

Dia Internacional do Consumidor e temas atuais no mercado de consumo
Superendividamento, práticas no comércio eletrônico, plataformas Consumidor.GOV e ProConsumidor e Decreto do SAC estão no radar de órgãos de defesa do consumidor e dos Poderes Judiciário e Legislativo
Assuntos
As relações de consumo estão em constante evolução e, acompanhando o marco do Dia Internacional do Consumidor, celebrado anualmente em 15 de março desde 1983, especialistas do Mattos Filho prepararam esse material com temas que estão no radar dos órgãos de proteção e defesa do consumidor, bem como dos Poderes Judiciário e Legislativo para este ano, e demandam atenção dos consumidores e fornecedores.
Plataformas Consumidor.GOV e ProConsumidor
A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) prepara, periodicamente, reuniões com órgãos e entidades do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), como Procons, Ministérios Públicos, entidades civis e associações de consumidores e Defensorias Públicas. Por meio dessas reuniões, são apresentadas demandas atuais do mercado de consumo e propostas para seu enfrentamento, visando uniformizar e tornar mais eficiente a proteção de direitos no mercado de consumo. Essas reuniões têm como objetivo contribuir para a criação e implementação de políticas e regulamentações no setor.
Ao longo da próxima semana, entre os dias 26 e 28 de março de 2025, será realizada a 35ª Reunião Ordinária do SNDC, cuja pauta compreenderá, dentre outros temas, o aprimoramento das plataformas Consumidor.GOV e ProConsumidor.
A plataforma Consumidor.GOV visa proporcionar mediação de conflitos entre consumidores e fornecedores, sem intervenção judicial. Ela funciona da seguinte forma: o consumidor registra sua reclamação, relata o problema e o fornecedor é intimado para apresentar resposta à reclamação no prazo de 10 dias.
Essa plataforma disponibiliza, ainda, campo para pesquisa pública das empresas no mercado de consumo. No caso de o fornecedor estar cadastrado na plataforma, é exposta a média dos seguintes índices, que variam conforme as diligências do fornecedor após intimação para resposta à reclamação: solução, satisfação com o atendimento, reclamações respondidas e prazo médio para resposta.
Por sua vez, a plataforma ProConsumidor visa auxiliar o contato dos consumidores com os órgãos de proteção e defesa do consumidor, assegurando um suporte formal aos consumidores para resolução de conflitos junto a fornecedores (análise e autuação das reclamações, além de respaldo jurídico e administrativo nos processos autuados). Ela é indicada “para situações que somente a negociação direta com as empresas não resolve e que demandam a intervenção de autoridades para resolução de conflitos”, abrangendo inclusive empresas que não possuem cadastro na plataforma Consumidor.GOV.
A relevância dessas plataformas é evidenciada pelo fato de órgãos de proteção e defesa do consumidor utilizarem os índices de solução da reclamação, satisfação com o atendimento e prazo médio como indícios de práticas abusivas no pós-venda e mercado de consumo.
A inscrição nessas plataformas não é obrigatória para todos, mas é vista com bons olhos pelos órgãos de proteção e defesa do consumidor, tanto que o cadastro do fornecedor na plataforma Consumidor.GOV passou a constituir circunstância atenuante da penalidade administrativa imposta por membros do SNDC, nos termos do inciso VI acrescido ao art. 25 do Decreto 2.181/97. Portanto, é recomendável aos fornecedores o cadastro na plataforma Consumidor.GOV, além de atenção e cuidado nas respostas às reclamações recebidas lá.
Superendividamento
Legislativo
Objeto da Lei nº 14.181/2021 (popularmente conhecida como Lei do Superendividamento), o superendividamento está presente na vida de diversos brasileiros: segundo dados do Mapa da Inadimplência e renegociação de dívidas no Brasil, havia mais de 73 milhões de brasileiros endividados em dezembro de 2024.
Diante disso, há movimentações na seara legislativa para restrição da oferta de crédito consignado, com o objetivo de diminuir o número de endividados. No Estado de Santa Catarina, por exemplo, foi editada a Lei nº 19.236/2025, que estabeleceu, dentre outras disposições, requisitos para oferta e publicidade de crédito consignado.
Nos termos do art. 4º da Lei nº 19.236/2025, a licitude de publicidade e oferta de crédito consignado, no Estado de Santa Catarina, fica condicionada à veiculação de informações claras e precisas sobre:
- Risco do superendividamento; comprometimento da renda;
- Impossibilidade de desvincular as despesas da conta benefício;
- Limite de crédito;
- Utilização consciente do crédito, além de indicar todos os encargos, tributos, juros cobrados, multas e custo efetivo incidentes em eventual contratação do crédito consignado.
No caso de violação dessa disposição, o fornecedor fica sujeito às penalidades previstas no art. 56 do Código de Defesa do Consumidor.
Há uma tendência de esse tema ser regulamentado no âmbito estadual, como em Santa Catarina, sendo relevante um monitoramento constante da legislação nova em matéria de consumo.
Judiciário
O Poder Judiciário tem analisado interpretações das normas da Lei do Superendividamento.
