Governo Federal estabelece parâmetros para o mercado regulado de carbono
O objetivo da norma é definir diretrizes para os Planos Setoriais de Mitigação e busca aumentar a segurança jurídica sobre o tema no país
O Decreto n.º 11.075/2022, publicado em 19 de maio de 2022, na edição extra do Diário Oficial da União, estabelece os procedimentos para elaboração dos planos setoriais de mitigação das mudanças climáticas e institui o sistema nacional de redução de emissões (Sinare).
A norma surge no contexto das discussões sobre a necessidade de se regulamentar e precificar o carbono no Brasil, até então lideradas pelo Congresso Nacional por meio de projetos de lei que pretendiam criar um mercado regulado de carbono.
De acordo com o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, a criação do mercado visa “poder exportar créditos que tenham alta qualidade ambiental e que sejam importantes para gerar receitas a projetos de redução de emissões.”
Inicialmente, a regra traz diversos conceitos relevantes para o mercado de carbono, como a conceituação de crédito de carbono, crédito de metano, unidade de estoque de carbono e crédito certificado de redução de emissões. Tais conceitos são importantes para que diversos agentes econômicos e governamentais consigam melhor regular, registrar e transacionar estes ativos, aumentando sua segurança jurídica e consequente procura e liquidez, incentivando a indústria de geração de créditos certificados de redução de emissões.
No mais, a regra determina que o poder executivo estabeleça planos setoriais de mitigação das mudanças climáticas, enquanto instrumentos de planejamento governamental para cumprimento de metas climáticas. Tais planos serão propostos pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), pelo Ministério da Economia (ME) e, quando houver, pelo ministério setorial relacionado, devendo ser posteriormente aprovados pelo Comitê Interministerial sobre a Mudança do Clima e o Crescimento Verde (CIMV).
Referidos planos fixarão metas gradativas de redução de emissões e remoções por sumidouros de gases de efeito estufa (GEE), mensuráveis e verificáveis, alinhadas com o objetivo de longo prazo de neutralidade climática informado na Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) brasileira e com as especificidades dos agentes setoriais – assim entendidos os integrantes dos setores definidos no artigo 11, parágrafo único da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), quais sejam:
- Geração e distribuição de energia elétrica;
- Transporte público urbanos e nos sistemas modais de transporte interestadual de cargas e passageiros;
- Indústria de transformação e de bens de consumo duráveis;
- Indústria química fina e de base;
- Indústria de papel e celulose;
- Mineração;
- Construção civil;
- Serviços de saúde;
- Agropecuária.
No prazo de 180 dias, prorrogável por igual período, os agentes setoriais poderão apresentar propostas para o estabelecimento de curvas de redução de emissões de GEE que, assim como as metas, deverão ser compatíveis com a NDC do Brasil.
O normativo prevê a possibilidade de definição de tratamento diferenciado para os agentes setoriais em razão do faturamento, níveis de emissão, região de localização, categoria de determinadas empresas e propriedades rurais, entre outros fatores, bem como de se estabelecer cronograma diferenciado para a adesão dos agentes setoriais.
Para a operacionalização dos planos supramencionados, o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) – previsto no artigo 9º da PNMC – funcionará como ferramenta para a implementação das metas de redução de emissões por meio da utilização e transação de créditos certificados de redução de emissões.
Definido como “crédito de carbono que tenha sido registrado pelo Sinare”, o crédito certificado de redução de emissões também será reconhecido nos casos em que houver reduções e remoções de emissões registradas no Sinare adicionais às metas estabelecidas para os agentes setoriais, caso atendam ao padrão de certificação do sistema, e poderá ser utilizado para fins de cumprimento das metas ou ser comercializado, com o devido registro no Sinare. Até então, não havia uma entidade governamental brasileira incumbida do registro dos créditos de carbono mesmo que de forma voluntária.
São previstas, ainda, as seguintes espécies de ativos ambientais: o crédito de carbono, o crédito de metano e a unidade de estoque de carbono. Todos são conceituados como ativo financeiro, ambiental, transferível, sendo cada um representativo de, respectivamente, uma tonelada de dióxido de carbono equivalente, uma tonelada de metano e manutenção ou estocagem de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente (ou seja: todos os meios de depósito de carbono que não em GEE presente na atmosfera). Ao defini-los como ativos financeiros, o decreto cria a possibilidade para que fundos de investimento em geral possam investir nessas espécies de ativo ambiental. Acredita-se que, com a indústria de fundos de investimento passando a poder investir nesta classe de ativo diretamente em suas carteiras, o mercado endereçável e a liquidez aumentarão.
Por sua vez, o Sinare será disponibilizado em ferramenta digital e terá como finalidade servir como central única de registro de emissões, remoções, reduções e compensações de GEE, bem como dos atos de comércio, de transferências, de transações e de aposentadoria de crédito certificado de redução de emissões. Além disso, dentre os seus instrumentos estão previstos os mecanismos de integração com o mercado regulado internacional e o registro do inventário de emissões e remoções de GEE.
Será possibilitado também o registro no Sinare de pegadas de carbono de produtos, processos e atividades, de carbono de vegetação nativa, de carbono no solo, carbono azul e das unidades de estoque de carbono, sem que isso implique a geração de crédito certificado de redução de emissões.
O sistema será operacionalizado pelo MMA e poderá ser compatibilizado com o Sistema de Registro Nacional de Emissões (Sirene), caso sejam estabelecidos mecanismos por meio de ato conjunto do MMA, ME e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
Ainda no âmbito do Sinare, dependerão de regulamentação posterior pelo MMA e pelo ME as regras sobre os seguintes assuntos:
- Registro;
- Padrão de certificação do Sinare;
- Credenciamento de certificadoras e centrais de custódia;
- Implementação, a operacionalização e a gestão do Sinare;
- Registro público e acessível, em ambiente digital, dos projetos, iniciativas e programas de geração de crédito certificado de redução de emissões e compensação de emissões de GEE;
- Critérios para compatibilização, quando viável técnica e economicamente, de outros ativos representativos de redução ou remoção GEE com os créditos de carbono reconhecidos pelo Sinare, por proposição do órgão ou da entidade competente pelos referidos ativos.
Por fim, o decreto altera o normativo que instituiu a Estratégia Federal de Incentivo ao Uso Sustentável de Biogás e Biometano para fazer refletir o conceito de crédito de metano, e revoga o Plano Decenal de Expansão de Energia.
Projeto de Lei 2.148/2015
Na mesma data, foi apresentada uma nova minuta de substitutivo ao Projeto de Lei n.º 2.148/2015, no qual está apensado o Projeto de Lei n.º 528/2021, que objetiva regulamentar o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões. O referido projeto segue tramitando em regime de urgência na Câmara dos Deputados.
Para mais informações sobre o assunto, contate as práticas de Direito Ambiental e Mudanças Climáticas, ESG e Fundos de investimentos e Asset management do Mattos Filho.