Cade lança material sobre mercados de distribuição e revenda de combustíveis líquidos
Documento analisa jurisprudência do conselho e apresenta um panorama atual, uma síntese da regulação do setor e as contribuições de advocacia da concorrência
Assuntos
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) publicou, no dia 11 de maio de 2022, um documento denominado Caderno do Cade no qual aborda os mercados de distribuição e varejo de combustíveis líquidos. Preparado pelo Departamento de Estudos Econômicos (DEE) do Cade, o material analisa a jurisprudência do conselho nos mercados de distribuição e revenda de combustíveis líquidos (gasolina, etanol e diesel) no Brasil, durante o período de 2013 a 2021, além de apresentar um panorama atual do setor, uma síntese da regulação e as contribuições do Cade em sede de advocacia da concorrência.
Panorama da cadeia produtiva do petróleo
O caderno apresenta um panorama com estatísticas relativas às etapas da produção e comercialização de petróleo e derivados no Brasil – com base em dados de 2020 disponibilizados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
No cenário mundial, o Brasil ficou na 16ª posição no ranking de reservas provadas de petróleo, com um volume de 11,9 bilhões de barris. Em relação à capacidade de refino, com a 9ª posição (2,3 milhões de barris/dia); na 9ª posição no volume de petróleo produzido, totalizando 3,4 milhões de barris/dia; e, para consumo, chegou ao 8º lugar, com 2,3 milhões de barris/dia. A Petrobras foi a empresa que mais produziu petróleo no Brasil, com participação de 73,7% no total, enquanto a Shell Brasil aparece na segunda posição com 12,4%. O estudo do Cade ressaltou que o valor atingido pela Shell é muito inferior ao apresentado pela Petrobras, o que reforçaria a posição de liderança da Petrobras no país.
Em relação ao refino e processamento do petróleo, o parque brasileiro contava com 17 refinarias de petróleo em 2020, a maioria da Petrobras, com capacidade para processar 2,4 milhões de barris/dia.
No setor de distribuição combustíveis líquidos automotivos no Brasil, o material constata que, entre 2011 e 2020, o óleo diesel foi o derivado de petróleo mais vendido no Brasil, o que ocorre em função da matriz de transporte brasileira, predominantemente formada por rodovias.
O mercado de óleo diesel foi suprido por 136 distribuidoras em 2020, sendo que as quatro empresas líderes em vendas concentraram 68,8% do mercado – são elas: VIBRA (ex BR) (27,7%), Ipiranga (19,41%), Raízen (18,4%) e Alesat (3,4%). O mercado de distribuição de gasolina C foi suprido por 137 distribuidoras e permaneceu concentrado entre três distribuidoras, que detiveram 57,6% do total das vendas: VIBRA (23,7%), Ipiranga (17,9%) e Raízen (16%).
Em relação à revenda, 43,2% do volume de combustível comercializado se dividiu entre quatro das 64 bandeiras atuantes, VIBRA (16,7%), Ipiranga (13,2%), Raízen (10,6%); e Alesat (2,7%). Os postos revendedores que operam com bandeira branca tiveram participação de 46,7%, em 2020.
Aspectos do mercado de etanol no Brasil
Em 2020, a produção de etanol totalizou 32,8 milhões de m³ e a região Sudeste foi a maior produtora nacional de etanol, com volume de 18 milhões de m³, 54,9% da produção brasileira. O Estado de São Paulo respondeu, sozinho, por 44,8% da produção.
O Centro-Oeste ficou na segunda posição com aproximadamente 11,4 milhões de m³, equivalente a 34,8% do total nacional. As exportações atingiram 2,7 milhões de m³, com alta de 38,1% em relação a 2019 e o principal destino do etanol brasileiro foi a América do Norte, especialmente os Estados Unidos.
As vendas de etanol hidratado pelas distribuidoras totalizaram 19,3 milhões de m³, em 2020. O percentual de 52,5% das vendas ficou concentrado nas empresas Raízen (18,8%), VIBRA (16,9%) e Ipiranga (16,8%). O restante foi distribuído entre as demais 122 empresas. O Cade ressaltou novamente o elevado poder das três grandes (VIBRA, Ipiranga e Raízen) no mercado de combustível, seja ele derivado de petróleo ou da cana-de-açúcar (etanol).
