TCU determina que ANEEL analise a regularidade dos subsídios de desconto na TUST e TUSD
Órgão aponta irregularidades nos descontos concedidos pela ANEEL e exige um plano de ação para aprimorar a regulamentação
Assuntos
Durante a Sessão Ordinária do Plenário, realizada em 22 de novembro de 2023, o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou o Acórdão nº 2353/2023, no âmbito do processo 017.027/2022-5, em que são analisadas supostas irregularidades na concessão de desconto de 50% da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) para empreendimentos de fontes incentivadas com potência instalada entre 30 MW e 300 MW, nos termos do parágrafo 1º-A, do art. 26, da Lei 9.427/1996.
No referido acórdão, o TCU avalia os entendimentos exarados pela Unidade de Auditoria Especializada em Energia Elétrica e Nuclear (AudElétrica-TCU) e pela Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura de Energia Elétrica (SeinfraElétrica), que indicam haver irregularidade na concessão do benefício de desconto nas tarifas de conexão pela ANEEL para projetos que estariam sendo fracionados para resultar em outorgas com potências inferiores a 300 MW.
Nesse sentido, o TCU determinou à ANEEL, sob monitoramento da AudElétrica:
- Que se abstenha de conceder novos descontos para projetos pendentes de autorização, até que critérios regulatórios eficazes sejam estabelecidos para o limite de 300.000 kW por empreendimento, evitando benefícios nos casos de fracionamento de projetos; e
- Que apresente um Plano de Ação, em 180 dias, para aprimorar a regulamentação referente à concessão de descontos, considerando empreendimentos já autorizados e com subsídios vigentes, que deverá abordar necessariamente: o impacto da correção de irregularidades nas autorizações já realizadas; e a apresentação de justificativas para a manutenção das reduções já autorizadas, considerando as consequências práticas que tal decisão possa acarretar (conforme o art. 20 da LINDB).
Impactos sobre projetos que aguardam autorização e projetos operacionais
O TCU defendeu que, embora existam diversos pedidos ainda sob análise no âmbito da ANEEL, não existiria direito adquirido para os casos pendentes de análise uma vez que não houve concessão dos descontos, mas somente expectativa de direito, que antecede a aquisição, podendo ser afetada por regulamento posterior. A nova regulamentação evitaria situações de fracionamento que podem vir a ser anuladas, caso comprovada a má-fé, uma vez que a situação jurídica a ser alterada já faz parte do patrimônio das partes e já houve produção de efeitos. Na interação com o TCU sobre o tema, a ANEEL estimou que, em julho de 2022, existiriam cerca de 6.500 empreendimentos, totalizando cerca de 330 GW, com potência instalada menor ou igual a 300 MW, de fonte solar e eólica que poderiam se enquadrar no cenário apontado pelo órgão de controle como potencial simulação.
Em relação aos projetos já operacionais, o TCU entendeu que se trataria de tema mais delicado, pois, considerando que poderia haver simulação relativa, tais negócios jurídicos podem ser anuláveis ou passíveis de convalidação, sendo necessária cautela para discutir o desfazimento desses atos. O órgão de controle entendeu que deve ser levado em conta o princípio da segurança jurídica, pois tais relações jurídicas foram reputadas como válidas, eficazes e se estabilizaram ao longo do tempo, contribuindo para o vertiginoso crescimento das energias renováveis no país.
Manifestação da ANEEL sobre o assunto
A ANEEL explicou ao TCU que o conceito na Lei 9.427/1996 é “potência injetada”, não “potência instalada”, devendo ser a potência injetada considerada para fins de benefício. A distinção seria relevante porque a potência instalada corresponde à capacidade máxima de produção da central geradora em determinado instante e não reflete a produção média nem a necessidade de autoconsumo. A Agência Reguladora defendeu que as Regras de Comercialização (Medição Contábil), aprovadas pela Resolução Normativa nº 1007/2022, preveem regras e instrumentos para suspender o desconto caso o limite seja excedido, o que só pode ser verificado durante a operação da usina, e não por meio de análise ex-ante.
