

TRT valida rescisão indireta por não adaptação do ambiente de trabalho à empregada autista
Decisão em São Paulo ganha visibilidade em razão da campanha #ABRILAZUL da ONU e destaca a importância do tema na Justiça do Trabalho
Assuntos
A 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, em acórdão publicado em março, acolheu pedido de rescisão indireta de empregada com base na negligência do empregador em adaptar o meio ambiente de trabalho para acomodar as necessidades da empregada autista (RT 1000780-72.2023.5.02.0021).
Pelo que consta no processo, a empregada alega que foi contratada para realizar atendimentos via chat, desempenhando as suas atividades com qualidade e atendendo às expectativas de seu empregador. No curso do contrato de trabalho, a empregada relata que foi transferida para realizar atendimento via telefone, em ambiente de elevado ruído e com mudanças constantes de posto de atendimento, o que lhe causou problemas de adaptação, em razão de sua dificuldade de comunicação e interação social.
Decisão
O Tribunal seguiu a fundamentação adotada pelo juiz de 1º grau, no sentido de que a empresa não efetuou alterações mínimas suficientes para amenizar o sofrimento da autora. O juiz destacou que foi reportado ao setor de medicina do trabalho a situação vivenciada pela autora, que compreendia dificuldades no exercício das atividades profissionais devido ao barulho da operação e do volume das ligações, o que causava crises de ansiedade e pânico.
A decisão considerou que o empregador tinha plena ciência da condição da autora e, mesmo assim, não tomou as iniciativas necessárias, seja para transferi-la de setor ou colocá-la em regime de home office. Dessa forma, o Tribunal validou o entendimento de que houve violação do contrato de trabalho por parte do empregador, autorizando a rescisão indireta do contrato de trabalho.
A validação se baseia no art. 483 da CLT (a, b, c), que dispõe que “o empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
c) correr perigo manifesto de mal considerável;”
Abril Azul
A decisão ganhou visibilidade em razão do #ABRILAZUL, campanha criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo de dar visibilidade e conscientizar a população sobre o autismo.
Do ponto de vista social, a psicóloga Midyan Caro, especialista em Análise do Comportamento Aplicada TEA (Transtorno do Espectro Autista), afirmou em conversa por telefone com o Mattos Filho que “indivíduos no espectro autista podem enfrentar desafios significativos ao lidar com mudanças repentinas no ambiente e serem sensíveis a estímulos sensoriais, como ruídos, luzes e movimentações de pessoas”. Ainda, ela afirmou que “essas sensibilidades sensoriais são uma característica comum do autismo e variam de pessoa para pessoa, tornando indispensável a implementação de adaptações individualizadas no ambiente de trabalho”.
Prioridades
Na visão da psicóloga, “a falta de ajustes sensoriais adequados, juntamente com mudanças na rotina e o estresse acumulado derivado das dificuldades sociais e de comunicação, especialmente em ambientes agitados, como call centers, pode resultar em desconforto, dores físicas, sobrecarga sensorial, ansiedade e crises; por isso, é crucial adaptar o ambiente de trabalho de forma a torná-lo compreensível, previsível e menos estimulante sensorialmente”.
Ainda, segundo a especialista, entre as estratégias que podem ser consideradas pelas empresas para acomodar a necessidade dos indivíduos com espectro autista, devem ser priorizadas os ajustes na comunicação com esses trabalhadores, que deve ser clara e direta; o ajuste na iluminação do local de trabalho, a flexibilidade nos horários de trabalho, o apoio emocional e social, além dos treinamentos para colegas de trabalho e supervisores, a fim de promover a conscientização sobre o TEA e oferecer suporte eficaz a esses empregados.
Olhar jurídico
Do ponto de vista legal, destacamos a existência de disposições específicas tratando sobre o tema, como a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, prevendo o estímulo à inserção da pessoa com transtorno de espectro autista no mercado de trabalho e garantindo o direito de acesso ao mercado. Além disso, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146, de 6 de julho de 2015) prevê uma serie de direitos relacionado ao trabalho às pessoas com deficiência, incluindo, a acessibilidade, inclusão, adaptação do ambiente de trabalho, capacitação, fornecimento de recursos de tecnologia, desde que tais adaptações também não acarretem em ônus desproporcional e indevido ao empregador.
A promoção da Diversidade e Inclusão (D&I) no ambiente de trabalho tornou-se um tema estratégico para as empresas, que devem concentrar esforços em como criar uma agenda efetiva de D&I, na qual também devem ser incluídas as pessoas neurodivergentes, tema que já está sendo objeto de análise pela Justiça do Trabalho.
Para mais informações, conheça a área Trabalhista e Sindical do Mattos Filho.