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça recentemente julgou o REsp 1.168.199/RS, no qual decidiu acerca da aplicação das sanções do art. 104-A, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor (suspensão da exigibilidade do débito, interrupção dos encargos moratórios, sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida se o montante devido for certo e conhecido pelo consumidor) independentemente de já ter sido instaurado processo judicial litigioso.
Para o relator do recurso especial, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a palavra “processo”, utilizada para denominar “processo de repactuação de dívidas” no art. 104-A, caput, do Código de Defesa do Consumidor, “deve ser entendida em sentido amplo, não se restringindo à definição técnica da relação jurídica estabelecida entre as partes e o Estado-juiz com a finalidade de promover o acertamento de uma lide”. Como consequência, as sanções do §2º desse dispositivo seriam plenamente aplicáveis na fase pré-processual da repactuação de dívidas.
O ministro relator entendeu ,ainda, que o comparecimento à audiência conciliatória na fase pré-processual de repactuação de dívidas é um dever anexo ao contrato celebrado entre as partes, decorrente do princípio da boa-fé objetiva. Ou seja, o não comparecimento implica em violação da boa-fé objetiva, atraindo a incidência das sanções indicadas no art. 104-A, §2º, do Código de Defesa do Consumidor.
Órgãos de proteção e defesa do consumidor
A Senacon, atenta à realidade de diversas mulheres brasileiras, estabeleceu, ao editar Nota Técnica nº 2/2025, a “promoção de iniciativas para estimular a criação de condições especiais para mulheres que vivem em condições de vulnerabilidade social e econômica” como uma das diretrizes de proteção e defesa da consumidora.
No mesmo sentido, a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor de São Paulo (PROCON/SP) realizou, ao longo desta última semana, ações de conscientização visando expor a consumidores temas de educação financeira (como fazer um orçamento, tipos de créditos, endividamento, regularização de cheques sem fundos, consumismo e aspectos emocionais do consumo).
Há, ainda, temas relativos ao superendividamento que são muito recentes e depende de maiores debates pelos órgãos de proteção e defesa do consumidor para melhor compreensão. É o caso das apostas de quota fixa (popularmente chamada de bets em jogos online), que têm ganhado espaço no mercado de consumo após sua regulamentação pela Lei nº 14.790/2023 e Portarias da Secretaria de Prêmios e Apostas. Os impactos das bets no superendividamento da população brasileira está entre os outros temas da 35ª Reunião Ordinária do SNDCe deve gerar desdobramentos.
O que se vê, portanto, é um olhar atento de todas as esferas do Poder Público quanto ao tema de superendividamento, com preocupação quanto à oferta de crédito por instituições financeiras e de sua contratação e utilização por consumidores.
Práticas no comércio eletrônico e combate à pirataria
Com a aceleração da digitalização e virtualização das coisas, o comércio eletrônico está se expandindo cada vez mais. E essa expansão tem sido acompanhada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).
Em 17 de fevereiro de 2025, foi realizada a primeira reunião do ano do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP) do MJSP, na qual foi aprovado documento reunindo todas as operações de fiscalização, campanhas educativas e parcerias nacionais e internacionais para fortalecer o mercado legal e aprimorar a legislação.
Foi realizada, ainda, apresentação de pesquisa sobre o impacto da ilegalidade no setor do comércio digital pela Confederação Nacional da Indústria. Essa pesquisa apontou que a comercialização de produtos piratas, contrabandeados e roubados é facilitada pelo comércio digital.
Numa busca pela intensificação do combate à pirataria, o CNCP encaminhou à Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) da Organização das Nações Unidas (ONU) lista com 393 sites ilegais que foram bloqueados no Brasil em fevereiro de 2025. Essa lista deve ser inserida no mecanismo de monitoramento e difusão internacional de sites piratas, chamado de Wipo Alert.
Esse mecanismo de monitoramento permite o compartilhamento em tempo real das informações nele inseridas com os 193 membros da ONU, aumentando a eficácia e eficiência das ações de fiscalização e bloqueio de sites piratas.
As tendências indicam que as Relações de Consumo devem gerar importantes debates jurídicos ao longo de 2025, exigindo adaptação na conduta dos fornecedores, a fim de manter o equilíbrio no mercado.
Novo decreto do SAC
A legislação brasileira está em constante adaptação para acompanhamento das novas tecnologias. É o caso da revisão do Decreto nº 11.034/2022 (Decreto do SAC), referente ao atendimento das demandas do consumidor.
O atual Secretário Nacional do Consumidor, Wadih Damous, divulgou, na última reunião ordinária do SNDC (34ª Reunião Ordinária do SNDC), uma minuta preliminar de novo decreto, que possivelmente impactará a forma de atendimento aos consumidores mediante o uso de tecnologias e robôs e, ainda, os fornecedores de produtos e serviços que se relacionam com o consumidor prioritariamente por canais eletrônicos. A minuta segue em discussão na Senacon (processo nº 08012.002199/2024-69) e está em vias de ser publicada. O novo normativo impactará diretamente o mercado de consumo.
Para mais informações acerca do tema, conheça a prática de Contencioso e Arbitragem do Mattos Filho.