Projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono no Brasil é aprovado no Senado Federal
O texto será encaminhado para Câmara dos Deputados e, caso aprovado, será enviado para sanção presidencial
Após longos meses de discussões políticas e específicas sobre o texto desde a aprovação do Projeto de Lei (PL) nº 2.148/2015 na Câmara dos Deputados no final de 2023, o PL enumerado como 182/2024 foi aprovado, nesta quarta-feira (13 de novembro), pelo plenário do Senado Federal em regime de urgência. O texto retornará para votação na Câmara dos Deputados.
O PL manteve a estrutura proposta nas versões anteriores para o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), mas com alterações significativas em relação a aspectos-chave, como a natureza jurídica do crédito de carbono, os projetos e programas de Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degração Florestal (REDD+) e a governança do SBCE.
Objeto
O texto propõe o estabelecimento do SBCE, ambiente regulado submetido ao regime de limitação das emissões de gases do efeito estufa (GEE) e de comercialização de ativos representativos de emissão, redução ou remoção de GEE, com o objetivo de cumprir com as previsões da Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei nº12.187/2009) e com os compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
O SBCE funcionará com base no sistema internacionalmente conhecido como cap-and-trade, em que é imposto um limite máximo de emissões e é possível comercializar direitos de emissão, internacionalmente conhecidos como allowances e definidos como Cotas Brasileiras de Emissões (CBE) no projeto de lei aprovado pelo Senado Federal.
Entes regulados, critérios e obrigações
No SBCE, os agentes regulados não são definidos com base nos setores econômicos, mas sim com base em um limiar mínimo de emissões. Nesse contexto, os limiares propostos para participação obrigatória são de 10 mil e 25 mil toneladas de CO2 equivalente por ano (Limiares de emissão), por fonte ou instalação, aplicando-se igualmente a todos os setores da economia, exceto à produção primária agropecuária, bem como os bens, benfeitorias e infraestrutura no interior de imóveis rurais a ela diretamente associados e às unidades de tratamento e destinação final ambientalmente adequada de resíduos e efluentes líquidos desde que comprovadamente adotem sistemas e tecnologias para neutralizar as emissões.
Sendo assim, aquelas pessoas físicas ou jurídicas responsáveis por fontes ou instalações que emitam mais de 10 mil toneladas de CO2 equivalente por ano deverão reportar suas emissões, e aquelas responsáveis por fontes e instalações que emitam mais de 25 mil toneladas de CO2 por ano, além do reporte obrigatório, deverão realizar a conciliação periódica de obrigações.
A conciliação periódica de emissões será feita por meio da comprovação, pelo operador regulado, da posse de CBEs, que representa o direito de emitir uma tonelada de CO2, e/ou de Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE), que representam a redução efetiva de emissões ou a remoção de gases de efeito estufa de uma tonelada de CO2, registrados no SBCE, em quantidade igual às emissões líquidas ocorridas no período.
Atores do SBCE e do mercado voluntário
No âmbito do SBCE, o projeto prevê a figura do operador, que é o agente regulado, e pode ser pessoa física ou jurídica, brasileira ou constituída de acordo com as leis do país, detentora direta, ou por meio de algum instrumento jurídico, de instalação ou fonte associada a alguma atividade emissora de gases de efeito estufa que emita acima dos limiares de emissão.
Apesar de o objeto do projeto de lei ser instituir o SBCE, ele também traz previsões sobre o mercado voluntário de carbono, o conceituando como ambiente caracterizado por transações de créditos de carbono ou de ativos integrantes do SBCE, voluntariamente estabelecidos entre as partes, para fins de compensação voluntária de emissões de GEE.
Ainda, o projeto de lei prevê diferentes figuras que atuam no âmbito do mercado voluntário, quais sejam:
- O gerador de projeto de crédito de carbono ou de CRVE: pessoa física ou jurídica, povos indígenas ou povos e comunidades tradicionais que têm a concessão, a propriedade ou o usufruto legítimo de bem ou atividade que se constitui como base para projetos de redução de emissões ou remoção de GEE;
- Desenvolvedor de projeto de crédito de carbono ou CRVE: pessoa jurídica, admitida a pluralidade, que implementa, com base em uma metodologia, por meio de custeio, prestação de assistência técnica ou outra maneira, projeto de geração de crédito de carbono ou CRVE, em associação com seu gerador nos casos em que o desenvolvedor e o gerador sejam distintos;
- Certificador de projetos ou programas de créditos de carbono: entidade detentora de metodologias de certificação de crédito de carbono, que verifica a aplicação destas metodologias, dispondo de critérios de monitoramento, relato e verificação para projetos ou programas de redução de emissões ou remoção de GEE.
Para serem aptos a gerar CRVE, os desenvolvedores e certificadores de projetos de crédito de carbono deverão: constituir pessoa jurídica de acordo com as leis brasileiras; e, para as certificadoras, possuir capital social mínimo que seja equivalente ao exigido para companhia hipotecária.
