STJ afirma que IES podem cobrar mensalidades diferentes de alunos calouros e veteranos
Terceira Turma do STJ julgou o tema, mas tratou da diferença do preço a partir da regra de reajuste, o que traz preocupações sobre futuras interpretações
Assuntos
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou, em 16 de abril de 2024, o Recurso Especial nº 2.087.632/DF. Na ocasião, reafirmou a jurisprudência no sentido de que o § 3° do art. 1° da Lei nº 9.870/1999 (Lei de Mensalidades) autoriza que o mantenedor de Instituições de Ensino Superior (IES) cobre valores distintos de mensalidades de alunos calouros e veteranos.
Como esse dispositivo não se projeta para a formação do preço, mas para justificar a incidência dos reajustes sobre o valor de mensalidades, o entendimento do STJ merece uma análise cuidadosa, ao menos sob dois pontos de vista, indicados abaixo.
Entenda o caso
A demanda original foi proposta por um grupo de estudantes de medicina em face da IES, sob o fundamento de ser indevida a cobrança de valores diferentes entre alunos veteranos e calouros, buscando o ressarcimento em dobro dos valores apontados como pagos a maior.
Em primeira instância, a demanda foi julgada improcedente, tendo o Juízo entendido que o curso foi reformulado ao longo dos anos, com a introdução de metodologias técnicas mais adequadas desde o primeiro semestre, o que demandou maior especialização do corpo docente. E isso teria resultado em um aumento natural dos custos, justificando a cobrança de valores diferentes aos alunos calouros, até porque a própria Lei de Mensalidades admite que esse acréscimo seja repassado aos estudantes quando demonstrado por meio de planilha de custos própria.
Os alunos apelaram e reverteram o entendimento no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Nesse, a Terceira Turma Cível deu parcial provimento ao recurso e entendeu ser inviável haver valores distintos entre alunos do mesmo curso, condenando a IES, ainda, à restituição do valor cobrado indevidamente, mas na forma simples, ante a ausência da prova de má-fé. Segundo tal entendimento, a Lei de Mensalidades obrigaria as IES a praticarem o mesmo valor aos estudantes do curso, independentemente do semestre em que se encontram.
STJ e os pontos de atenção
Ao analisar o Recurso Especial interposto pela IES, a Ministra Relatora, Nancy Andrighi, iniciou seu voto reforçando o entendimento pacificado na Corte acerca da possibilidade de distinção entre o valor das mensalidades cobradas entre alunos do mesmo curso. Segundo ela, o art. 1º da Lei de Mensalidades autoriza a diferença de valores cobrados de estudantes ingressantes e veteranos, desde que seja demonstrado haver elevações de custos entre os semestres, na forma da planilha de custos previstas pelo § 4° do mesmo dispositivo.
Esse entendimento foi seguido à unanimidade pela Turma, reforçando a jurisprudência do STJ no sentido de que a prática de mercado de muitas IES está amparada pela legislação, incrementando a segurança jurídica sobre sua licitude. Mas outros aspectos, não unânimes, merecem destaque.
A relatora entendeu, porém, que não seria possível simplesmente cassar o acórdão do TJDFT e julgar a demanda improcedente. Isso porque, na sua percepção, o Juízo de primeiro grau não conduziu a instrução de forma adequada ao julgar antecipadamente a lide, pois os alunos discutiram o conteúdo das planilhas de custos juntadas pela IES a amparar os valores praticados.
Segundo a relatora, os estudantes sustentaram que as planilhas de custos não seguiriam a legislação aplicável, por não respeitarem o modelo do Decreto nº 3.274/1999 e carecerem de informações essenciais, como a data de assinatura e detalhes sobre os custos, além de não terem sido acompanhadas de comprovantes contábeis e notas fiscais.
Por isso, seria necessário produzir provas para demonstrar que as diferenças de valores entre as turmas não estariam lastreadas em elevações de custos, o que, na opinião de Andrighi, implicaria anular a sentença.
Esse ponto é importante, pois destaca que o STJ está atento à necessidade de que a IES justifique a diferença de valores praticados entre semestres a partir das planilhas de custos previstas na legislação, reforçando a importância de que sejam analisadas pelas instâncias ordinárias.
Embora o Ministro Humberto Martins tenha acompanhado o encaminhamento da relatora, outros julgadores divergiram quanto a esse ponto, trazendo o segundo aspecto que merece atenção. O Ministro Moura Ribeiro, que concordou ser possível cobrar valores de mensalidade diferentes de calouros e veteranos, divergiu do encaminhamento pela anulação da sentença.
Em síntese, o Ministro considerou que a decisão do Juízo na primeira instância, que reconheceu ter havido alteração do método de ensino a justificar a aplicação de valores distintos, pautou-se nas provas documentais constantes nos autos, as quais foram suficientes para dirimir a controvérsia. Para além disso, considerou que as partes não se opuseram ao julgamento antecipado da lide, o que corroboraria com a desnecessidade da dilação probatória para demonstrar o fato constitutivo ou extintivo de direito.
Nesse contexto, o Ministro votou pelo integral provimento do recurso, restabelecendo a sentença de improcedência, no que foi acompanhado pelos Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze, formando maioria (o acórdão ainda aguarda finalização e publicação, e todas as informações aqui citadas foram extraídas das discussões e votos lidos durante a sessão de julgamento ocorrida em 16 de abril de 2024).
Esse segundo elemento chama a atenção porque a Turma pode ter interpretado que mesmo a prática de preços de ingresso distintos depende da demonstração de elevação de custos de um semestre a outro, o que está em contraste com outros precedentes do STJ e a prática do mercado. É importante, assim, acompanhar o desenvolvimento do tema no âmbito do STJ.
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