Retrospectiva e perspectiva em atos de concentração
Panorama da atuação do Cade e tendências para 2024
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) analisou 611 atos de concentração durante o ano de 2023, 92% dos quais foram processados sob o rito sumário (559 casos), 8% (52) sob o rito ordinário, com 11 casos tendo sido avaliados pelo Tribunal do Cade. O valor total das operações notificadas em 2023 somou R$ 905 bilhões, com um tempo médio de análise de 116,7 dias para os casos ordinário (versus 125,6 dias em 2022), e 12,6 dias para os sumários (versus 21,4 dias em 2022), o que evidencia um ganho de eficiência da autoridade em relação ao tempo médio de análise do ano anterior.
Os números sinalizam uma pequena redução no volume de atos de concentração analisados pelo Cade, em comparação com 2022, muito provavelmente em razão do cenário macroeconômico e político global. Não obstante, considerando os últimos cinco anos, há uma evolução significativa do número de operações analisadas, com um aumento de 41% em relação à 2019:
Fonte: Cade, disponível em: Anuários Cade (2019 a 2023), consulta em 09/02/2024.
Atos de concentração analisados pelo Cade entre 2019 e 2023
O ano de 2023 se destacou pelo número recorde de investigações relacionadas a possíveis descumprimentos do dever de notificação prévia de operações ao Cade (infração conhecida como gun jumping). Nesse sentido, o Cade encerrou 54 investigações, sendo que 31 foram arquivadas (após informações prestadas pelas partes interessadas) e 23 que foram convertidas em procedimentos administrativos para apuração de ato de concentração (Apac). Esse quadro reforça a importância de as empresas avaliarem, de forma cuidadosa, se suas operações societárias, como fusões e aquisições, ou mesmo contratos de parceria, devem ser notificados previamente ao Cade.
Outro destaque foi a decisão do Cade de usar a prerrogativa prevista em lei, que possibilita ao órgão determinar a submissão de operações, mesmo que os critérios de faturamento não sejam preenchidos, desde que tal determinação ocorra dentro do prazo de um ano do fechamento..
Casos de destaque e perspectivas para 2024
Ao longo de 2023, o Cade analisou uma série de operações relevantes, muitas das quais ensejaram posicionamentos e sinalizações importantes ao mercado, que devem se consolidar em 2024.
Como um dos pontos de destaque, o Cade tem manifestado crescente preocupação em relação a parcerias de longo prazo, tais como joint ventures e contratos associativos, em especial aquelas que envolvam empresas concorrentes com atuação relevante em seus respectivos setores. Por exemplo, foram aprovados com restrições os consórcios entre Ultragaz, Bahiana Distribuidora, Supergasbras e Minasgás (Ato de Concentração nº 08700.004940/2022-14), a prorrogação da joint venture entre SBT, Record e RedeTV (Ato de Concentração nº 08700.009574/2022-81) e a formação da joint venture BusCo entre a Viação Águia Branca e a JCA (Ato de Concentração nº 08700.002488/2022-48). Nos dois primeiros casos, as restrições estavam focadas em limitar a duração das referidas parcerias (sujeitando-as a uma nova análise no caso de prorrogação) e, também, garantir a manutenção ou entrada de players menores que precisassem acessar infraestruturas ou serviços ofertados via parceria. No terceiro caso as restrições foram mais focadas em manter a independência funcional da joint venture, evitar a troca de informações sensíveis entre as partes e, por fim, garantir que as sócias continuariam a concorrer entre si nos mercados verticalmente relacionados à joint venture.
De forma similar, o Cade manteve em seu radar preocupações com fusões verticais, em especial em mercados onde já existem (ou existiram) investigações de condutas anticompetitivas, como foi o caso da aquisição da Refinaria Mucuripe pelo grupo Grepar (Ato de Concentração nº 08700.004304/2022-84), que foi aprovado por meio da assunção de compromissos que visavam a evitar eventual discriminação a outras empresas distribuidoras de asfalto, que não fossem vinculadas ao Grupo Grepar.
O Cade também apreciou, pela primeira vez, um acordo de cooperação entre empresas atuantes no mesmo setor, cujo objetivo era desenvolver e operar uma plataforma para viabilizar a padronização da medição de sustentabilidade na cadeia de suprimentos alimentícios e agrícolas. O caso, que envolvia a formação de uma joint venture entre SustainIt, Cargill, Louis Dreyfus e ADM (Ato de Concentração nº 08700.009905/2022-83), comentado em edição anterior do boletim, foi marcado por manifestações dos Conselheiros do Cade sobre a intersecção entre a defesa da concorrência e sustentabilidade e serviu de base para fornecer parâmetros objetivos sobre o tipo de salvaguardas que as partes devem buscar, por meio de um protocolo antitruste que seja robusto suficiente para endereçar eventuais preocupações concorrenciais, grande parte focadas nos riscos de troca de informações concorrencialmente sensíveis e no estabelecimento de padrões isonômicos e não discriminatórios.
Novidades para 2024
O Cade lançou no final do ano o sistema e-Notifica, estabelecendo o processo eletrônico de notificação de atos de concentração, tema antecipado em edição anterior do boletim. O sistema promete agilizar o levantamento de informações das empresas, por estar integrado a uma base de dados do Governo Federal e do Cade, além de permitir o pagamento da taxa de notificação por PIX ou cartão de crédito. Por enquanto, a utilização do sistema é opcional e disponível somente para as operações notificadas sob o rito sumário. Futuramente, há expectativa de que o Cade possa automatizar a elaboração de pareceres, em especial no caso de operações mais simples, tornando os processos de análise de atos de concentração ainda mais céleres.
Outra perspectiva importante para 2024 é que o Cade deve publicar o Guia de Análise de Atos de Concentração Não Horizontais (Guia V+), cuja minuta passou por consulta pública no ano passado. O Guia V+ visa a sistematizar a prática decisória do Cade em atos de concentrações não horizontais – uma iniciativa de suma relevância para conferir maior transparência aos critérios de análise pela autoridade sobre esse tipo de operação.
Para mais informações sobre o tema, conheça a prática de Direito concorrencial do Mattos Filho.