Atos de concentração nos mercados de distribuição e revenda de combustíveis
O DEE realizou o levantamento de operações societárias submetidas ao Cade que tiveram como foco os elos de distribuição e revenda (varejo) de combustíveis líquidos, para o período de novembro de 2013 a dezembro de 2021. Foram analisados 31 atos de concentração julgados – dos quais 80,65% (25) foram analisados sob o rito sumário do Cade e 19,35% (apenas seis) sob o rito ordinário. Das operações, apenas um caso foi reprovado – dos demais, 29 foram aprovados sem restrições e um caso não foi conhecido pela autarquia.
De acordo com a jurisprudência analisada, o mercado de distribuição e comercialização de combustíveis líquidos em sua dimensão do produto tem sido considerado como a cesta de produtos formada por etanol, gasolina e diesel. Quanto à dimensão geográfica, para o mercado de distribuição, a definição é estadual. Na revenda, a definição adotada pelo Cade é municipal, quando a população local é inferior a 200 mil habitantes; e em bairro, ou grupo de bairros, em municípios mais populosos (superior a 200 mil habitantes).
As variáveis para cálculo de participação de mercado utilizadas pelo Cade foram: volume de vendas (m³) e número de postos. As fontes de informações foram a ANP, dados internos das partes e da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA).
A análise de condições de entrada foi realizada em poucos casos. Em relação à distribuição de combustíveis, na análise do caso reprovado, foi ressaltado que, em razão das estratégias de crescimento das grandes distribuidoras, foram registradas muitas saídas e nenhuma entrada relevante, de modo que a probabilidade real de entrada de novos agentes no mercado nacional em um prazo de dois anos seria muito pequena. Para o segmento de revenda, as principais barreiras verificadas foram regulatórias, porém não impeditivas para entrada tempestiva.
Em relação à rivalidade, nos segmentos de mercados no setor de distribuição e revenda de combustíveis líquidos, o Cade verificou a existência de rivalidade na distribuição onde havia a presença de concorrentes de grande porte (nível nacional), além de distribuidoras regionais. As distribuidoras nacionais operam com vantagem competitiva em relação às distribuidoras regionais e, principalmente, frente às distribuidoras locais, com relevantes vantagens de custos e de logística, de forma que a capacidade das menores de competir com as distribuidoras de maior porte é quase nula.
Condutas anticompetitivas
As estatísticas do estudo sobre condutas anticompetitivas consideraram apenas os processos administrativos julgados no Cade, ou seja, não foram incluídas investigações que estão ainda em fases de inquérito ou de procedimento preparatório, ou ainda, investigações em curso. No total 22 processos administrativos relativos a investigações de condutas anticompetitivas nos mercados de distribuição e venda de combustíveis líquidos automotivos foram analisados. Destes, 15 tiveram condenação de todos ou de parte dos representados, seis foram arquivados, sem condenação de representados, e um teve reconhecida a prescrição. As multas aplicadas nos processos nos quais houve condenação superaram R$ 486 milhões de reais.
Foram analisados processos administrativos relativos a condutas praticadas nas seguintes cidades/regiões: Joinville (SC), João Pessoa (PB), Belo Horizonte (MG), Natal (RN), São Luís (MA), Cuiabá (MT), Uberlândia (MG), Vitória (ES), São Carlos (SP), Bauru (SP) e Marília/SP, Estado de São Paulo, Porto Alegre (RS), Distrito Federal, Londrina (PR), Santa Maria (RS), Manaus (AM), Teresina (PI) e Caxias do Sul (RS).
Além das condutas de cartel – historicamente, a principal conduta investigada pelo Cade no setor de combustíveis líquidos – destacou-se a presença dos sindicatos empresariais e das distribuidoras de combustíveis, em alguns casos, como indutores da uniformização das condutas no segmento de varejo.
Por fim, apesar de não ter entrado nas estatísticas (uma vez que o caso ainda está em andamento), o caderno destacou o Inquérito Administrativo nº 08012.008859/2009-86, investigação de suposto cartel de combustíveis no Distrito Federal. Neste caso, pela primeira vez, o Cade determinou uma intervenção em uma empresa de varejo de combustíveis.
