

As novas nuances da sustentabilidade: desafios e oportunidades jurídicas
A crescente relevância do tema já impacta o mercado de forma multidisciplinar
Assuntos
No começo de 2020 foi possível perceber um fenômeno consolidado de crescimento da relevância da sustentabilidade nas discussões sobre a governança corporativa e os impactos da atividade econômica empresarial, promovendo uma verdadeira mudança de paradigma na forma como o assunto é abordado.
Dentre as principais manifestações, o discurso pró-sustentabilidade contou com atores-chave da economia global, como a BlackRock, uma das maiores gestoras de recursos globais, e o Fórum Econômico Mundial, por meio da pauta do seu encontro anual de Davos, Suíça, em janeiro.
Por meio dessas vozes, a sustentabilidade empresarial foi reforçada não só em termos principiológicos, como também pelo estabelecimento de compromissos fáticos com a transformação do propósito empresarial, consolidados em três documentos da maior relevância:
- a
carta anual de Larry Fink, CEO da BlackRock, na qual convoca líderes empresariais a assumirem compromissos em direção a um capitalismo mais sustentável e inclusivo, destacando sua importância para a atração de investimentos; - a
carta assinada pelos fundos e instituições financeiras endereçada ao governo brasileiro, manifestando sua preocupação com os níveis de desmatamento na Amazônia e possível desinvestimento; - o inédito
Manifesto de Davos 2020, intitulado “O propósito de uma companhia na quarta revolução industrial”, que consolida o conceito de performance empresarial mediante o atingimento de resultados financeiros de forma combinada aos objetivos ambientais, sociais e de governança.
Embora a sustentabilidade não seja tema novo, em 2020 ela passa a adquirir um novo sentido, compreendida de forma multidisciplinar, ultrapassando os critérios exclusivamente ambientais e atingindo todos os aspectos relacionados à própria atividade empresarial, bem como seus múltiplos stakeholders: colaboradores, clientes e consumidores, investidores, fornecedores, vendedores e distribuidores, comunidades locais e a sociedade em geral.
O principal combustível para essa mudança tem sido a compreensão das mudanças climáticas e dos impactos socioambientais como fatores determinantes no crescimento econômico e na prosperidade empresariais nos próximos anos. Apesar da consciência científica dos impactos das alterações no clima, coletivamente, a maturidade para inserção do tema nos negócios levou duas décadas. Com relação aos impactos sociais, embora faltassem incentivos legais e regulatórios suficientes para catalisar a atenção à justiça social, o mercado se autorregulou inserindo critérios sociais nos objetivos de seus investimentos – seja por iniciativas de responsabilidade social corporativa ou por mitigação de riscos aos projetos.
Sustentabilidade hoje: o que mudou?
A grande inovação da abordagem atual decorre da fixação do propósito no centro da discussão sobre o que é a sustentabilidade empresarial. Se antes o critério era majoritariamente financeiro, com foco em ativos e solvência, a discussão passa a incluir uma preocupação efetiva com a proposta de valor dos seus produtos, com o tratamento digno aos seus funcionários e atenção à cadeia de fornecedores e com princípios de economia circular.
Cabe destacar que, embora diretamente incidentes sobre a estratégia empresarial, as consequências desse cenário são, naturalmente, jurídicas. Isso porque, dentre as formas mais adequadas de integrar a sustentabilidade empresarial à companhia, reside a Análise ESG, ou ASG (Ambiental, Social e de Governança), que permite enxergar o negócio de forma integrada e multidisciplinar, analisando aspectos econômicos, financeiros, sociais, éticos e ambientais.
Como mecanismo de verificação dos critérios ASG, a due diligence especializada desponta como ferramenta essencial para a compreensão dos riscos inerentes ao negócio, de cujos resultados podem partir mecanismos jurídicos concretos para sua prevenção, além de políticas internas e códigos de conduta.
Esses mecanismos são essenciais não somente para a fixação de parâmetros de atuação e qualidade no tratamento fornecido pela companhia aos seus stakeholders, mas também como ferramentas concretas para o endereçamento, por exemplo, de questões de direitos humanos no âmbito empresarial. Nesse sentido, é possível mencionar a possibilidade de fortalecimento e complementação da Licença Social para Operar (LSO), que consiste em um conjunto de medidas de diálogo, integração e desenvolvimento socioeconômico da comunidade impactada pela atividade empresarial, à luz de uma compreensão mais exata dos riscos e impactos do negócio.
Na mesma esteira, os financiamentos relacionados ao Agronegócio e Florestal demandam diligências socioambientais que verificam a adequação, dentre outros aspectos, da questão fundiária e do tratamento a minorias em questões envolvendo ocupações por comunidades tradicionais.
Novas oportunidades de atuação no mercado de capitais e de seguros
A integração de critérios ASG na avaliação dos retornos trazidos por fundos de investimento seria outro mecanismo capaz de reforçar o alinhamento de interesses com investidores em geral. Nesse sentido, a utilização de mecanismos transparentes de mensuração e
disclosure de impactos socioambientais pode fazer com que investidores avaliem e comparem tais impactos gerados pela indústria de fundos de investimento e, consequentemente, migrem seus recursos para os fundos que estão mais alinhados com seus interesses.
