

STJ fixa tese para averiguação de litigância abusiva
O julgamento, que começou em fevereiro de 2024, define parâmetros para combate à prática
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Ao julgar o Recurso Especial nº 2.021.665-MS (Tema 1198), a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça definiu, por unanimidade, que “Constatados indícios de litigância abusiva, o juiz pode exigir de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto a emenda da petição inicial a fim de demonstrar o interesse de agir e a autenticidade da postulação, respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova”.
O caso julgado deriva de recurso interposto contra acórdão proferido em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), analisado pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, que estabeleceu que o juiz pode exigir a apresentação de novos documentos que entender pertinentes para a averiguação da existência de eventual litigância abusiva.
O julgamento teve início em fevereiro de 2024, com o voto do relator, o Ministro Moura Ribeiro, que diferenciou o fenômeno da litigância de massa, verificada pelo alto número de ações distribuídas como consequência natural da sociedade massificada, da litigância predatória, caraterizada pelo uso abusivo do direito de ação. O relator defendeu que, diante de situações abusivas, os magistrados devem adotar medidas para assegurar a regularidade do processo, de forma a observar os princípios da duração razoável, da proteção do consumidor, da cooperação e da primazia do julgamento de mérito.
Em outubro de 2024, o Min. Humberto Martins apresentou voto divergente, delimitando a atuação do magistrado à determinação de apresentação de documentos “de identificação e/ou probatórios previstos na lei processual”. Na sequência, o Min. Luis Felipe Salomão pediu vista, salientando que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estava tratando do tema – à época, o Min. Salomão atuava como Corregedor Nacional de Justiça.
De fato, em 23 de outubro de 2024, o CNJ publicou a Recomendação nº 159, por meio da qual estabeleceu medidas para a identificação, o tratamento e a prevenção da litigância abusiva no Judiciário. A Recomendação prevê diretrizes para que juízes e tribunais possam identificar comportamentos que caracterizam o abuso do direito de litigar, tais como a propositura de ações sem lastro jurídico, a fragmentação de demandas e o uso de ações judiciais para fins de procrastinação ou obtenção de acordos indevidos.
O ato normativo também indica a adoção de medidas preventivas, como a triagem de petições iniciais e o estímulo à resolução consensual de conflitos. Ele ainda sugere a criação de painéis de monitoramento nos tribunais, o desenvolvimento de sistemas de inteligência de dados para detectar padrões de litigância abusiva e o compartilhamento de informações entre as diversas instâncias judiciais, respeitando as normas de proteção de dados.
Em seu voto-vista, o Ministro Salomão acompanhou a tese proposta pelo Ministro Moura Ribeiro, com a ressalva de ajuste da nomenclatura para litigância abusiva (o Min. Moura utilizava a expressão “litigância predatória”) e a inclusão do seguinte trecho final na tese proposta: “respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova”.
O julgador sugeriu, também, que a tese fixada trouxesse a ressalva de que “a evolução do processo da fase de conhecimento para a fase de cumprimento de sentença, em regra dispensa procuração atualizada ou reconhecimento de firma, salvo se houver previsão no mandato em sentido contrário”.
O Ministro aponta que este é um caso de política judiciária e ressalta que a Recomendação do CNJ é o “reconhecimento de que, apesar de excepcional, o fenômeno da litigância abusiva permeia os Tribunais brasileiros e deve ser combatido de forma fundamentada pelo magistrado na condução do processo e no exercício de seu poder geral de cautela, não apenas porque constitui abuso ao regular exercício do direito de litigar em juízo, mas porque, se não evitado, pode inviabilizar o exercício do próprio direito de acesso à justiça em igualdade de condições para todos, com potencial de colapsar o sistema de Justiça”.
Como todos os ministros foram favoráveis à adoção de tese única e às fundamentações utilizadas tanto pelo Min. Moura Ribeiro quanto pelo Min. Salomão, a Corte passou a discutir apenas o teor da tese a ser fixada.
O Ministro Herman Benjamin ressaltou em seu voto que o número de ações propostas por um advogado não é, per si, característica de litigância abusiva. Desse modo, acompanhou o Ministro Moura Ribeiro, com as alterações sugeridas pelo Ministro Salomão, afastada a ressalva quanto à desnecessidade de nova procuração na fase de cumprimento de sentença.
Com essas considerações, o Ministro Moura Ribeiro retificou seu voto para fazer constar as sugestões do Ministro Herman Benjamin e foi acompanhado pelos Ministros Francisco Falcão, Humberto Martins, Mauro Campbell, Benedito Gonçalves, Antonio Carlos Ferreira, Sebastião Reis e Nancy Andrighi.
A Ministra Maria Isabel Gallotti discordou da expressão “respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova”, por entender não ter relação com a tese da litigância abusiva, já que, em regra, o autor sempre terá que provar o alegado. Os Ministros João Otávio de Noronha, Raul Araújo e Ricardo Villas Bôas Cueva acompanharam essa discordância. O Ministro Og Fernandes não votou, por não ter participado do julgamento anterior. A Ministra Maria Thereza de Assis presidiu o julgamento.
Para mais informações e atualizações sobre o tema, acompanhe a prática de Contencioso e Arbitragem do Mattos Filho.