Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC é atualizado
Documento promove de forma mais abrangente aspectos de diversidade e meio ambiente
A 6ª edição do “Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa” (Código ou Código de Governança), que passou por quase dois anos de revisão pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), foi lançado nesta última terça-feira (01.08) com uma estrutura repensada para que o documento possa ser utilizado por organizações de diferentes portes e configurações.
A nova versão, resultado de uma ampla pesquisa e interações com o mercado, é um documento bastante principiológico, mais abrangente nos temas de diversidade e meio ambiente, trazendo a sustentabilidade dos stakeholders (ou partes interessadas) como foco, mas ainda sim simplificado, contando com a exclusão de detalhamentos que remetiam a tipos específicos de organização ou que já constavam em outras publicações do IBGC.
A nova versão do Código acompanha o movimento do mercado, cada vez mais atento a questões relacionadas a aspectos ambientais, sociais e de governança (ASG ou ESG, na sigla em inglês). Nesse sentido, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) reformulou a estrutura do Formulário de Referência por meio da Resolução CVM n.° 59, de 22 de dezembro de 2021, passando a exigir a divulgação de informações sobre aspectos ESG no documento, com o objetivo de alinhar a regulamentação brasileira aos avanços que o tema apresenta mundialmente. Da mesma forma, a B3 – Brasil, Bolsa, Balcão S.A. (B3) divulgou recentemente a nova versão do Regulamento de Emissores, trazendo também exigências relacionadas a aspectos ASG aplicáveis a companhias listadas na bolsa.
Ética: o novo fundamento da governança corporativa
Em linha com um racional menos prescritivo e mais orientado a trazer princípios abrangentes, entre as novidades do Código está a inclusão da ética como fundamento da governança corporativa.
A ética, antes considerada apenas como uma guia das práticas corporativas para a proteção dos sócios contra fraudes, abusos dos administradores e conflitos de interesses dos e entre os agentes de governança (indivíduos que compõem o sistema de governança, como sócios, conselheiros de administração, conselheiros fiscais, auditores, diretores, governance officers, membros de comitês de assessoramento ao conselho), agora estende-se para a relação das organizações e de seus agentes de governança com uma gama muito mais ampla e complexa de partes interessadas – incluindo colaboradores, fornecedores, clientes, comunidades – com o meio ambiente e com a sociedade em geral.
Com isso, passa a ser fundamento do Código a aplicação da ética aos stakeholders, superando a visão de que o conjunto de valores e princípios éticos eram um instrumento com o objetivo primordial de proteger os sócios das organizações, exigindo uma mudança de atitude dos agentes de governança, que precisam buscar atender da melhor forma os diversos interesses envolvidos pela sua atuação.
Propósito das organizações
A importância das organizações definirem seu propósito de existência, a fim de delimitar de forma clara e coerente sua estratégia de atuação e cultura da organizacional, também é uma novidade da nova edição do Código. Agora trazida em destaque, a questão do propósito era tratada em edições anteriores de forma genérica, sendo colocada como atribuição do Conselho de Administração como um dos agentes de governança. Esse destaque dado ao propósito das organizações vai de encontro, ao caráter principiológico do Código.
Outro ponto interessante é como o propósito da organização é considerado um mecanismo capaz de atingir um valor inspiracional e de engajamento, direcionando e conectando os negócios, causas, estratégias, pessoas e meio ambiente. Nesse sentido, a menção expressa a pessoas e meio ambiente demonstra outra característica importante do Código, resultante da evolução da governança corporativa brasileira, sendo ela o pressuposto da interdependência dos diversos stakeholders para definição do papel das organizações na sociedade, no qual estes precisam assumir uma posição de geração de valor compartilhado entre os seus sócios e as demais partes interessadas.
Expansão do conceito de governança corporativa
A definição de governança corporativa também foi atualizada pela nova edição do Código e, acompanhando o racional da interdependência entre as organizações e as realidades econômica, social e ambiental e expande seu foco da otimização do valor econômico exclusivamente para os sócios para o objetivo de geração de valor compartilhado entre os sócios e stakeholders, conceito contemporâneo e alinhado inclusive, com o Manifesto de Davos de 2020.