Do mesmo modo, a integração dos critérios ASG permite a mensuração adequada de riscos e reforço na fixação de garantias e seguros fidedignos às consequências financeiras possivelmente causadas pela atividade empresarial. A aquisição de coberturas securitárias alinhadas às atividades econômicas performadas evidencia a preocupação da empresa com a continuidade saudável de seus negócios e com a adequada reparação dos prejuízos que podem decorrer de suas operações, que podem afetar a própria empresa, acionistas, parceiros, clientes e terceiros em geral. Mais que assegurar a compensação de perdas financeiras, a contratação de um programa adequado de seguros pela empresa revela postura de responsabilidade, que trará retorno sob a forma de mais valor para as suas marcas a médio e longo prazo.
É também crescente o interesse de agentes do mercado financeiro e de capitais em investir, estruturar ou emitir títulos “verdes” (green bonds) destinados a
empreendimentos de impacto positivo ao meio ambiente, nos seus mais diversos revestimentos jurídicos, como no caso das debêntures de infraestrutura ou dos títulos do agronegócio “verdes”.
Sustentabilidade aplicada aos negócios imobiliários,
agronegócio e infraestrutura
A título ilustrativo, a Nova Lei do Agro (Lei nº 13.986/2020), introduziu disposição específica na Lei da Cédula de Produto Rural para viabilizar a emissão das Cédulas de Produto Rural (CPRs) relacionadas à conservação de florestas nativas e dos respectivos biomas e ao manejo de florestas nativas no âmbito do programa de concessão de florestas públicas, ou obtidos em outras atividades florestais que vierem a ser definidas pelo Poder Executivo como ambientalmente sustentáveis. Dentre o rol de atividades financiáveis por títulos “verdes”, destaca-se o potencial brasileiro dos investimentos florestais, dos projetos de energia renovável, transmissão de energia e saneamento básico, de transporte e agricultura de baixo carbono e de empreendimentos imobiliários ecoeficientes.
No tocante ao setor imobiliário brasileiro, cresce a importância das temáticas sustentáveis, para além do Agronegócio. Empreendimentos imobiliários em grandes capitais, como São Paulo, são incentivados mediante o aumento do potencial construtivo, para realização de empreendimentos mistos e com áreas verdes, causando menor impacto no meio ambiente. Já para o setor varejista, consolidam-se linhas de crédito que asseguram taxas mais atrativas a empresas com pontos de venda localizados em Green Buildings.
Outro exemplo de resposta às novas preocupações do mercado, são as empresas atuantes no segmento de óleo e gás, que, conciliando rentabilidade com políticas de redução de emissão de carbono e uma preocupação com aproveitamento racional de recursos, passaram a diversificar suas atividades empresariais, voltando-se também para o mercado de energias renováveis.
Tributação ambiental como equilíbrio fiscal
Além disso, a tributação ambiental, consistente no emprego de instrumentos tributários para arrecadar recursos a alocá-los na prestação de serviços públicos de natureza ambiental, é cada vez mais aceita pelo poder público. De outro lado, a tributação ambiental mais severa tem sido usada como forma de orientação e indução do comportamento dos contribuintes à proteção do meio ambiente. Assim, a via tributária aproxima-se da sustentabilidade como forma de equilíbrio fiscal e estímulo à preservação ambiental.
Governança para a Sustentabilidade
Preocupações anteriormente restritas ao cumprimento de obrigações legais, como no âmbito fiscal, adquirem um novo espectro de análise
à luz do
compliance e do combate à corrupção sob a perspectiva das normativas nacionais e internacionais.
A adoção de mecanismos e procedimentos internos de integridade tem papel fundamental na criação de valor para as organizações, na medida em que contribui significativamente para a obtenção de melhores resultados e diversos outros benefícios, entre os quais se destacam:
- prevenção de perdas por meio da verificação das irregularidades e aplicação imediata de ajustes e correções;
- prevenção de gastos futuros com contingências que poderiam se materializar com a continuidade da má conduta eventualmente detectada;
- mitigação de riscos legais, inclusive criminal, dos administradores e funcionários da empresa envolvidos nas práticas delituosas;
- mitigação de riscos reputacionais;
- maior confiabilidade do mercado em relação à empresa, resultando em facilidades no acesso a capital; e
- redução de penas no caso da ocorrência de ilícitos.
Valores éticos como honestidade, integridade, respeito e responsabilidade são, de modo geral, amplamente reconhecidos e louvados pela sociedade. O efetivo compromisso de organizações com esses princípios e valores contribui também para o desenvolvimento socioeconômico sustentável e, de forma consistente, pode traduzir-se em facilidades no acesso a capital, valorização dos seus serviços e produtos, atração de consumidores qualificados e competitividade no desenvolvimento de relações e parcerias negociais.
Dentre os diversos mecanismos de fortalecimento da governança voltada aos critérios ASG, há também a tendência da vinculação da remuneração variável de dirigentes em função do desempenho socioambiental da companhia, por meio de metas de fiscalização da cadeia produtiva, do estímulo à igualdade e diversidade na admissão e promoção de empregados, e da garantia de meio ambiente do trabalho saudável e equilibrado, por exemplo (atentando-se, de toda sorte, à restrição sobre metas de saúde e segurança no trabalho prevista
Lei nº 10.101/2000, referente à PLR).
Com tantas frentes atuando e se reinventando em diretrizes sustentáveis, fica clara a relevância do tema, que certamente continuará pautando o mercado com uma vastidão de novas possibilidades. Esperamos que as mudanças sinalizadas por Davos e pela BlackRock se consolidem nos próximos anos como uma nova forma de fazer negócios e conduzir investimentos ao redor do mundo, apresentando resultados significativos frente ao mercado internacional e atraindo oportunidades para o ecossistema de negócios brasileiro.