

Aspectos trabalhistas do Marco Regulatório do EAD
As novas exigências regulatórias para a oferta de cursos de graduação EAD trazem impactos e possíveis consequências trabalhistas importantes para o setor educacional
Assuntos
O Ministério da Educação (MEC) publicou, nos dias 20 e 21 de maio de 2025, o Decreto nº 12.456/2025 e as Portarias 378/2025 e 381/2025 trazendo mudanças significativas na oferta de cursos de graduação no formato de oferta à distância (EAD), com a criação do formato semipresencial. As mudanças foram exploradas nos materiais divulgados no Único.
Dentre as principais alterações, houve a proibição da oferta de determinados cursos no EAD e no semipresencial, o aumento das exigências relativas à presencialidade em todos os formatos, a criação de requisitos de infraestrutura para os polos EAD e necessidade de contratação de profissionais como empregados da própria Instituição de Ensino Superior (IES).
Ainda que algumas questões ainda venham a ser melhor detalhadas por meio de novas portarias do MEC, há impactos trabalhistas importantes que já podem ser identificados.
Aumento da presencialidade e alterações na infraestrutura dos polos EAD
O aumento da carga horária presencial em todos os formatos de oferta obriga a que haja mais atividades nos polos EAD. E, embora o Decreto permita a parceria entre as IES e outras pessoas jurídicas para a implementação e operação dos polos EAD, as contratações do corpo docente e dos mediadores pedagógicos deverão ser feitas diretamente pelas IES, que também deverão ser exclusivamente responsáveis pela prática de atos acadêmicos.
As novas regras, portanto, permitem concluir que as IES deverão contratar empregados para atuar nos polos EAD, incluindo docentes e outros profissionais envolvidos na operação educacional. Isso trará uma série de novos desafios sob as óticas trabalhista e de gestão de pessoas.
O primeiro e mais evidente impacto trabalhista será na área sindical, pois haverá aumento no número de entidades sindicais com as quais as IES deverão se relacionar, em razão das diferentes bases territoriais nas quais poderão ser desenvolvidas as atividades da operação educacional com pessoal próprio.
A depender da localidade em que os polos EAD estiverem operando, poderá haver desafios importantes no recrutamento de mão-de-obra qualificada. Diante desse quadro, as IES deverão avaliar a conveniência e necessidade de transferir empregados de outras localidades ou usar estratégias de deslocamentos utilizando meios de transporte privados. Cada uma dessas hipóteses traz a necessidade de análise de custos e de revisão ou implementação de políticas, como forma de redução de riscos de fortalecimento da governança.
O aumento de atividades presenciais e as exigências quanto à infraestrutura mínima necessária nos polos EAD também são fatores que causam importantes impactos trabalhistas, sobretudo na área de saúde e segurança.
As IES devem assegurar o cumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho, garantindo que essas diretrizes sejam efetivamente aplicadas em todas as localidades onde haja prestação de serviços educacionais com empregados próprios.
O corpo docente das IES, que atue nas unidades curriculares ofertadas de forma parcial ou integral em EAD, poderá ser composto por coordenador de curso, professor regente e, eventualmente, professor conteudista. Os cursos também deverão contar com responsável pelo polo EAD (gestor), mediador pedagógico e tutores de assessoramento administrativo. Essa nova organização pode gerar alguns debates trabalhistas.
O primeiro deles diz respeito ao enquadramento destes profissionais. Por exemplo, embora a regulação deixe claro que a função do mediador pedagógico é distinta daquela do docente, e que ambos devem ser informados no Censo da Educação Superior (CENSUP), possivelmente, em categorias distintas, isso não significa, necessariamente, que o mediador pedagógico não poderá ser considerado como docente para fins trabalhistas. E essa definição, que dependerá das efetivas funções desempenhadas, é fundamental, pois os docentes recebem tratamento diferenciado pela legislação trabalhista e, normalmente, também pelas normas coletivas.
Por outro lado, a definição da função dos tutores como de assessoramento administrativo traz maior delimitação em relação ao cenário anterior à edição do Decreto, pois a função de tutores passa a ser restrita ao aspecto administrativo. Isso limita, de certa forma, discussões sobre a sobreposição das atividades de tutoria com as de docência e possíveis desdobramentos trabalhistas dessa situação, o que tem sido comum no caso de algumas IES.
Já em relação aos professores conteudistas, as novas regras trouxeram dúvidas anteriormente inexistentes. Hoje grande parte das IES adquire conteúdos de profissionais ou pessoas jurídicas para utilização em diversos cursos, por meio de contratos de natureza mercantil e sem que tais profissionais tenham que, necessariamente, ter vinculação com as IES. Ao nomear o conteudista como “professor” e indicar que ele faz parte do corpo docente, o Decreto deixa dúvidas sobre a necessidade de que tal profissional passe a ser um empregado das IES. Embora os indicativos do MEC sejam de que essa figura não necessariamente deva existir, é possível que a forma como a regulação foi construída seja utilizada como argumento em disputas envolvendo o reconhecimento de vínculo de emprego, o que demandará cautela das IES.
Medidas para mitigar riscos
Por mais que o MEC tenha anunciado que editará novas portarias para esclarecer alguns aspectos das novas regras, há algumas iniciativas que já podem ser iniciadas pelas IES para mitigar riscos futuros.
As novas regras demonstram a importância de adotar medidas estratégicas para reforçar a distinção entre os escopos das atividades de cada cargo, incluindo a revisão de documentos internos de recursos humanos como contratos de trabalho, cartas-oferta, fichas de registro, descritivo de cargos, entre outros. Essa revisão deverá abarcar também as rotinas de registro e inserção de informações no e-social, as classificações nacionais de ocupação (CBO) utilizadas e as estratégias de comunicação.
Também é fundamental a implementação e revisão de políticas institucionais, de modo que elas estejam bem estruturadas e claras em relação aos respectivos escopos e locais em que serão aplicáveis, como na sede, nos polos EAD ou em outras localidades em que as IES tenham presença física.
Além disso, é crucial investir em programas de treinamento para qualificação dos profissionais contratados para garantir a excelência operacional e fortalecer a disseminação da cultura institucional das IES. Além de aprimorar competências técnicas e acadêmicas, essa iniciativa contribui para o alinhamento dos colaboradores com os valores e objetivos estratégicos das IES.
Em relação a novas estruturas de saúde e segurança nos polos EAD, a avaliação sobre a necessidade de implementação é fundamental para proporcionar um ambiente seguro e adequado para profissionais e estudantes, além de mitigar riscos trabalhistas e operacionais.
Diante das novas exigências regulatórias, as empresas do setor educacional devem adotar uma abordagem estratégica para a adequação aos aspectos trabalhistas. A implementação de medidas alinhadas ao novo cenário normativo é essencial para garantir conformidade, minimizar riscos jurídicos e assegurar a continuidade das operações de forma eficiente.
Por fim, é essencial que sejam feitos estudos de enquadramento sindical em cada localidade em que as IES tiverem empregados atuando, incluindo nos polos EAD, além de análises sobre a conveniência de negociar acordos coletivos de trabalho regulando temas importantes para as operações dos polos EAD e preenchendo lacunas deixadas pelas novas normas para reduzir riscos.
Para mais informações, conheça as práticas de Educação e Trabalhista e Sindical do Mattos Filho.