

Direito concorrencial: retrospectiva e perspectivas em atos de concentração
Panorama da atuação do Cade e tendências para 2025
Durante o ano de 2024, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) analisou 697 atos de concentração, dos quais mais de 90% (644) foram analisados sob o rito sumário, com 53 casos analisados sob o rito ordinário e 11 julgados pelo Tribunal do Cade. O valor total das operações notificadas ao Cade, em 2024, somou R$ 1,1 trilhão. O tempo médio de análise dos casos submetidos sob o rito sumário foi de 15,1 dias (versus 12,6 dias em 2023), enquanto o tempo médios dos casos submetidos sob o rito ordinário foi de 93,9 dias (versus 116,7 dias em 2023).
Os números sinalizam uma retomada no crescimento do volume de atos de concentração analisados pelo conselho, em comparação com 2023 e em perspectiva com a série histórica dos últimos anos. Considerando os últimos cinco anos, nota-se aumento significativo do número de operações analisadas. Em comparação com 2020, houve incremento de 47%, e com relação a 2023, aumentou 13%:
Atos de concentração analisados pelo Cade entre 2020 e 2024

Casos de destaque e perspectivas para 2025
O ano de 2024 se destacou por decisões importantes emitidas pelo Tribunal do Cade em relação a casos envolvendo o cálculo e a dosimetria das multas por descumprimento do dever de notificação prévia de operações ao Cade (infração conhecida como gun jumping). Especificamente, o Tribunal indicou que usará um teto de 20% sobre o valor da operação para a fixação de multa por gun jumping.
Esse entendimento foi aplicado inicialmente no contexto da investigação sobre a operação envolvendo a aquisição, pela Kurumá, de ativos tangíveis e intangíveis da Govesa (APAC n° 08700.005463/2019-09), sendo posteriormente usado em dois casos subsequentes (APAC n° 08700.003447/2020-15 e n° 08700.009227/2022-59).
Em todos, o Tribunal sinalizou que poderá haver hipóteses em que o teto não será aplicável, tais como: situações em que as partes da operação tenham agido de má-fé; operações cujo valor for meramente simbólico, de modo que a aplicação da limitação de 20% acabe por sempre resultar no piso de R$ 60 mil do § 3º do art. 88 da Lei 12.529/11; e casos em que a operação puder gerar dano significativo ao mercado.
Ainda sobre a análise do dever de notificar, outros temas se destacaram em decisões do Cade em 2024.
Logo no primeiro semestre, o Tribunal do Cade proferiu uma decisão importante na investigação por gun jumping envolvendo as empresas Digesto e JusBrasil (APAC n°. 08700.000641/2023-83), em que houve um extenso debate sobre a definição de grupo econômico e, consequentemente, do cálculo do faturamento.
No voto do Conselheiro-Relator Victor Oliveira Fernandes, o Tribunal esclareceu que não deve ser presumido que um acionista que detenha 20% ou mais de participação na parte diretamente envolvida na operação detém controle sobre ela apenas por conta de sua participação, havendo necessidade de uma análise concreta dos diretos de governança detidos por esse acionista. Ainda, o conselheiro indicou em seu voto uma lista de direitos historicamente considerados pela Superintendência-Geral (SG) como evidências de controle, o que sinaliza minimamente ao mercado parâmetros que podem ser considerados pelo Cade nesse tipo de análise. Nesse ponto, vale ressaltar que a decisão destacou a necessidade de uma reavaliação mais profunda pelo Cade a respeito do tema, com o objetivo de conferir mais segurança jurídica ao mercado.
Ainda em 2024, a SG proferiu diversas decisões com sinalizações importantes sobre a necessidade ou não de notificação de operações envolvendo aquisições de imóveis. Em duas operações envolvendo imóveis não operacionais do Grupo Carrefour (AC n° 08700.001216/2024-92 e AC n° 08700.000735/2024-33), a SG concluiu que essas transações não configuravam ato de concentração, principalmente baseada no entendimento que os imóveis (no estado em que se encontravam), não gerariam incremento de capacidade produtiva para o comprador, considerando as atividades do comprador e a necessidade de investimentos para tornar tais imóveis operacionais.
