Repressão de condutas anticompetitivas pelo Cade
Continuidade no uso de medidas preventivas e imposição de sanções não pecuniárias merecem destaque
O ano de 2023 tem visto uma reafirmação da política do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) de utilizar com mais frequência medidas preventivas em casos de condutas anticompetitivas.
Em agosto de 2023, a Superintendência-Geral do Cade iniciou uma investigação contra a Caixa Econômica Federal (CEF) e a Federação Brasileira das Empresas Lotéricas (Febralot), desencadeada por uma denúncia feita pela Associação dos Intermediadores Digitais de Jogos Lotéricos (Aidiglot), que representa plataformas de intermediação de jogos lotéricos (Inquérito Administrativo nº 08700.003430/2023-01). A Aidiglot alega que a CEF e a Febralot estariam impedindo o acesso das plataformas lotéricas ao mercado de intermediação de jogos lotéricos, notadamente por meio de sham litigation (comunicação de infrações supostamente sem mérito), campanha difamatória e abuso regulatório, entre outras condutas. Após análise inicial, a Superintendência-Geral determinou a adoção de medida preventiva para suspender a aplicação de sanções, pela CEF, às lotéricas que firmarem negócios com plataformas de intermediação de jogos. A CEF interpôs recurso ao Tribunal do Cade, que manteve a medida preventiva contra a CEF em julgamento realizado no dia 11 de outubro de 2023.
Outro caso que merece destaque é o Inquérito Administrativo instaurado pela Superintendência-Geral para apurar supostas condutas anticompetitivas por parte da Associação dos Hospitais Privados de Alta Complexidade do Estado de Goiás (AHPACEG). Conforme representação apresentada pela Unimed Goiânia, a suposta conduta estaria relacionada à negociação coletiva de preços praticados entre hospitais e operadoras de planos de saúde pela AHPACEG, e boicote coletivo a propostas comerciais e procedimentais feitas pela Unimed Goiânia (Inquérito Administrativo nº 08700.004116/2023-37). Menos de um mês após a imposição de medida preventiva no caso das lotéricas, a Superintendência-Geral do Cade utilizou do mesmo instrumento para determinar que a AHPACEG cessasse negociação coletiva de preços com operadores de plano de saúde. A investigação ainda está em curso.
Casos como esses revelam que a Superintendência-Geral do Cade tem persistido em sua inclinação à adoção de medidas preventivas como forma de enfrentar, desde o início das investigações, potenciais efeitos anticompetitivos derivados de condutas dessa natureza. O caso da Unimed Goiânia, em especial, destaca-se por se tratar de uma medida preventiva aplicada contra atuação coletiva da AHPACEG e seus associados, diferentemente das medidas aplicadas anteriormente, que estavam relacionadas a condutas unilaterais de agentes econômicos.
Imposição de sanções não pecuniárias em casos de cartel
Um outro desenvolvimento relevante diz respeito à discussão sobre a imposição de sanções não pecuniárias em casos de cartel. A Lei 12.529/2011 determina que, além da imposição de multas, o Cade também pode aplicar punições não pecuniárias em casos de infrações à ordem econômica. Essa discussão foi recentemente travada no Tribunal do Cade no julgamento de uma investigação de cartel nos mercados de revenda de combustíveis no oeste de Santa Catarina (Processo Administrativo nº 08700.005637/2020-69). Nesse julgamento, e de forma praticamente inédita, o Tribunal do Cade condenou dois empresários e determinou que fiquem proibidos de exercer o comércio em nome próprio ou como representante de pessoa jurídica pelo prazo de cinco anos.
Em seu voto vista, o Conselheiro Gustavo Augusto ponderou que a conduta de cartel no varejo de combustíveis é reiteradamente condenada pelo Tribunal do Cade, o que sugere que talvez a aplicação de multas não seja suficiente para garantir o caráter dissuasório da sanção.
Esse julgamento serve como uma sinalização explícita de que o Tribunal do Cade está disposto a punir de forma mais rigorosa condutas anticompetitivas coordenadas, especialmente aquelas já condenadas pela autoridade repetidas vezes.
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