Governança
Retomando a estrutura inicialmente proposta pelo Senado, houve a exclusão do órgão superior e deliberativo, de modo que a governança do SBCE será composta pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), órgão gestor e Comitê Técnico Consultivo Permanente (CTCP). Cabe destacar que o texto aprovado não define quem será o órgão gestor.
O CIM é o órgão deliberativo responsável pelo estabelecimento de diretrizes gerais do SBCE, enquanto o órgão gestor será o responsável por operacionalizar o sistema e regular o mercado, cabendo a ele, dentre outras competências, criar, manter e gerir o Registro Central do SBCE, além de elaborar e implementar o Plano Nacional de Alocação, após a aprovação do CIM.
Ao CTCP, formado por representantes da União, dos estados, do Distrito Federal e de entidades setoriais representativas dos operadores, da academia e da sociedade civil, com notório conhecimento sobre a matéria, compete apresentar subsídios e recomendações para aprimoramento do sistema.
Plano nacional de alocações
Um instrumento central para a operacionalização do SBCE é o Plano nacional de alocação que deverá estabelecer, para cada período de compromisso, entre outros elementos:
- O limite máximo de emissões;
- A quantidade das CBEs a ser alocada entre os operadores;
- As formas de alocação das CBEs, gratuita ou onerosa;
- O percentual máximo de CRVE admitidos na conciliação periódica de obrigações.
Como forma de assegurar previsibilidade aos operadores, é previsto que o Plano Nacional de Alocação deverá ter abordagem gradual entre os períodos de compromisso e ser aprovado com antecedência de, pelo menos, 12 meses antes de sua vigência.
Ativos do SBCE e crédito de carbono
São ativos integrantes do SBCE:
- A Cota Brasileira de Emissões (CBE), definida como um ativo fungível, transacionável, representativo do direito de emissão de 1 tCO2e (uma tonelada de dióxido de carbono equivalente) outorgada pelo órgão gestor do SBCE, de forma gratuita ou onerosa, para as instalações ou as fontes reguladas;
- O Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE), definido como ativo fungível, transacionável, representativo da efetiva redução de emissões ou remoção de gases de efeito estufa de 1 tCO2e, seguindo metodologia credenciada e com registro efetuado no âmbito do SBCE, nos termos de ato específico do órgão gestor do SBCE;
Ainda, a versão do PL 2.148/2015 aprovada previa o Certificado de Recebíveis de Créditos Ambientais (CRAM), um título de crédito nominativo, de livre negociação, representativo de promessa de pagamento em dinheiro ou em entrega de créditos de carbono, que constitui título executivo extrajudicial. No entanto, o ativo foi excluído do texto aprovado hoje pelo Senado Federal.
Além dos ativos do SBCE, há o crédito de carbono, que é definido como ativo transacionável, autônomo, com natureza jurídica de fruto civil, no caso de créditos de carbono florestais de preservação ou de reflorestamento – exceto os oriundos de programas jurisdicionais, desde que respeitadas todas as limitações impostas a tais programas pela lei -, representativo de efetiva retenção, redução de emissões ou de remoção, de 1 tCO2e, obtido a partir de projetos ou programas de redução ou remoção de gases de efeito estufa, realizados por entidade pública ou privada, submetidos a metodologias nacionais ou internacionais que adotem critérios e regras para mensuração, relato e verificação de emissões, externos ao SBCE.
Os créditos de carbono gerados no mercado voluntário poderão ser reconhecidos como CRVE e, portanto, serão ativos integrantes do SBCE, caso sejam originados a partir de metodologias credenciadas pelo órgão gestor: mensurados e relatados pelos responsáveis pelo desenvolvimento ou implementação do projeto ou do programa e verificados por entidade independente, nos termos da metodologia credenciada pelo SBCE; e inscritos no Registro Central.
Vale ressaltar que há a previsão de que será definido no Plano Nacional de Alocação o percentual máximo de CRVE admitido na conciliação periódica.
Natureza jurídica dos ativos do SBCE
O conceito de crédito de carbono definido na versão do PL 2.148/2015 aprovada pela Câmara dos Deputados foi alterado de modo que, no texto aprovado pelo Senado Federal, a natureza jurídica de fruto civil somente é atribuída para os créditos de carbono florestais de preservação ou de reflorestamento, com exceção dos créditos florestais oriundos dos programas jurisdicionais.
Ainda, ficou definido que, os ativos integrantes do SBCE e os créditos de carbono, quando negociados no mercado financeiro e de capitais, são valores mobiliários.
Titularidade dos créditos de carbono
A titularidade do crédito de carbono ou do CRVE, caberá ao respectivo gerador do projeto de crédito de carbono ou CRVE, sendo possível realizar o compartilhamento ou cessão desses créditos em projetos realizados por meio de parceria com desenvolvedores de projeto de carbono ou CRVE. Por exemplo, será de titularidade originária dos proprietários ou usufrutuários os créditos de carbono ou CRVE gerados por projetos desenvolvidos em imóveis de usufruto privado, assim como será de titularidade originária dos povos indígenas os créditos de carbono ou CRVE gerados em terras indígenas.
