

Alteração legislativa autoriza a alienação fiduciária de propriedade superveniente
Promovida pelo Marco Legal das Garantias, mudança garante também a não-sujeição dos créditos relacionados ao processo de recuperação judicial
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Dentre as principais inovações da Lei 14.711/2023 (Marco Legal das Garantias), sancionada em 30 de outubro de 2023, destaca-se a possibilidade de criação de ônus sucessivos sobre bens imóveis por meio da constituição de alienações fiduciárias das respectivas propriedades supervenientes (artigo 22, §§ 3º e 4º). Esta garantia tem a sua eficácia condicionada ao cancelamento das alienações fiduciárias anteriores.
A mudança é relevante, pois, até o advento do Marco Legal das Garantias, não havia previsão legal para a coexistência desta modalidade de garantia sobre um mesmo bem imóvel, diferentemente do que ocorria com as hipotecas e penhores, que já admitiam a criação de ônus de graus sucessivos em prol dos credores.
Em relação à extraconcursalidade das garantias fiduciárias na recuperação judicial, o Marco Legal das Garantias prevê expressamente que o artigo 49, § 3º, da Lei 11.101/2005, de 9 de fevereiro de 2005, também se aplica aos credores fiduciários de propriedade superveniente. Em outras palavras, a nova lei reconhece que os créditos garantidos por alienações fiduciárias sucessivas não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial.
Vale destacar que não há no Marco Legal das Garantias qualquer menção sobre o tratamento do credor fiduciário de propriedade superveniente em situações em que o produto efetivamente obtido (ou que possa vir a ser obtido) com a excussão da garantia não seja suficiente para quitar a integralidade de todos os créditos garantidos, como se tais créditos serão considerados concursais ou extraconcursais na recuperação judicial. O silêncio sobre essa questão pode trazer um questionamento sobre a classificação dos créditos não beneficiados pela garantia.
Explica-se: especificamente quanto ao penhor e à hipoteca, há entendimento jurisprudencial majoritário no sentido de que, na recuperação judicial, o credor que detém garantia subordinada àquela constituída anteriormente somente é considerado titular de crédito com garantia real até o limite do bem onerado, conforme previsto no artigo 41, § 2º, da Lei 11.101/2005 (TJSP, agravo de instrumento 2242614-41.2019.8.26.0000). Portanto, neste exemplo, caso o valor do bem onerado não seja suficiente para cobrir todos os penhores e as hipotecas constituídos de forma sucessiva, o crédito não coberto pela garantia será considerado como quirografário para fins de classificação na recuperação judicial.
Aplicada ao pé da letra a regra de que o crédito garantido por alienação fiduciária sucessiva será também extraconcursal, sem esclarecer que tal tratamento seria aplicável apenas à parcela efetivamente garantida pelo bem onerado, o credor não coberto pela garantia poderia, em última instância, ver o seu crédito excluído da recuperação judicial – mesmo com a indicação acerca da insuficiência do valor da garantia –, não lhe sendo assegurado o direito de participar, como um credor quirografário, na recuperação judicial.
Por fim, espera-se que o Poder Judicial adote, em relação às alienações fiduciárias sucessivas, uma interpretação semelhante à que vemos na jurisprudência para os penhores e as hipotecas, evitando, dessa forma, que ocorra embates jurídicos sobre o tema no futuro próximo.
Para mais informações sobre o tema, acesse aqui os demais artigos publicados sobre o Marco Legal das Garantias e conheça as práticas de Bancos e Serviços financeiros, Contencioso e Arbitragem, Financiamento e Dívida e Reestruturação e Insolvência do Mattos Filho.