

MEC edita novo marco regulatório para cursos de medicina
A nova regra põe fim à moratória e se aplica a todos os cursos do país, inclusive aqueles analisados a partir de decisões judiciais envolvendo o Programa Mais Médicos
Assuntos
O Ministério da Educação (MEC) publicou, em 31 de dezembro de 2022, a Portaria MEC nº 1.061/2022, que institui o novo marco regulatório para os processos de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos de medicina no país. A norma, ainda, põe fim à suspensão da publicação de editais para autorização de novos cursos de medicina, ao revogar a Portaria 328/2018, e promete incrementar a qualidade de todos os cursos em funcionamento no país.
O novo marco incorpora muitas das inovações trazidas com a Lei nº 12.871/2013, que instituiu o Programa Mais Médicos, mas com aperfeiçoamentos relevantes, descritos abaixo.
As regras entram em vigor imediatamente para os novos protocolos, inclusive se realizados a partir de decisões judiciais que discutem a constitucionalidade e legalidade do Programa Mais Médicos. Já os cursos já em operação, independente de terem sido autorizados no contexto do Programa Mais Médicos ou não, terão, no mínimo, até 2024 para se adaptar.
Docentes
O protocolo de pedidos de atos autorizativos deve vir acompanhado não só da relação de docentes (art. 5º), comprovando vínculos com o mantenedor, como de um Plano de Formação e Desenvolvimento da Docência (art. 6º), com ações para garantir a formação continuada de todos os profissionais envolvidos no curso. Há, ainda, regras específicas para que os graduados em cursos distintos da medicina possam atuar apenas em disciplinas não médicas.
Inserção na rede local de saúde
Talvez o ponto mais relevante do novo marco regulatório seja seu art. 7º, que cria a obrigatoriedade de apresentar um Plano de Inserção na Rede Local de Saúde, contendo uma análise detalhada das instalações de saúde que receberão atividades práticas (chamadas de Unidade de Saúde-Escola), indicando a disponibilidade da infraestrutura para receber alunos, a partir de dados do Sistema de Mapeamento em Educação na Saúde (SIMAPES), criado pela Portaria GM/MS nº 4.529, de 21 de dezembro de 2022.
A possibilidade de utilizar a infraestrutura deverá ser demonstrada por meio do Contrato Organizativo de Ação Pública de Ensino-Saúde, previsto pela Portaria Interministerial nº 1.127/2015 ou instrumentos congêneres. Ainda assim, também é fundamental apresentar um Plano de Trabalho para cada período do curso, indicando a forma de utilizar das Unidades de Saúde-Escola envolvidas nas atividades, conforme sua complexidade e o avanço do curso.
A despeito de serem exigências rigorosas, os cursos não mais precisarão demonstrar a existência de disponibilidade de 5 leitos do Sistema Único de Saúde (SUS) para cada vaga que se pretende autorizar, como atualmente. Com o novo marco, essa exigência é restrita à ampliação das vagas já autorizadas, conforme art. 31 da norma.
Plano de qualificação de residências
O art. 8º do novo marco também traz a necessidade de haver um Plano de Qualificação de Residências Médicas, voltado a garantir a ampliação desse serviço a fim de acomodar eventuais egressos conforme as necessidades da região de saúde. Diferentemente do que atualmente ocorre no Programa Mais Médicos, abandona-se a lógica de, necessariamente, criar determinado número de residências médicas, substituída pela de qualificar aqueles existentes, seja ampliando vagas, provendo infraestruturas ou mesmo a partir de novos.
Sustentabilidade financeira
Inspirado no art. 7º, III, da Lei nº 9.394/1996 (LDB), o art. 9º exige um Plano de Sustentabilidade Financeira do Curso, indicando as estimativas de receitas, investimentos em infraestrutura (própria ou da rede de saúde local), remuneração e formação de docentes ao longo dos seis anos subsequentes ao início de funcionamento do curso (para a autorização) ou ao longo do próximo ciclo avaliativo (reconhecimento e sua renovação).
Contrapartida ao SUS
Uma novidade inspirada no Programa Mais Médicos é a de organizar um Plano de Contrapartidas à Rede Local de Saúde que envolva “a destinação de ao menos 10% da receita bruta auferida a título de mensalidades do curso e cobradas na forma da Lei 9.870/1999 à rede local do SUS” (art. 10), alinhado às necessidades de saúde dos municípios em que as atividades sejam realizadas. Admite-se, ainda, a destinação de parte da verba para Unidades de Saúde-Escola privadas com atendimento ao SUS, mesmo que próprias do mantenedor.
As mantenedoras de IES com cursos em operação poderão contabilizar seus investimentos atuais na rede local do SUS, mas também terão que se ajustar à regra em um período de 12 meses. Já as IES públicas investirão na formação e capacitação de servidores da rede pública, especialmente mediante projetos de pesquisa e extensão em semelhante valor.
Plano de Bolsas
Segundo o art. 11 do novo marco, 10% das vagas autorizadas deverão ser destinadas a estudantes bolsistas que sejam residentes na região de saúde em que se situa o curso há ao menos dois anos e cuja renda familiar mensal seja de até três salários mínimos. A seleção dos bolsistas se dará mediante editais próprios da Instituição de Ensino Superior (IES), que poderá prever outros critérios e admitir a concessão das bolsas a alunos já matriculados.
Vale mencionar, ainda, que as IES com cursos em operação poderão oferecer vagas adicionais no limite de até 10% daquelas autorizadas para atender às obrigações, reduzindo os impactos econômicos da previsão.
Procedimento e fluxo
O procedimento para os atos autorizativos é bastante semelhante ao atual, mas prevê a interlocução com outras entidades, como a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde (SGTES/MS) e a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), para confirmar os dados apresentados quando do protocolo dos requerimentos.
Além disso, as avaliações serão conduzidas por uma comissão de especialistas em educação médica a ser constituída a partir do Banco de Avaliadores (BASis) do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), a revelar outro traço do novo marco, que é a aproximação ao SINAES.
Nesse sentido, criam-se regras específicas para orientar os avaliadores no preenchimento de alguns elementos do formulário de avaliação do INEP (estágio supervisionado, integração do curso com o sistema local, unidades hospitalares e complexo assistencial conveniados), de maneira a valorizar a etapa documental e todas as informações que foram apresentadas como requisito obrigatório ao processamento do pleito. Adicionalmente, incorpora-se a prática do Programa Mais Médicos de prever uma autorização ao ano até o reconhecimento, a fim de acompanhar a evolução da implantação das obrigações.
Impactos às ações judiciais discutindo o Programa Mais Médicos
Outro ponto relevante é a revogação imediata da Portaria MEC nº 328/2018 (art. 41), de modo a permitir a publicação de novos editais para autorizar cursos no contexto do Programa Mais Médicos. Como o novo marco, não admite a convivência entre esse regime e aquele em que os mantenedores decidem livremente em que local se estabelecer, portanto, é provável que as ações em curso para discutir a constitucionalidade do Programa Mais Médicos sigam em vigor.
Contudo, na eventualidade de obter uma decisão favorável, autorizando o protocolo de requerimentos de autorização de cursos de medicina fora do regime do Programa Mais Médicos, os mantenedores se sujeitarão às regras do novo marco, que serão muito semelhantes àquelas previstas na referida política pública. Dessa maneira, possíveis vitórias nas ações terão o condão de viabilizar o acesso ao mercado, porém, não modificarão os requisitos para o exercício da atividade econômica correspondente.
Para mais informações sobre o setor, conheça a prática de Educação do Mattos Filho.