Aplicação do Protocolo de Gênero do CNJ no combate ao assédio e à violência contra a mulher no ambiente de trabalho
Protocolo de Julgamento sob a Perspectiva de Gênero vem sendo aplicado pela Justiça do Trabalho no julgamento de disputas envolvendo assédio e violência contra a mulher
Em pesquisa realizada pela Deloitte e publicada em abril de 2024, constatou-se que 24% das mulheres entrevistadas já sofreram assédio em atendimentos a cliente ou consumidores, 13% já enfrentaram assédio de colegas de trabalho e 13% foram vitimadas de assédios em viagens de trabalho. Em relação às chamadas microagressões (por exemplo, apropriação de ideias, interrupções, questionamento de habilidades de raciocínio, pressuposições de submissão de mulheres aos homens etc.), 35% das entrevistadas já passaram por esse tipo de situação e 77% delas optaram por não reportar o caso.
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Datafolha também apontam que 46,7% das mulheres brasileiras acima dos 16 anos sofreram alguma forma de assédio sexual em 2022. Dentre esse grupo, 18,6% (quase 12 milhões) alegam ter enfrentado esse tipo de situação no ambiente de trabalho.
Com o objetivo de fortalecer o combate a atos de discriminação e violência contra a mulher, a Resolução 492/2023 elaborada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, em 17 de março de 2023, o Protocolo de Julgamento sob a Perspectiva de Gênero, disposto na Portaria CNJ nº 27/2023, sendo de observância obrigatória para todo o Poder Judiciário.
O Protocolo foi inspirado no Comitê para Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), ambos da ONU. Além disso, reforça a importância da promoção das disposições da Convenção 190 da OIT que, embora ainda não tenha ingressado na ordem jurídica interna brasileira, traz diretrizes sobre o direito fundamental de todos os trabalhadores a um meio ambiente do trabalho livre de violência e assédio com base no gênero.
O Protocolo serve como guia para orientar os magistrados a analisar e julgar, de forma não abstrata e com base em diretrizes padronizadas, casos de assédio moral, sexual e discriminação, abordando esses temas sob a perspectiva da mulher vítima de assédio ou violência.
Além disso, o Protocolo traz uma seção específica voltada para violência e assédio no ambiente de trabalho, reconhecendo a violência e o assédio como temas afetos a segurança e saúde no trabalho, com base na Convenção 190 da OIT.
Essa centralização da vítima, ou seja, o seu protagonismo para efeitos do julgamento, é adotada no Protocolo, principalmente, levando em consideração o valor probatório da palavra da vítima na análise do caso concreto, uma vez que “faz parte do julgamento com perspectiva de gênero a alta valoração das declarações da mulher vítima de violência de gênero, não se cogitando de desequilíbrio processual “.
Nesse contexto, nota-se o aumento de decisões da Justiça do Trabalho que vêm aplicando o Protocolo, principalmente em casos que envolvem alegações de assédio sexual e violência contra a mulher, endereçando a desigualdade de gênero e a vulnerabilidade da possível vítima, inclusive no que se refere ao ônus da prova.
Casos julgados pela Justiça do Trabalho
A Décima Quinta Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, sob a relatoria da Desembargadora Marta Natalina Fedél, julgou um caso em que a empregada teria sofrido assédio moral e sexual por parte de sua superior hierárquica, sendo, inclusive, impedida de frequentar o estabelecimento comercial em que trabalhava (uma loja de conveniências) após ser desligada da empresa. A Turma manteve a indenização por danos morais com base no depoimento da própria vítima, ao fundamento de que, normalmente, o assédio no ambiente de trabalho acontece somente na presença da vítima e do assediador, o que impossibilita a produção de provas nos autos.
De acordo com o Protocolo e em respeito aos princípios que regem os direitos humanos, a palavra da vítima ganha peso relevante na formação do convencimento do magistrado, ao argumento de que o assédio velado e a violência, muitas vezes, não são presenciados por ninguém além da própria vítima.
Recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) julgou processo envolvendo alegação de assédio sexual envolvendo uma jovem aprendiz. O acórdão regional havia afastado o assédio sexual, com base na distribuição do ônus da prova, ao fundamento de que a reclamante teria confessado que “dava atenção” ao suposto assediador, o que comprovaria a consensualidade da vítima.
A Sétima Turma do TST reformou a decisão regional, invocando o Protocolo, sob o argumento de que “a falta de reação imediata da vítima ou a demora em denunciar a violência ou o assédio, não devem ser interpretados como aceite ou concordância com a situação”. Conferindo maior valoração ao depoimento da vítima e levando em consideração os demais elementos probatórios dos autos, a Turma reconheceu o assédio sexual e deferiu indenização por danos extrapatrimoniais.
Julgamentos como esses são uma tendência à qual as empresas devem ficar atentas, seja na condução estratégica dos processos judiciais (em razão da relativização da regra geral do ônus da prova), seja no estabelecimento de práticas internas de prevenção, controle e, quando necessário, remediação, visando sempre combater os tipos de violência contra a mulher no ambiente de trabalho, incluindo assédio moral e sexual.
Medidas de combate a assédio e violência, para mitigação de riscos trabalhistas
A Lei nº 14.457/2022 que instituiu o Programa Emprega + Mulheres, prevê medidas obrigatórias para prevenção e combate ao assédio sexual e à violência contra a mulher no ambiente de trabalho. Alguns exemplos são a criação de normas internas com ampla divulgação, procedimentos para recebimento e apuração de denúncias, sempre garantindo o anonimato do(a) denunciante, e realização de treinamentos para todos os níveis hierárquicos.
A inexistência de medidas de prevenção e combate a situações de assédio e violência de gênero no ambiente de trabalho pode expor as empresas não apenas ao dano reputacional, mas também a risco de ajuizamento de ações trabalhistas individuais, instauração de investigações pelo Ministério Público do Trabalho, com possibilidade de propositura de Termo de Ajustamento de Conduta e, inclusive, ajuizamento de ações civis públicas com pedido de cumprimento de obrigações de fazer, sob pena de multas e reparação por dano moral coletivo.
Treinamentos contínuos, conscientização de lideranças, canais de denúncia seguros com possibilidade de anonimização, processos claros de investigação e efetiva gestão de consequência com aplicação de medidas disciplinares adequadas e políticas claras de não retaliação, são apenas alguns exemplos de boas práticas a serem implementadas pelas empresas para mitigação desses riscos, sempre com aconselhamento jurídico.
Para mais informações, procure a prática Trabalhista e Sindical e de Direitos Humanos e Empresas