Governo Federal abre tomada de subsídios sobre regulação de plataformas digitais
A tomada de subsídios, promovida pelo Ministério da Fazenda, busca obter contribuições sobre regulação econômica e concorrencial de plataformas digitais
A Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda (SRE-MF) anunciou, em 19 de janeiro de 2024, a abertura de uma tomada de subsídios para angariar contribuições da sociedade acerca da eventual necessidade e adequação de uma regulação econômica e concorrencial específica para plataformas digitais no Brasil, e para estudar se eventuais alterações à Lei n° 12.529/2011 (a Lei de Defesa da Concorrência, ou LDC) seriam necessárias. O prazo termina em 18 de março.
Além do combate à divulgação de notícias falsas, transparência, moderação de conteúdo e remuneração de conteúdos jornalísticos utilizados por plataformas digitais, temas que já vêm sendo discutidos de forma mais intensa no Congresso Nacional, o SRE-MF ressalta a importância da discussão a respeito dos aspectos econômicos e concorrenciais da atuação das plataformas digitais no país. Como ainda não há uma definição precisa de plataformas digitais, o primeiro desafio será defini-las. Segundo o SRE-MF, elas seriam dependentes das infraestruturas de ambientes digitais, além de operarem em um modelo de negócios distinto daquele característico dos mercados tradicionais – a título de exemplo, plataformas digitais incluiriam ferramentas de busca, serviços de mensagem instantânea, redes sociais e marketplaces.
Muitas plataformas digitais operam em mercados conhecidos como “dois lados” (aqueles em que tanto o lado do provedor de produtos e serviços, quanto o lado do cliente interagem e se relacionam com a plataforma) e mediante o controle e processamento de um grande volume de dados, incluindo hábitos e costumes de consumo, redes de relacionamentos e históricos de compras, dentre outras informações relevantes.
Na justificativa da tomada de subsídios, o SRE-MF aponta que relações de interdependência são mais complexas no mercado digital e merecem atenção. Por exemplo, uma empresa pode ser proprietária de diversas plataformas digitais, que podem ser interconectadas e promover os seus respectivos usos de forma cruzada. Esses atributos maximizam os efeitos de rede das plataformas: quanto mais usuários uma determinada plataforma fidelizar, mais valiosa ela se torna.
Também há um receio de que as ferramentas e normas concorrenciais tradicionais não sejam capazes de endereçar as dinâmicas competitivas das plataformas, e que questões antitruste importantes passem despercebidas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Diante disso e da necessidade de uma discussão abrangente sobre desafios e limitações, o SRE-MF apresenta 16 perguntas para orientar o debate, divididas em quatro seções: objetivos e racional regulatório; suficiência e adequação do modelo de regulação econômica e defesa da concorrência atual; desenho de eventual modelo regulatório de regulação econômica pró-competitiva; e arranjo institucional para regulação e supervisão.
Na primeira seção, busca-se investigar os motivos econômicos e concorrenciais que justificariam essa regulação, questionando se diferentes tipos de plataforma demandariam abordagens regulatórias distintas, e em que medida o contexto brasileiro difere de outras jurisdições com regulações similares.
Na segunda seção, é questionado se o aparato legal atual, especialmente a LDC, é suficiente para regular as plataformas digitais. Há perguntas sobre a adequação do critério atual para a presunção de posição dominante; condutas específicas com potencial risco concorrencial, como discriminação por algoritmos, falta de interoperabilidade, uso excessivo de dados pessoais e alavancagem de produtos; e a adaptação dos parâmetros de notificação e análise de atos de concentração.
A terceira seção trata do modelo regulatório a ser adotado, incluindo perguntas que avaliam se o Brasil deveria adotar uma regulação preventiva (ex ante), corretiva (ex post), ou mesmo uma combinação das duas para evitar práticas anticompetitivas. Também é aventado se tal regulação deveria ser simétrica, abrangendo todos os agentes do mercado digital, ou assimétrica, com a imposição de obrigações apenas a alguns.
Por fim, a quarta seção busca verificar se seria necessário um regulador específico. Em caso positivo, seriam discutidas duas alternativas: a criação de um novo órgão ou a delegação de novas competências aos órgãos reguladores existentes.
De forma paralela, há algumas iniciativas em andamento a respeito de eventual regulação, como o Projeto de Lei nº 2768/2022, que ainda tramita no Congresso Nacional e busca estabelecer a regulamentação, fiscalização e sanção das plataformas que oferecem serviços no Brasil. Esse projeto abrange diversos serviços e produtos, como ferramentas de busca online, redes sociais, plataformas de compartilhamento de vídeos e serviços de armazenamento em nuvem.
Quanto ao Cade, há em andamento desde 2020, um processo de acompanhamento de mercados digitais para monitorar operações realizadas dos últimos dez anos nesses mercados. Já foram enviados ofícios a 18 players globais e nacionais, como Google, Facebook, Twitter, Amazon, Microsoft, Apple e Uber, para solicitar informações sobre todas as operações que cada empresa realizou entre 2010 e 2019. O processo aguarda o parecer técnico do Departamento de Estudos Econômicos do Cade.
Todos esses movimentos, somados a alguns outros projetos de lei em tramitação perante o Congresso Nacional, deixam claro que a atuação das chamadas plataformas digitais vem ganhando cada vez mais atenção das autoridades brasileiras, na linha do que se tem visto em outros países ao redor do mundo.
Para mais informações sobre o tema, conheça a prática de Direito concorrencial do Mattos Filho.