Câmara dos Deputados aprova projeto de reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falência
Projeto traz mudanças relevantes aos processos de falência, mas ainda precisa ser aprovado no Senado Federal
Assuntos
A Câmara dos Deputados aprovou, em 26 de março, o texto da Subemenda Substitutiva Global ao Projeto de Lei 3/2024, que altera disposições relevantes da Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei 11.101/2005), do Código Civil, da Lei 8.078/1990 e da Lei 13.988/2020.
De acordo com a Relatora Deputada Danielle D. da Cunha, o objetivo do projeto é aprimorar os processos falimentares, tornando-os mais céleres e efetivos. Apesar disso, a proposta é controversa, tendo sido criticada por diversas instituições atuantes no mercado de reestruturação e insolvência, por magistrados e juristas, com particular ênfase na inexistência de debate suficiente das alterações pretendidas.
Como próximos passos, o projeto será encaminhado ao Senado Federal para apreciação e, caso seja alterado pelos senadores, deverá retornar à Câmara dos Deputados para análise das modificações. Uma vez aprovado o texto final, será encaminhado à sanção presidencial e, se existirem vetos, o Congresso Nacional deverá deliberá-los.
Dentre as diversas modificações trazidas pelo novo regramento, destacam-se:
Plano de Falência
A principal inovação do projeto é a obrigatória apresentação de um plano de falência, pelo gestor fiduciário (cuja figura também é uma inovação – vide item abaixo) ou pelo administrador judicial, conforme o caso, em até 60 dias contados da assinatura do termo de compromisso. O plano de falência conterá a proposta de gestão, avaliação e alienação dos ativos da massa falida, medidas a serem adotadas nos processos em curso, e o plano detalhado de pagamento do passivo, que deverá observar a ordem de pagamento já prevista em lei. Com exceção dos créditos fiscais e do FGTS, que observarão o disposto em legislação específica, os créditos sujeitos ao procedimento falimentar poderão sofrer deságio, mediante aprovação da maioria dos créditos da classe afetada pelo desconto.
Os credores que representem, conjunta ou isoladamente, no mínimo, 10% do total de créditos sujeitos à falência, terão 15 dias para apresentar oposição ao plano de falência, hipótese em que o juízo deverá convocar assembleia geral de credores para deliberar sobre o plano. Se não houver oposição, o plano de falência será considerado aprovado.
Em assembleia geral de credores, o plano deverá ser aprovado, cumulativamente:
- Em cada classe da falência, por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembleia;
- Pela maioria simples dos credores presentes.
Não terão direito a voto aqueles credores pertencentes às classes que não tenham expectativa de receber pagamentos. Caso o plano de falência seja rejeitado pela assembleia geral de credores, o gestor fiduciário ou o administrador judicial, conforme o caso, deverá desempenhar as funções na forma da lei e realizar o ativo conforme o plano apresentado.
Assim como na recuperação judicial, o plano de falência poderá ser homologado pelo juízo em situações excepcionais, mesmo quando rejeitado pelos credores, e os credores poderão apresentar planos alternativos, desde que cumpram os requisitos legais.
Gestor fiduciário
O projeto prevê a criação da figura do gestor fiduciário, que poderá ser eleito em substituição ao administrador judicial no âmbito de assembleia geral de credores a ser realizada na falência, em data não superior a 60 dias contados de sua decretação. As principais funções do gestor fiduciário serão gerir o processo falimentar e conduzir, de forma célere e eficaz, a liquidação dos ativos da massa falida para pagamento dos credores. Apesar de seu papel assemelhar-se ao dos administradores judiciais, a intenção do projeto é que o gestor fiduciário possa garantir agilidade às falências, especialmente para evitar a deterioração dos ativos e assegurar a maximização do recebimento dos créditos pelos credores.
As obrigações e responsabilidades do gestor fiduciário serão as mesmas aplicáveis ao administrador judicial. Em até 90 dias antes do término do mandato do gestor fiduciário, o juízo deverá convocar assembleia geral de credores para deliberar sobre sua substituição ou recondução. Caso não existam candidatos para substitui-lo, ou este não seja reconduzido, o juízo deverá designar um administrador judicial para condução do processo falimentar.
Mandato e remuneração do administrador judicial
O projeto prevê uma série de limitações aos administradores judiciais, especialmente em relação ao mandato e remuneração. De acordo com o texto aprovado pela Câmara, o mandato do administrador judicial será de três anos, sendo vedada a recondução. A única exceção a esse prazo é se, antes do vencimento do mandato original, a assembleia geral de credores aprovar a extensão por igual período, desde que a remuneração inicialmente fixada seja mantida ou reduzida.
Além disso, no prazo de pelo menos dois anos do término de seu mandato, o administrador judicial não poderá assumir a condução de mais de uma recuperação judicial ou falência cujo passivo seja igual ou superior a 100 mil salários-mínimos perante o mesmo juízo. Referida vedação somente será dispensada se a recuperação judicial ou a falência sob condução de determinado administrador judicial for encerrada nos três primeiros anos de seu mandato. Da mesma forma, o juízo não poderá escolher o mesmo profissional como administrador judicial em mais de quatro recuperações judiciais e quatro falências.
