

Boletim de direito do consumidor: julgamentos relevantes para o mercado de consumo sob análise no STJ
Panorama de alguns dos principais temas repetitivos no STJ em matéria de consumo com possibilidade de julgamento em 2025
Assuntos
Cobrança de dívida prescrita e inscrição do nome do devedor em plataformas de negociação
Nos últimos anos, o Poder Judiciário tem se deparado com um aumento no número de ações envolvendo a cobrança extrajudicial de dívidas prescritas e a inscrição de seu devedor em plataformas de negociação, como “Serasa Limpa Nome” e “Acordo Certo”, e o fato de tais condutas configurarem ou não atos ilícitos, a ensejar dever de indenizar o consumidor com nome negativado nas referidas plataformas. O entendimento sobre o tema não é pacífico na Justiça Estadual.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exemplo, aprovou o Enunciado nº 11 da Turma Especial da Subseção II de Direito Privado, segundo o qual a cobrança extrajudicial de dívida prescrita é ilícita, mas o seu mero registro em plataformas de negociação não caracteriza dano moral, salvo se demonstrada divulgação a terceiros ou alteração no sistema de pontuação de créditos.
Por outro lado, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul decidiu, no IRDR 0032928-62.2021.8.21.7000 (Tema IRDR 22), que é lícita a inclusão do nome do consumidor devedor nas plataformas de negociação por dívida prescrita e que inexiste abalo moral decorrente de tal inclusão.
Já o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte entendeu, no IRDR 0805069-79.2022.8.20.0000, que “não se pode ampliar o conceito de prescrição, que é próprio do direito de Ação, para dizer-se que o mesmo incide sobre obrigações inadimplidas (dívida)” e, portanto, faltaria interesse de agir ao consumidor que pleiteava declaração de prescrição de débito, cancelamento de informação negativa e condenação da empresa ré em indenização por danos morais. Entendeu, ainda, que a prescrição “não repercutiria no referido cadastro [nas plataformas de negociação], eis que não seria afastada a existência da dívida, apenas a pretensão referente ao exercício do direito a ela relacionado.”
O tema chegou no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que afetou três recursos especiais para decidir sobre a legalidade da cobrança de dívida prescrita e sua inscrição em plataformas de negociação de dívidas (REsp 2092190/SP, REsp 2121593/SP e REsp 2122017/SP), sendo registrado o Tema Repetitivo 1264.
A análise do tema pelo STJ, além de trazer segurança jurídica e pacificar os entendimentos sobre a matéria, impactará de sobremaneira o mercado de consumo, visto que, segundo dados do Mapa da Inadimplência e renegociação de dívidas no Brasil, havia mais de 73 milhões de brasileiros endividados em dezembro de 2024.
(Des)necessidade de prova de culpa ou má-fé para a devolução em dobro prevista no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor
O art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor determina que, no caso de o consumidor ser cobrado indevidamente por qualquer quantia, o fornecedor deverá lhe pagar referida quantia em dobro, “salvo hipótese de engano justificável”.
Para incidência da repetição do indébito prevista nesse dispositivo, parte da doutrina e jurisprudência defendiam que havia necessidade de prova de culpa ou má-fé do fornecedor nessa cobrança indevida, não sendo o tema pacificado.
A matéria chegou ao STJ e, no julgamento do EREsp 1.413.542/RS, foi reconhecida a “irrelevância da natureza volitiva da conduta (se dolosa ou culposa) que deu causa à cobrança indevida contra o consumidor”, bastando, para afastar a condenação de pagamento em dobro, que o fornecedor comprove a boa-fé em sua conduta a demonstrar que cometeu “engano justificável” na cobrança da quantia indevida.
Como esse julgamento não tem efeitos vinculativos e segue existindo divergência na jurisprudência sobre o tema, foi determinada a afetação de recursos representativos da controvérsia (Tema Repetitivo 929), para possível confirmação do entendimento da Corte Especial do STJ no julgamento do EREsp 1.413.542/RS. Esse julgamento, portanto, definirá, de forma vinculante, sobre a necessidade de prova de culpa ou má-fé para devolução em dobro do valor cobrado indevidamente frente ao consumidor.
O julgamento é importante porque, a depender da definição do STJ a respeito do assunto, haverá maior litigiosidade envolvendo relações de consumo e maior contingência financeira às empresas.
Validade de empréstimo consignado contratado por pessoa analfabeta com procuração a rogo e subscrita por duas testemunhas
O Tribunal de Justiça do Estado do Ceará decidiu, em incidente de resolução de demandas repetitivas, que o art. 595 do Código Civil dispensa instrumento público para a contratação de empréstimo consignado por pessoa analfabeta, sendo plenamente possível que tal contratação se dê com procuração a rogo e subscrita por duas testemunhas. Sobreveio a interposição de recurso especial contra essa decisão, o qual foi afetado sob o rito dos recursos repetitivos pelo STJ (ProAfR no REsp 1.943.178/CE), dando origem ao Tema Repetitivo 1116.
Paralelamente, o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso decidiu que o art. 595 do Código Civil apenas autoriza a dispensa de instrumento público nas hipóteses em que a lei admite contratação verbal, que não seria o caso da contratação de empréstimo consignado. Entendeu, assim, pela nulidade do contrato de empréstimo consignado celebrado por pessoa analfabeta mediante procuração a rogo e na presença de duas testemunhas, sem instrumento público. Essa decisão foi objeto de recurso especial (ProAfR no REsp 1.938.173/MT), sendo o referido recurso também afetado para julgamento no Tema Repetitivo 1116.
Com esse julgamento, pretende-se pacificar o entendimento acerca da necessidade de instrumento público para a validade de contratação de empréstimo consignado por pessoa analfabeta com procuração a rogo e duas testemunhas.
Para mais informações acerca do tema, conheça a prática de Contencioso e Arbitragem do Mattos Filho.