Porém, em ato de concentração posterior, também envolvendo o Grupo Carrefour (AC n° 08700.002034/2024-39), a SG proferiu entendimento diverso diante do fato de que a aquisição do imóvel estava sendo feita por empresa atuante no setor de incorporação imobiliária, o que, no entender da SG, faria com que o imóvel fosse considerado um ativo essencial.
Diante desse debate, a empresa Bompreço Bahia realizou consulta ao Tribunal do Cade (Consulta n° 08700.007814/2024-75), questionando se uma venda de imóvel não operacional deveria ser considerada ato de concentração notificável ao Cade. O caso foi apreciado na sessão do Tribunal realizada em 14 de fevereiro de 2025. Naquela oportunidade, o Conselheiro-Relator Gustavo Augusto Freitas de Lima destacou que a distinção entre “imóvel” e “estabelecimento comercial” é essencial para a análise da obrigação de notificar.
Segundo o conselheiro, um estabelecimento comercial engloba um conjunto de elementos já organizados que permite a exploração de uma atividade econômica. Nesse sentido, concluiu que a simples aquisição de imóvel não operacional, não configura ato de concentração notificável ao Cade, por não poder ser considerada compra de ativo produtivo.
No entanto, conforme divulgado em boletim anterior, o relator fez algumas ressalvas, distinguindo casos que poderiam ser considerados atos de concentração, tais como: a transferência de imóveis que eram operacionais no início das tratativas comerciais entre as partes; situações em que a transferência do imóvel seja parte de uma operação mais ampla que envolva outros ativos que constituam um estabelecimento comercial; a transferência de imóveis considerados ativos essenciais por motivos regulatórios. O relator ressalvou também a necessidade de uma avaliação caso a caso na hipótese de transações feitas entre empresas do ramo imobiliário (como incorporadoras).
A consolidação desses critérios será uma importante tendência de 2025, uma vez que o setor imobiliário é um dos principais setores em termos de números de notificações de atos de concentração ao Cade.
Uma tendência também observada em 2024 foi a iniciativa da SG de investigar proativamente operações não notificadas envolvendo empresas de tecnologia e, particularmente, inteligência artificial. A SG instaurou ex officio três APACs para apurar eventual necessidade de notificação da parceria entre Anthropic e Amazon (APAC nº 08700.005962/2024-55); da parceria entre Mistral AI e Microsoft (APAC nº 08700.005961/2024-19); de contrato entre Character.ai e Google (APAC nº 08700.005638/2024-37).
As duas primeiras operações, inclusive, atraíram o escrutínio de outras autoridades de defesa da concorrência, em particular, a CMA, do Reino Unido. As investigações ainda estão em curso, mas servem como sinalização do interesse do Cade em operações relacionadas a tecnologia, mesmo quando ocorrem inteiramente fora do Brasil.
Os casos acima reforçam a importância de as empresas avaliarem, de forma cuidadosa, se suas operações societárias, como fusões e aquisições, e principalmente contratos de parceria e aquisições de imóveis, devem ser notificadas previamente ao Cade.
Por fim, como reportado em edições anteriores do boletim, o Cade lançou no final de 2023 o sistema e-Notifica, estabelecendo o processo eletrônico de notificação de atos de concentração elegíveis ao rito sumário, de forma integrada a outras bases de dados públicas, visando uma maior celeridade e eficiência na análise desses casos. Em 2024, foram realizados os primeiros protocolos de atos de concentração por meio do e-Notifica e, em atenção ao feedback dos administrados, o Cade lançou uma atualização na ferramenta em novembro de 2024. A SG tem anunciado a intenção de que, no futuro, todos os atos de concentração sumários sejam notificados apenas por meio do referido sistema.
Para mais informações sobre o tema, conheça a prática de Direito Concorrencial do Mattos Filho.