Outra alteração relevante é que o administrador judicial que já tiver exercido função de administrador de certa sociedade na recuperação judicial não poderá ser designado como administrador judicial ou gestor fiduciário da falência de tal sociedade.
O projeto ainda propõe a redução da remuneração do administrador judicial, que não poderá exceder o teto global de 10 mil salários-mínimos e estará atrelada ao passivo concursal após a novação do plano de recuperação judicial aprovado ou ao valor efetivamente pago aos credores na falência, nos seguintes percentuais:
- 2%, quando o valor de referência for superior a 400 mil salários-mínimos;
- 3%, quando o valor de referência for superior a 100 mil salários-mínimos e inferior ou igual a 400 mil salários-mínimos;
- 4%, quando o valor de referência for superior a 50 mil salários-mínimos e inferior ou igual a 100 mil salários-mínimos;
- 5%, quando o valor de referência for inferior ou igual a 50 mil salários-mínimos.
Venda de ativos na falência
O projeto pretende alterar o quórum de 2/3 dos créditos presentes à assembleia para aprovação de forma alternativa de realização do ativo na falência, exigindo, cumulativamente, o voto favorável de credores que representem mais da metade dos créditos em valor e a maioria numérica dos credores (o projeto não esclarece se o quórum é relacionado aos credores e créditos presentes à assembleia ou ao total do passivo concursal).
De acordo com o projeto, o prazo máximo para a venda dos ativos na falência será de três anos (o texto não é claro se o prazo indicado decorre da decretação da falência ou da aprovação do plano), renovável uma única vez. Para os processos em curso por mais de três anos, os credores poderão adjudicar ou adquirir os bens não alienados, inclusive mediante a conversão da dívida em capital de veículo constituído especificamente para esse fim.
Créditos na falência
Outra alteração significativa é que, para classificação, contagem do quórum de instalação e deliberação em assembleia geral de credores, seja por créditos ou por cabeça, o titular do crédito objeto de cessão, sub-rogação ou sucessão votará pela quantidade total de titulares dos créditos cedidos, preservando-se os direitos individuais de cada crédito cedido. Ademais, o projeto pretende positivar entendimento de que os créditos objeto de cessão, sub-rogação ou sucessão preservam sua natureza e classificação no âmbito da assembleia geral de credores.
O projeto propõe a majoração do limite do crédito trabalhista na falência de 150 salários-mínimos para 200 salários-mínimos por credor.
Recuperação judicial
As mudanças propostas especificamente em relação à recuperação judicial são mais tímidas, mas não menos relevantes.
Para evitar pedidos sucessivos de recuperações judiciais e reestruturações seguidas da mesma dívida, o texto propõe que somente poderá ajuizar pedido de recuperação judicial aquele devedor que não tiver, há pelo menos dois anos, encerrado recuperação judicial anterior, exceto se todos os créditos sujeitos ao procedimento anterior tiverem sido integralmente pagos. Além disso, os créditos advindos de recuperação judicial anterior do mesmo devedor, ainda que não vencidos, não poderão ser incluídos em nova recuperação judicial.
Em relação aos bens de capital essenciais à atividade do devedor, o projeto expressamente excetua os créditos e dinheiro, de forma a deixar expresso em lei que a excussão de garantias fiduciárias sobre dinheiro/crédito é permitida durante o stay period.
Desconsideração da personalidade jurídica
O projeto pretende alterar o Código Civil para prever, de forma expressa, que a desconsideração da personalidade jurídica será apurada por meio de incidente pelo juízo competente, assegurado o direito ao contraditório. Além disso, a desconsideração da sociedade falida somente poderá ser requerida pela própria massa falida, representada pelo seu administrador judicial. Uma vez desconsiderada a personalidade da sociedade falida, os efeitos serão aproveitados pela universalidade dos credores da massa falida.
As decisões de desconsideração da personalidade jurídica contra sociedades falidas, empresas em recuperação judicial, seus sócios, controladores e administradores, somente surtirão efeitos depois de transitadas em julgado, conforme também previsto pelo projeto
Aspectos tributários
O projeto trouxe algumas alterações relevantes no campo tributário, como a proposta para que a Fazenda Pública indique, por memória de cálculo, o maior desconto possível, segundo os parâmetros e normativos vigentes para a transação tributária, aplicáveis aos créditos inscritos em dívida ativa ou não.
Além disso, o PL propõe mudanças relevantes à Lei 13.988/2020 para, dentre outras, ampliar as concessões que podem ser oferecidas às empresas em processo de recuperação judicial, recuperação extrajudicial, liquidação judicial, liquidação extrajudicial e falência em relação às transações de dívida ativa da União, autarquias e fundações públicas federais.
Outras modificações relevantes
Buscando dar celeridade aos procedimentos de insolvência, o projeto reduz o período mínimo entre a realização das primeira e segunda convocações da assembleia geral de credores, de cinco dias para uma hora. Na recuperação extrajudicial, o projeto expressamente estabelece que não haverá nomeação de administrador judicial.
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