Atualização dos princípios da governança corporativa
Dos quatro princípios anteriormente previstos, o Código de Governança atualizou parte das nomenclaturas e suas definições, além de prever um novo princípio, de forma que os cinco princípios que passam a reger as boas práticas de governança corporativa são: integridade, transparência, equidade, responsabilização (accountability) e sustentabilidade.
Dentre eles, o princípio da integridade é a maior novidade, e baseia-se na manutenção da coerência entre o discurso da organização e suas ações, evitando decisões sob a influência de conflito de interesses, preservando a lealdade à organização e o cuidado com suas partes interessadas, com a sociedade em geral e o com o meio ambiente.
A nomenclatura e conceito do antigo princípio de “Prestação de Contas (accountability)” foram atualizados para “Responsabilização (accountability)”, em especial, visando reforçar que este princípio abrange não só a prestação de contas pelos administradores, mas a ciência da responsabilidade pelos atos e omissões dos respectivos ocupantes de cargos na administração das organizações, bem como os impactos de suas decisões para a organização, suas partes interessadas e o meio ambiente.
Também, o princípio de “Responsabilidade Corporativa” foi modificado para “Sustentabilidade”, visando reforçar a comunicação aos usuários do Código de que as organizações devem atuar em uma relação de interdependência com os ecossistemas econômico, social e ambiental, fortalecendo seu protagonismo e suas responsabilidades perante a sociedade.
Ainda, o princípio da equidade também foi atualizado e passou a considerar dentro do tratamento justo dos sócios e demais partes interessadas, o respeito, diversidade, inclusão, pluralismos e igualdade de direitos e oportunidades, atingindo uma perspectiva contemporânea de equidade, alinhada com a realidade econômica e social na qual as organizações estão inseridas.
Principais atualizações aplicáveis aos agentes e estruturas de governança corporativa
- Sócios
A nova versão do Código, no âmbito dos sócios como agentes de governança, reforça que estruturas que concentram poder político de modo desproporcional à participação do capital, devem ser evitadas. Ainda vai além da última versão, trazendo como novidade um rol exemplificativo de que considera tais estruturas (ações preferenciais, voto plural, estruturas piramidais, limitação de voto, golden shares e poison pills) afastam as boas práticas das organizações. Naquelas organizações em que o tratamento dos sócios seja assimétrico, o documento determina, em complemento à redação anterior, que sejam incluídos, enquanto perdurar tal cenário, salvaguardas que mitiguem ou compensem o desalinhamento, em especial nos casos de transferência de controle ou de reorganizações societárias.
No que se refere aos estatutos sociais e contratos sociais, o Código restringiu-se a determinar que devem constar as atribuições, alçadas e tempo de mandato de cada agente e órgão de governança, bem como os direitos e obrigações dos sócios. Nesse sentido, resumiu grande parte das antigas cláusulas em uma só prática e/ou as abordou em subseções do capítulo.
No âmbito da participação de sócios na assembleia geral, o Código passou a recomendar que aqueles que administram recursos de terceiros, como fundos de investimento e investidores institucionais, passem a ter uma política para orientar o exercício de voto.
No que se refere a indicação de conselheiros de administração e fiscais, a novidade é que a matriz de competências e as diretrizes de diversidade e inclusão estabelecidas pela organização, além de demandas das partes interessadas, devem ser consideradas para o processo.
Por fim, dentro das regras de votação e registro de sócios, a nova recomendação do Código é de que dentre as especificações, deve constar claramente se o voto será individual, por chapa, em papel ou por meio de cédula eletrônica, entre outros detalhes.
- Conselho de Administração
As práticas referentes as atribuições do Conselho de Administração, tornaram-se muito mais abrangentes, tendo sido revisitadas e atualizadas com foco nos temas centrais, como Criação de Valor, Cultura e Pessoas, Estratégia, Governança e Supervisão.