Contribuições do Cade para o setor em sede de advocacia da concorrência
O material ainda ressaltou o documento “Repensando o setor de combustíveis: medidas pró-concorrência”, publicado em 2018 pelo Cade, no qual, à época, foram apresentadas sugestões para melhorar o ambiente competitivo nos mercados de distribuição e varejo de combustíveis considerando aspectos como regulação, tributação e outros de caráter mais geral. Confira abaixo:
- Permitir que produtores de álcool vendam diretamente aos postos: à época do documento, o fornecedor de etanol não podia vender o produto diretamente ao posto revendedor. Segundo o Cade, após esforços para a alteração regulatória que resultou na Resolução ANP 855/2021-ANP, verifica-se maior liberdade e maior competição no setor.
- Repensar a proibição de verticalização do setor de varejo de combustíveis: o estudo afirma que, graças aos esforços de advocacia empreendidos pelo Cade junto à ANP, a agência que pautou o tema, debatendo a verticalização como um todo da indústria e a fidelidade à bandeira, que resultou na permissão de comercialização de Etanol Hidratado Combustível e gasolina C por transportadores-revendedores-retalhistas (TRRs) e a venda de combustíveis fora de estabelecimento revendedor.
- Extinguir a vedação à importação de combustíveis pelas distribuidoras: em 2018, o Cade defendeu que, ao se estender a permissão de autorização para a importação a distribuidores, ocorreria uma redução dos custos de transação e um possível estímulo adicional à diversidade de agentes na etapa de fornecimento de combustíveis, com possível diminuição dos preços à jusante e eventual desconcentração na distribuição. A ANP atendeu a esta solicitação, modificando a regulação setorial, promovendo maior concorrência para o mercado.
- Fornecer informações aos consumidores do nome do revendedor de combustível, de quantos postos o q revendedor possui e a quais outras marcas está associado: o Cade sugere a divulgação de maior nível de informação aos consumidores finais sobre a real estrutura de mercado, indicando (em locais visíveis para o consumidor) o nome do posto, suas marcas e quantos postos há no município do mesmo dono, para que o consumidor consiga fazer uma escolha mercadológica consciente. Essa medida, no entanto, não foi atendida até o momento.
- Aprimorar a disponibilidade de informação sobre a comercialização de combustíveis para o aperfeiçoamento da inteligência na repressão à conduta colusiva: o Cade defende que é necessária a ampliação, o cruzamento e o aprimoramento dos dados à disposição da ANP e do Cade relacionados à comercialização de combustíveis (como preços, volumes etc.), permitindo a detecção mais ágil e precisa de indícios econômicos de condutas anticompetitivas.
- Repensar a substituição tributária do ICMS: o caderno sugere a extinção, no âmbito do setor de combustíveis, da substituição tributária do ICMS, uma vez que tabela da Confaz, pode ter como efeito o aumento do preço dos produtos, em especial da gasolina.
- Repensar o imposto ad rem: a incidência de impostos sobre combustíveis líquidos na forma de um valor fixo por litro, resulta em distorções, pois que alguém que vende o litro da gasolina mais barato paga percentualmente mais imposto do que outro agente que vende combustível caro, porque o imposto representa um valor fixo (em centavos por litro).
- Permitir postos autosserviços: o Cade entende que o sistema de autosserviços tende a reduzir custos com encargos trabalhistas, consequentemente a reduzir o preço final ao consumidor.
- Repensar as normas sobre o uso concorrencial do espaço urbano: o Cade verificou a existência de normas municipais que proibiam a construção de postos de gasolina em estacionamentos de supermercados, nesse sentido, a autoridade reforça que é importante que a legislação local não crie óbice ao uso de espaço urbano.
Em meio às recentes altas dos preços de combustíveis no país, e questionamentos sobre as políticas comerciais da Petrobras, é esperado que o Cade mantenha sua apuração sobre o setor.
Para saber mais sobre questões concorrenciais nos mercados de distribuição e revenda de combustíveis, conheça a prática Direito concorrencial do Mattos Filho.