Contratos de propriedade intelectual: mudanças de entendimento do INPI e alterações fiscais
Entre os destaques para área de propriedade intelectual estão o novo entendimento do INPI sobre licença de tecnologia não patenteada e os impactos da MP 1.152/2022 no pagamento de royalties
No final de 2022, duas novidades movimentaram a área de propriedade intelectual, especialmente no que tange a celebração, formalização e efeitos de contratos envolvendo esses ativos: a divulgação, pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), de novas deliberações que reconhecem a possibilidade de licenciamento de tecnologia não patenteada e simplificam consideravelmente procedimentos de averbação e registro de contratos de transferência de tecnologia, e a edição da Medida Provisória 1.152/2022, que estabelece as novas regras de preços de transferência.
Mudanças no INPI
Conforme disposto na Lei nº 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial ou LPI), a formalização de contratos de licenciamento ou cessão de direitos de propriedade industrial deve ser seguida de averbação (para patentes, marcas, desenhos industriais) ou de registro (para fornecimento de tecnologia, franquia e serviços de assistência técnica e científica) dos contratos perante o INPI, para que estes produzam efeitos em relação a terceiros. No conjunto, esses instrumentos contratuais são enquadrados pelo INPI como contratos de transferência de tecnologia.
Historicamente, a análise deste tipo de contrato e respectiva chancela homologatória sempre foi condicionada ao cumprimento de uma série de formalidades exigidas pelo instituto e observância a restrições a determinados tipos de transações ou disposições, sendo o caso mais emblemático a impossibilidade de licença de tecnologia não patenteada.
Por meio de uma ata de reunião publicada na Revista da Propriedade Industrial nº 2713, o INPI divulgou uma bem-vinda mudança de entendimentos e procedimentos que garantirá mais segurança jurídica e agilidade na celebração e cumprimento de aspectos formais relacionados a contratos de propriedade intelectual.
Veja abaixo as principais mudanças trazidas pelo INPI:
Ainda, na esteira de posicionamentos anteriores formalizados por meio da Instrução Normativa INPI/PR nº 70/2017 e da Resolução INPI/PR n° 199/2017, o INPI reiterou não ter competência para determinar limites de pagamento entre empresas vinculadas, ou seja, remessa de royalties ao exterior, tampouco se pronunciar, sem ser demandado pelos órgãos competentes, sobre aspectos fiscais e econômicos dos contratos, relacionados ao valor e ao prazo.
Por permitirem uma ampliação da autonomia dos agentes privados, a expectativa é que essas mudanças fortaleçam o ambiente institucional brasileiro e criem incentivos para o desenvolvimento econômico.
Aspectos tributários
Na seara tributária, a edição da Medida Provisória nº 1.152/2022, que altera a cobrança de Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre os chamados preços de transferência, trouxe diversas consequências para o sistema tributário brasileiro, dentre elas, alterações que impactam diretamente na dedutibilidade de royalties.
As principais novidades são:
- Disposições expressas em relação a transações envolvendo ativos intangíveis e intangíveis de difícil valoração;
- Regras para a determinação de base de cálculo relativa à prestação de serviços intragrupo, o que, no âmbito da propriedade intelectual, pode incluir serviços de assistência técnica e científica;
- Dispositivos para definir contratos de compartilhamento de custos (enquadrando-se, nesse aspecto, os contratos de cooperação e parceria tecnológica) e estabelecer como se darão as contribuições dos participantes;
- Revogação de dispositivos da Lei nº 4.131/1962, Lei nº 4.506/1964 e Decreto-Lei nº 1.730/1979 que limitavam tanto os percentuais da receita líquida das vendas do produto fabricado ou vendido quanto as hipóteses de dedutibilidade fiscal relativas ao pagamento de royalties (por exemplo, royalties pagos a sócios são, atualmente, indedutíveis);
- Revogação do artigo 50 da Lei nº 8.383/1991 (e de suas alterações implementadas pela Lei n° 14.286/2021) e do artigo 12 da Lei nº 4.131/1962, que estabeleciam a obrigatoriedade de averbação ou registro de contratos perante o INPI para fins de dedutibilidade fiscal;
- Indedutibilidade, na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, das importâncias pagas, creditadas, entregues, empregadas ou remetidas a título de royalties e assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, devido a beneficiários em paraíso fiscal ou dependência com tributação favorecida e regime fiscal privilegiado, bem como a parte relacionada, quando a dedução dos valores resultar em dupla não tributação.
Esses pontos entram em vigor a partir de 1º de janeiro de 2024, podendo o contribuinte optar, de forma irretratável, pela sua aplicação para o ano-calendário de 2023. Caberá à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia estabelecer como se darão a forma, o prazo e as condições do exercício dessa opção.
De toda sorte, a medida provisória tem validade determinada, e deverá ser convertida em lei pelo Congresso Nacional em até 120 dias (os prazos não são contabilizados durante o recesso parlamentar de janeiro). Caso a MP não seja convertida em lei, o Congresso Nacional deverá editar um decreto legislativo para regular os efeitos jurídicos constituídos na sua vigência.
Assim, a Medida Provisória nº 1.152/2022 traz mudanças interessantes para determinados contratos, permitindo, por exemplo, que as empresas aumentem o percentual dos royalties remetidos ao exterior, pois estes passarão a ser dedutíveis. No entanto, para verificar se é conveniente a sua adoção ainda em 2023, é necessário avaliar o escopo da sua aplicação e seus potenciais impactos para as operações das empresas.
As atualizações reportadas acima estão alinhadas aos esforços de modernização e desburocratização promovidos, sobretudo, mediante alterações normativas implementadas pela Lei 13.874/2019 (“Lei de Liberdade Econômica”), que buscou reduzir a intervenção estatal sobre o exercício de atividades econômicas, e pela Lei n° 14.286/2021, novo marco cambial que entrou em vigor em 31 de dezembro de 2022.
Para mais informações, conheça as práticas de Propriedade Intelectual e Tributário do Mattos Filho.