Formulários de Referência da CVM: quais são as tendências ESG?
Levantamento do Mattos Filho aponta as tendências ESG decorrentes da primeira rodada de atualizações do novo Formulário de Referência das companhias abertas brasileiras
Assuntos
A Resolução nº 59 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que entrou em vigor neste ano, estabelece um novo regime de divulgação para o Formulário de Referência, principalmente no que diz respeito a informações sobre temáticas ambientais, sociais e de governança corporativa (ESG). O modelo “pratique ou explique” adotado atende a uma demanda crescente de investidores quanto a transparência sobre tais temas.
Passado o prazo para a atualização anual do Formulário de Referência em seu novo formato, a análise das informações já divulgadas pelas companhias abertas permite avaliar, de forma quantitativa, a realidade do mercado no que diz respeito a temas ESG. Com esse foco, levantamento do Mattos Filho (clique aqui para acessar o one pager), realizado pelas áreas de Mercado de Capitais e ESG, aponta as tendências observadas recentemente a partir das informações divulgadas pelas companhias analisadas.
Para fins deste levantamento, foram consideradas as companhias brasileiras que atendem, cumulativamente, aos seguintes critérios: listadas no Novo Mercado, segmento com mais alto padrão de governança corporativa da B3; consideradas na composição da carteira do Ibovespa, principal indicador de desempenho de ações negociadas na B3, para o quadrimestre maio a agosto de 2023; e cujo último exercício social tenha encerrado em 31 de dezembro de 2022. Com base nesses critérios, foram analisados os formulários de referência de 55 companhias, das quais 67% também constavam da carteira do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) B3 no referido quadrimestre.
Aspectos ambientais e climáticos
Atualmente, 89% das companhias analisadas divulgam informações ESG através de relatórios anuais ou de sustentabilidade, dos quais 80% são submetidos à auditoria ou revisão externa.
Os números também se mostram positivos quanto a questões climáticas, sendo que 87% informaram realizar inventários de emissão de gases de efeito estufa (GEE). Para as companhias que realizam tal inventário, a CVM exige, ainda, a prestação de informações sobre os escopos das emissões inventariadas. Com base nas divulgações dos Formulários de Referência, todos os inventários consideram emissões de escopo 1 e de escopo 2. Adicionalmente, 90% dos inventários também consideram emissões de escopo 3, uma adesão significativa, dada a complexibilidade de levantamento e controle de dados para emissões relacionadas à cadeia.
Ainda, 76% das companhias analisadas informaram estabelecer um papel específico para a sua administração na avaliação, gerenciamento e supervisão dos riscos e oportunidades relacionados ao clima.
Vale destacar que, além dos aspectos acima, 58% informam considerar oportunidades ESG em seu plano de negócios, demonstrando sua aderência à crescente demanda do mercado por produtos e serviços pautados em sustentabilidade.
Fatores de risco
No que diz respeito aos fatores de risco que possam influenciar a decisão de investimento, a Resolução CVM nº 59 introduziu mudanças na forma como esses riscos são apresentados pelas companhias, determinando que informem, de forma segregada, os fatores de risco sociais, ambientais e climáticos (incluindo riscos físicos e de transição) aos quais uma companhia esteja exposta. Nesse novo formato, os fatores de risco devem ser apresentados em ordem crescente de relevância, sempre alinhados à matriz de riscos e ao relatório de sustentabilidade das companhias.
Com base em seus Formulários de Referência, verifica-se que 78% das companhias analisadas entendem estar expostas a riscos de natureza climática. Dentre tais, 98% consideram estarem expostas a riscos físicos, notadamente aqueles relacionados a desastres naturais e condições climáticas severas. Por outro lado, apenas 60% das companhias sujeitas a riscos climáticos indicaram exposição a riscos de transição, demonstrando que há espaço para maior conscientização do mercado sobre o tema.
Em relação aos fatores de risco ligados a questões sociais, 82% entendem estar expostas a tais riscos, sendo os acidentes de trabalho e, principalmente, a incapacidade de adoção de medidas sociais adequadas às necessidades de seus stakeholders e comunidades de atuação, as temáticas mais frequentes.
Por fim, analisando os fatores de risco apresentados pelas companhias analisadas, verificou-se que 84% consideram estar expostas a riscos ambientais. No entanto, cumpre destacar que a principal temática abordada por tais companhias se refere ao cumprimento da legislação ambiental aplicável, de forma direta ou em sua cadeia de fornecimento.
Diversidade e inclusão
O novo formato do Formulário de Referência também buscou conferir maior transparência quanto à diversidade na composição do quadro de administradores e de empregados das companhias. Nesse sentido, tornou-se necessário agrupá-los considerando, no mínimo, gênero, cor ou raça e faixa etária com base em informações autodeclaradas pelas partes.
As companhias podem, ainda, agrupar administradores e empregados com base em outros critérios de diversidade eventualmente adotados, como, por exemplo, orientação sexual e pessoas com deficiência. No entanto, nesta primeira rodada de atualizações, houve baixa adesão a essa divulgação facultativa pelas companhias analisadas, que, em sua maioria, limitaram-se a apresentar as informações obrigatórias.
Com relação aos empregados, apenas 16% os agruparam com base em critérios de diversidade além dos obrigatórios. Para esse grupo, os critérios adotados com maior frequência dizem respeito à inclusão de pessoas com deficiência e à origem geográfica dos empregados.
