitos de crianças e adolescentes no ambiente digital, recebidas pelas empresas provedoras, devem ser encaminhadas à Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (Disque 100), aos órgãos do Sistema de Garantia de Direitos, em especial aos Conselhos Tutelares, ao Ministério Público, Defensoria Pública, órgãos de defesa do consumidor, e às autoridades policiais, preferencialmente delegacias especializadas em crimes virtuais e na proteção dos direitos de crianças e adolescentes. O retardamento ou omissão no encaminhamento, seja culposo ou doloso, poderá culminar nas sanções previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
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