Programas e projetos de REDD+ e de créditos de carbono
Foram feitos ajustes nos conceitos de projetos de crédito de carbono e REDD+ que constavam na versão aprovada na Câmara dos Deputados, conforme abaixo:
Programas estatais “REDD+ abordagem de não mercado”
Os programas estatais de “REDD+ abordagem de não mercado” são políticas e incentivos positivos para atividades relacionadas à redução de emissões por desmatamento e degradação florestal e aumento de estoques de carbono por regeneração natural em vegetação nativa, em escala nacional ou estadual, amplamente divulgados, passíveis de recebimento de pagamentos por resultados passados por meio de abordagem de não mercado, resguardado o direito dos proprietários, usufrutuários legítimos e concessionários privados de requerer, a qualquer tempo e de maneira incondicionada, a exclusão de suas áreas de tais programas para evitar dupla contagem na geração de créditos de carbono com base em projetos.
Programas jurisdicionais “REDD+ abordagem de mercado”
Os programas jurisdicionais de crédito de carbono “REDD+ abordagem de mercado” foram definidos como políticas e incentivos positivos para atividades relacionadas à redução de emissões por desmatamento e degradação florestal e aumento de estoques de carbono por regeneração natural da vegetação nativa, em escala nacional ou estadual, amplamente divulgados, passíveis de recebimento de pagamentos por meio de abordagem de mercado, incluindo captação no mercado voluntário, resguardado o direito dos proprietários, usufrutuários legítimos e concessionários de requerer, a qualquer tempo e de maneira incondicionada, a exclusão de suas áreas de tais programas para evitar dupla contagem na geração de créditos de carbono com base em projetos.
Foi estabelecida vedação expressa à venda antecipada de créditos de carbono de programas jurisdicionais.
Projetos privados de crédito de carbono
Definidos como projetos de redução ou remoção de GEE, com abordagem de mercado e finalidade de geração de créditos de carbono, incluindo atividades de REDD+, desenvolvidos por entes privados, diretamente por gerador ou em parceria com desenvolvedor, realizados nas áreas em que o gerador seja concessionário ou tenha propriedade ou usufruto legítimos.
Projetos públicos de créditos de carbono
São projetos de redução ou remoção de GEE, com abordagem de mercado e finalidade de geração de créditos de carbono, incluindo atividades de REDD+, desenvolvidos por entes públicos nas áreas em que tenham, cumulativamente, propriedade e usufruto, desde que não haja sobreposição com área de propriedade ou usufruto legítimos de terceiros.
Infrações e penalidades
O projeto de lei prevê que as infrações administrativas por descumprimento das regras do SBCE serão estabelecidas em regulamento e estabelece as possíveis penalidades aplicáveis, dentre elas, multas de até 3% do faturamento bruto da pessoa jurídica, do grupo ou do conglomerado, embargo da atividade, fonte ou instalação, suspensão parcial ou total de atividade, fonte ou instalação, além de penalidades restritivas de direito como cancelamento de licença e proibição de contratar com a Administração Pública.
Implementação do SBCE
O SBCE será implementado por fases, sendo a primeira delas a regulamentação que deverá ser editada em até 12 meses, prorrogáveis por igual período, seguida por três anos para operacionalização até o início da vigência do primeiro Plano Nacional de Alocação.
A aprovação do texto no Senado é um passo importante para a criação de um mercado regulado brasileiro que vem sendo discutido há muito tempo e mais intensamente desde 2021.
Relação do SBCE com Acordo de Paris – ITMOS
O Artigo 6.2 do Acordo de Paris prevê o mecanismo de transações de “créditos” representativos de mitigação de emissões de GEE no âmbito do esforço nacional de redução para fins de cumprimento das Metas Nacionalmente Determinadas (NDC – na sigla em inglês), reconhecendo a possibilidade de transação de “resultados de mitigação”, conhecidos no Acordo como Internationally Transferred Mitigation Outcomes (ITMOS).
No projeto de lei, está prevista a possibilidade de que os créditos de carbono gerados no País sejam utilizados para transferência internacional de resultados de mitigação, desde que registrados como CRVE e condicionados à autorização prévia, formal e expressa da autoridade nacional designada para fins do art. 6º do Acordo de Paris.
Será papel do CIM estabelecer os trâmites e limites para a transferência internacional de resultados de mitigação com base nas Estimativas Anuais de Emissões de Gases de Efeito Estufa no Brasil, definidas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, de forma a assegurar que eventuais ajustes correspondentes sejam coerentes com os compromissos internacionais do País.
Demais alterações
A versão aprovada do projeto de lei excluiu a obrigação de compensação ambiental por meio da aquisição de ativos previstos na lei para os proprietários de veículos automotores, bem como alterou a previsão relacionada às sociedades seguradoras, as sociedades de capitalização e os resseguradores locais.
*O conteúdo publicado em 13 de novembro foi elaborado com base no substitutivo apresentado antes da votação e está sujeito a alterações pontuais com base no texto final a ser formalizado.
Para mais informações sobre o assunto, contate a prática de Direito ambiental e Mudanças climáticas do Mattos Filho.