Dentre as companhias analisadas, apenas 24% consideraram outros critérios de diversidade como relevantes para agrupamento dos membros da administração (conselho de administração e diretoria estatutária), sendo o principal critério a faixa etária. Não obstante, destaca-se que 34% informaram adotar objetivos específicos com relação à diversidade na administração, principalmente no que diz respeito à ampliação da diversidade de gênero e racial na alta gestão.
Ainda na temática de diversidade e inclusão, registra-se que, ao longo dos próximos dois anos, as companhias analisadas deverão adequar-se a novas obrigações impostas pela B3 quanto à composição da administração. Nos termos do novo Regulamento de Emissores da B3, divulgado em 20 de julho de 2023, as companhias deverão adotar critérios de diversidade ao elegerem os membros da sua gestão, indicando, ao menos, uma mulher (considerada qualquer pessoa que se identifique com o gênero feminino) e/ou um membro de comunidade sub-representada (assim entendido como qualquer pessoa que seja “preta”, “parda” ou “indígena”, integrante da comunidade LGBTQIA+, ou pessoa com deficiência), para cargos de titulares do conselho de administração ou da diretoria estatutária. Essas obrigações, quando vigentes, também observarão modelo “pratique ou explique”.
Atualmente, 94% já contam com ao menos uma mulher em cargos efetivos de sua alta gestão. Por outro lado, apenas 36% contam com membro de comunidade sub-representada na administração, das quais todas aderem ao critério racial (considerando já ser um disclosure obrigatório no Formulário de Referência), mas nenhuma informou a presença de integrante da comunidade LGBTQIA+ ou de pessoa com deficiência.
Remuneração
Outro ponto discutido no âmbito da Resolução CVM nº 59 refere-se à disparidade salarial, uma tendência para fins de mapeamento de diversidade. Nesse sentido, as companhias devem apresentar um comparativo entre a maior remuneração reconhecida em seus resultados e a remuneração mediana dos empregados do emissor no Brasil (excluída a maior remuneração individual), levando em consideração a remuneração atribuída a administradores e a empregados. A razão média apresentada pelas companhias analisadas foi de 342, porém se verificou uma diferença setorial, conforma apontado abaixo:
SETOR1 | RAZÃO MÉDIA |
Financeiro | 43 |
Utilidades Públicas | 62 |
TI | 68 |
Petróleo e Combustíveis | 78 |
Bens industriais | 212 |
Saúde | 308 |
Materiais Básicos | 412 |
Consumo | 581 |
1Conforme classificação setorial adotada pela B3.
Não obstante a aparente disparidade salarial acima, vale destacar que, mediante a análise dos Formulários de Referência, verifica-se uma crescente preocupação por parte das companhias analisadas em adequar suas práticas de remuneração às novas demandas do mercado. Nesse sentido, 40% já consideram indicadores de desempenho ESG, principalmente ligados a questões de diversidade e inclusão e a metas climáticas, para fins da composição da remuneração variável da administração.
Transparência
Em 2023, tornou-se obrigatório que as companhias divulguem casos confirmados de desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, com o objetivo de garantir maior transparência sobre o tema. Com relação aos anos de 2020, 2021 e 2022, apenas 3,6% constataram esses casos, demonstrando os resultados positivos dos esforços para o contínuo desenvolvimento e adoção de práticas de governança corporativa e de controles internos mais robustos.
Adicionalmente, considerando a relevância da temática ESG, além dos canais de denúncia estipulados pela Novo Mercado, 73% das companhias analisadas também contam com canais próprios para que questões críticas relacionadas a ESG e conformidade cheguem ao conhecimento da sua alta gestão.
Próximos passos
Como parte do seu Plano Bienal 2023-2024, a CVM passa a adotar a supervisão temática de questões ESG, com intuito de analisar o cumprimento das novas obrigações ESG no âmbito do Formulário de Referência, bem como avaliar os riscos associados a esse tema. Com base no desenvolvimento do tema ESG ao longo do biênio, a CVM espera ajustar as obrigações aplicáveis sobre o tema de forma a garantir que o mercado brasileiro esteja alinhado com os mercados estrangeiros, bem como com as crescentes demandas de investidores.
Em linha com a aprovação de sua Política de Finanças Sustentáveis, a CVM estabeleceu, em outubro de 2023, metas para o biênio corrente que buscam fomentar iniciativas sustentáveis. Dentre essas metas, destacam-se a elaboração de orientações ao mercado quanto a boas práticas ESG, as quais serão determinadas com base na supervisão dos procedimentos e sistemas já adotados por companhias abertas, bem como as atividades de educação financeira a serem prestadas pela CVM, buscando a conscientização de investidores sobre fatores ESG.
Adicionalmente, com as mudanças trazidas pelo Regulamento de Emissores da B3 em 2023, o mercado brasileiro assume posição de destaque no que diz respeito ao desenvolvimento ESG, principalmente dos temas de diversidade e inclusão.
Dessa forma, a expectativa é de que as companhias e suas práticas ESG estejam cada vez mais sujeitas ao escrutínio dos investidores e dos reguladores.
Mesmo havendo espaço para o contínuo aperfeiçoamento das divulgações e das práticas ESG já adotadas, os Formulários de Referência das companhias analisadas refletem uma efetiva preocupação do mercado brasileiro em conformarem-se às práticas ESG.
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Para mais informações, conheça as práticas de Mercado de Capitais e ESG do Mattos Filho.