Efeitos conglomerados na análise do Cade
Casos e publicação recentes indicam crescente importância do tema
O debate sobre efeitos conglomerados decorrentes de algumas fusões e aquisições têm atraído crescente atenção das autoridades antitruste ao redor do mundo. No Brasil, o interesse maior do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) pelo tema traduziu-se na recente publicação pelo Departamento de Estudos Econômicos (DEE) do documento de trabalho intitulado “Fusões Conglomerais: Teorias de Danos e Jurisprudência do CADE entre 2012 e 2022”, que apresenta referências importantes sobre as discussões acadêmicas e casos práticos que foram analisados pelo Cade.
Embora ainda haja um número limitado de casos analisados em profundidade no Brasil, o Cade tem construído aos poucos o seu entendimento sobre potenciais preocupações que podem resultar deste tipo de fusão e quais parâmetros de análise devem ser aplicados. Conforme dados disponibilizados no documento de trabalho, de 2012 a 2022, o Cade analisou um total de 61 atos de concentração que envolveram fusões conglomerais. Destas, mais de 50% foram analisadas a partir de 2019.
Casos envolvendo a expansão do portfólio das partes envolvidas, especialmente quando uma delas detém uma participação de mercado mais significativa, têm gerado questionamentos sobre potenciais efeitos conglomerados. Isso se deve, inclusive, ao fato de que o próprio formulário de notificação requer a apresentação não apenas de relações verticais e sobreposições horizontais, mas também de relações complementares.
Dentre os casos analisados recentemente, destaca-se a operação global entre a Microsoft Corporation e Activision Blizzard, Inc. (Ato de Concentração nº 08700.003361/2022-46), no qual o Cade avaliou se a aquisição da Activision Blizzard, Inc. aumentaria os incentivos da Microsoft Corporation para fechar seu ecossistema digital a produtores concorrentes em outros mercados. O Cade também analisou se a operação sufocaria a inovação potencial no mercado de distribuição de jogos digitais por meio de serviços de assinatura de vários jogos e serviços de jogos em nuvem. Ao final, o Cade concluiu que não haveria incentivos para adoção de quaisquer estratégias de fechamento após a operação, especialmente no que diz respeito a deixar de vender jogos de terceiros no ecossistema Xbox.
Outro caso que merece destaque é a operação envolvendo a STNE Participações S.A. (Stone) e a Linx S.A. (Linx), em relação a qual o Cade avaliou possíveis riscos relacionados a um eventual aumento do poder de portfólio decorrente da complementariedade das atividades da Linx e da Stone (Ato de Concentração nº 08700.003969/2020-17). Havia a preocupação de que as empresas pudessem adotar uma estratégia discriminatória e exclusionária, de modo a forçar clientes da Linx a usarem apenas a solução de adquirência da Stone. Ao final, o Cade concluiu que as partes não teriam incentivos para adoção dessas estratégias, tendo em vista a própria dinâmica daquele mercado.
Outra preocupação com fusões conglomerais está relacionada ao acesso a informações. Essa preocupação foi levantada no caso Stone/Linx e, também, na análise da operação entre Magalu Pagamentos Ltda. (Magalu Pagamentos) e Hub Prepaid Participações S.A. (Hub) (Ato de Concentração nº 08700.000059/2021-55). Neste último, foi analisada a possibilidade de a Hub transferir dados de clientes para a Magalu Pagamentos, o que poderia, ao menos em tese, resultar em vantagens indevidas a partir dessas informações. Essa preocupação, no entanto, foi afastada em ambos os casos, por conta das salvaguardas contratuais existentes entre as partes, além de obrigações regulatórias impostas pelo Banco Central do Brasil às instituições financeiras e de pagamento, que preveniram acessos indevidos a informações.
Além desse documento de trabalho, o Cade também disponibilizou para consulta pública a versão preliminar do Guia V+, que consolida as melhores práticas e procedimentos adotados pela autarquia na análise de efeitos não horizontais em atos de concentração. Detalhes adicionais do Guia V+ podem ser consultados neste outro artigo do nosso boletim.
Esses casos e documentos de trabalho indicam que as preocupações concorrenciais em relação a fusões conglomerais decorrem da constatação de que ao menos uma das partes detêm poder de mercado num segmento em que há uma base de clientes comum com outros mercados afetados pela operação, ainda que esses não estejam horizontal ou verticalmente relacionados.
Embora ainda não tenha havido uma análise abrangente de todos os possíveis efeitos das fusões conglomerais, o Cade está gradualmente construindo seu entendimento. Os precedentes já analisados representam importantes fontes para possíveis áreas de atenção envolvendo esse tipo de operação. É possível que novas teorias de dano sejam adotadas pelo Cade à medida que a autoridade ganhe mais experiência na análise dos impactos das fusões em contextos conglomerados, especialmente dentro dos ecossistemas digitais.
Para mais informações sobre o tema, conheça a prática de Direito concorrencial do Mattos Filho.