A Agência Reguladora entende que haveria limitação em sua competência para impedir a ocorrência da subdivisão de um mesmo empreendimento, pois não há previsão legal que individualize empreendimento de geração de fonte incentivada. Seria necessário também considerar que os princípios contidos na Lei de Liberdade Econômica respaldam a atividade regulatória da ANEEL, sobretudo em relação à presunção de boa-fé nos atos praticados no exercício de liberdade econômica e no dever da administração de evitar abuso regulatório (arts. 3º V e 4º VII da Lei de Liberdade econômica), não sendo possível que a Agência presuma a má-fé dos regulados. Do ponto de vista jurídico, a existência de usinas em áreas contíguas e de um mesmo controlador não as torna um empreendimento único, vez que essa determinação não se extrai do art. 18 da Resolução Normativa nº 876/2020.
Por último, a Agência Reguladora expôs que, pela ótica do empreendedor, existem motivos além da concessão do desconto na TUSD e TUST que podem motivar a decisão por implantar usinas menores em áreas vizinhas, como: simplificação tributária (para se enquadrar, por exemplo, no regime de lucro presumido); e facilitação do licenciamento ambiental; ou viabilizar diferentes estratégias em leilões.
Entendimento do TCU sobre a manifestação da ANEEL
O TCU entendeu que, na prática, o fracionamento formal dos projetos tem significado desrespeito ao limite estabelecido na lei, resultando em subsídios para qualquer empreendimento de fontes solar e eólica, independentemente do tamanho. O órgão de controle interpretou que ainda que seja possível respaldar o fracionamento por razões fiscais e ambientais, as autoridades competentes não aceitam o fracionamento formal como fundamento para a obtenção de benefícios. O TCU observa que essa segmentação tem causado impactos tarifários negativos, indicando indícios de simulação de negócio jurídico, caracterizada por uma discrepância intencional entre a vontade interna e a declarada, com o propósito de enganar terceiros e alcançar objetivos contrários à lei.
Ao longo do relatório, o órgão de controle analisa quatro exemplos distintos em que o fracionamento formal de um objeto é considerado irregular, especificamente nas searas tributária, licitatória, ambiental e processual (de causa de pedir). O TCU quis evidenciar como a Receita Federal, órgãos do judiciário e autoridades ambientais, dentro de suas competências, estipulam procedimentos para tornar efetivos limites legais mediante desconsideração de situações formalmente regulares que poderiam caracterizar um fracionamento, o que poderia ser considerado como referência pela ANEEL.
O TCU interpreta que a ANEEL desempenha um papel essencial na garantia da qualidade do serviço, modicidade tarifária e universalização do acesso, atribuindo a ela a competência para preencher lacunas regulatórias, assegurando eficiência e equilíbrio, sem interferir nos aspectos internos do setor privado. O órgão de controle aponta que a competência da ANEEL para regular o tema também pode ser extraída de discussão do item 14 na 37ª Reunião Pública Ordinária (RPO) ANEEL de 2020, realizada em 6 de outubro de2020. Nesse precedente, discutiu-se a possibilidade de negativa de concessão do desconto para empreendimento que supostamente estaria sendo fracionado. Na RPO a diretora-relatora reconheceu que haveria lacuna regulatória, não sendo aquele o momento oportuno para discutir a questão por ser um caso concreto, que deveria ser tratado numa regulamentação de caráter geral para dar um tratamento isonômico a todos os agentes.
Ainda que seja necessário o respeito à autonomia das empresas, o TCU entende que se trataria tão somente de um aprimoramento regulatório, vez que já existe a noção de empreendimento na REN nº 876/2020 e nas Definições Gerais da Ultrapassagem do Limite de Potência Injetada, previstas no Anexo IV- Medição Contábil da REN nº 1.007/2022. Portanto, a definição de critérios utilizados para caracterização de empreendimento único na REN nº 876/2020 e respectivos ajustes nas regras de medição contábil seriam suficientes para uma aplicação correta da Lei 9.427/1996.
Para mais informações sobre o tema, conheça a prática de Infraestrutura e Energia do Mattos Filho.