De forma geral, como novidades nas atribuições dos conselheiros, destacam-se as seguintes recomendações adicionais para o órgão: criação de canais de relacionamento e engajamento com os sócios e demais partes interessadas (por meio de reuniões especificas, por exemplo); contemplar, de maneira integrada, as estratégias do órgão, a agenda de sustentabilidade (aspectos econômico, social e ambiental) e da inovação; garantir que a diretoria desenvolva uma estratégia mais ampla de manutenção e acompanhamento da cultura e dos talentos; garantir que a diretoria estabeleça e divulgue políticas que propiciem representatividade e igualdade de oportunidades para o acesso de grupos sub-representações a posições de alta liderança na organização; e supervisionar, não só o desempenho financeiro e operacional a partir da atuação da diretoria, mas também os demais fatores ambientais, sociais e de governança.
A diversidade e sustentabilidade passaram a ocupar as diretrizes recomendadas pelo Código ao Conselho de Administração, a fim de que o órgão seja capaz de conduzir a organização de maneira atenta aos impactos positivos e negativos gerados na interdependência das realidades econômica, social e ambiental, nas quais está inserida.
O mesmo racional é aplicado na composição do órgão, que a partir de agora, deve considerar tanto a referida matriz de competências, quanto aspectos de diversidade que, para além do critério de gênero já previsto na versão anterior, também englobam a cor ou raça, etnia e orientação sexual. Tal diversidade busca garantir um ambiente plural e de segurança psicológica aos debates travados no processo de decisão.
Houve ainda uma atualização no número recomendado de membros para o órgão, passando de cinco a onze membros para cinco a nove. As competências, anteriormente previstas, foram ramificadas em comportamentais e técnico funcionais (quais sejam: conhecimento das melhores práticas de governança corporativa; capacidade de interpretar relatórios gerenciais, contábeis, financeiros e não financeiros; conhecimento sobre legislação societária, regulação, gerenciamento de riscos).
- Diretoria
Dentre as principais alterações no assunto da diretoria, vale destacar as inovações promovidas no que diz respeito à composição de tal órgão, sendo a diversidade apontada como indutora de inovação e sustentabilidade nas organizações.
O novo Código estabeleceu, além do critério de gênero anteriormente previsto, outros aspectos de diversidade de diretores, prevendo que a composição da diretoria deve considerar a elaboração de uma matriz de competências e contemplar a diversidade de conhecimentos, experiências, faixa etária, gênero, cor ou raça, etnia, orientação sexual, entre outros aspectos que reflitam a realidade na qual estão inseridas a empresa e suas partes interessadas.
- Órgãos de fiscalização e controle
A principal alteração promovida nesse capítulo foi o desmembramento das áreas de gestão de riscos, controles internos e compliance, as quais, anteriormente, eram tratadas de forma aglutinada. Na visão do IBGC, tal alteração reflete a evolução natural de tais estruturas de governança, as quais, cada vez mais, apresentam seus papeis de forma definida e clara.
- Conduta
No que se refere ao assunto de conduta, além do deslocamento do tema de conflito de interesses para o capítulo de Fundamentos do Código, observa-se também um maior destaque às políticas organizacionais das companhias e ampliação da responsabilidade no acompanhamento e tratamento das transações com partes relacionadas.
Diante desta 6ª edição, espera-se que o questionário referente ao Informe de Governança Corporativa, previsto na Resolução CVM n.° 80, de 29 de março de 2022, seja reformado para fins de atualização do próximo ano, considerando que seu preenchimento é interligado com as recomendações práticas do Código de Governança.
A nova edição do Código é, portanto, mais alinhada com práticas discutidas no cenário internacional, reforçando a convocação para as organizações aprimorarem sua governança, sendo um valioso instrumento para mensurar o comprometimento com questões de sustentabilidade, stakeholders, a sociedade em geral e o meio ambiente.
Para mais informações sobre o tema, conheça a prática de ESG, Mercado de Capitais, Societário e Trabalhista do Mattos Filho.