

Câmara aprova PL que altera as regras de tributação de investimentos no exterior e fundos no Brasil
O texto segue para análise e votação no Senado Federal
Assuntos
A Câmara dos Deputados aprovou, em 25 de outubro de 2023, o Projeto de Lei 4173/2023, que propõe alterações nas regras de tributação do Imposto de Renda (IR) aplicável às pessoas físicas incidentes sobre os investimentos em ativos offshore, notadamente aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior, e fundos fechados, incluindo FIP, FIA e FIDC, além de outros fundos de investimento.
Em linha com iniciativas anteriores de teor semelhante, o Governo Federal além de sugerir modificações nas regras de tributação de investimentos de pessoas físicas no exterior, também introduz a sistemática de tributação periódica (Come-Cotas) para os fundos fechados, bem como traz outras alterações.
Veja abaixo as principais alterações aprovadas.
Tributação de ativos offshore
Ao longo dos últimos meses foram apresentadas diversas tentativas de mudança na tributação de ativos no exterior detidos por pessoas físicas residentes no Brasil, inicialmente por meio das Medidas Provisórias (MPs) nº 1.171/23 e 1.172/23 e, desde agosto de 2023, por meio do Projeto de Lei (PL) nº 4.173/23, cujo texto foi aprovado na data de ontem (25 de outubro de 2023) pela Câmara dos Deputados.
Desde seu texto original, o PL traz significativas mudanças na forma de tributação de ativos no exterior detidos por pessoas físicas residentes no Brasil, em especial com relação à alíquota do imposto de renda devido sobre rendimentos de aplicações financeiras mantidas no exterior pela pessoa física, obrigatoriedade de tributação dos lucros apurados por entidades controladas, independentemente da efetiva distribuição à pessoa física no Brasil, e tributação de trusts no Brasil.
O texto aprovado pela Câmara não se distancia substancialmente daquilo que o Governo inicialmente havia proposto ao apresentar o PL 4.173/23 (informações detalhadas aqui), mas há alguns pontos importantes que foram esclarecidos/modificados a partir das alterações votadas no dia 25. A lista abaixo resume os principais pontos que foram objeto de mudança no texto aprovado, no que diz respeito a ativos situados no exterior:
Aplicações financeiras e rendimentos no exterior
Alíquota: passa a haver uma alíquota única de 15% incidente sobre os rendimentos advindos das aplicações financeiras no exterior detidas diretamente por pessoas, independentemente do valor do rendimento auferido. Tal mudança é relevante, em especial considerando que o projeto original previa que ganhos acima de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) estariam sujeitos à alíquota de 22.5%.
Ativos virtuais: a nomenclatura “criptoativos” foi substituída por “ativos virtuais”, com a observação de que o respectivo enquadramento dessa modalidade como ativos financeiros será regulamentado pela Receita Federal em momento posterior.
Entidades controladas no exterior
Alíquota: os lucros das entidades controladas que deverão ser tributados nos termos do PL aprovado pela Câmara também se sujeitam à alíquota fixa de 15% – a versão original previa a tributação com base em alíquotas progressivas, sendo que lucros acima de R$ 50.000,00 estariam sujeitos à alíquota de 22,5%.
Contabilidade das entidades controladas: o texto prevê a aplicação de regras diferenciadas de contabilidade a depender da localização da entidade controlada, sendo que necessariamente deverão ser aplicadas as regras contábeis da legislação comercial brasileira caso a entidade esteja localizada em países com tributação favorecida (JTF) ou beneficiária de regime fiscal privilegiado (RFP), ao passo que para entidades não localizadas em JTF ou sujeitas a RFP, a nova redação permite ao contribuinte realizar a opção entre os “padrões internacionais de contabilidade (International Financial Reporting Standards – IFRS) ou à legislação comercial brasileira”. Tal redação pode gerar dúvidas, considerando que o Brasil já adota os padrões IFRS em suas demonstrações contábeis, de modo que a opção dada ao contribuinte parece redundante. Uma possível interpretação, sujeita a futuros esclarecimentos, seria pela possibilidade de elaboração das demonstrações para as entidades controladas que não estejam localizadas em JTF ou sujeitas a RFP com base nos critérios brasileiros (equivalente atualmente ao IRFS) ou com base nos critérios locais de onde a entidade está localizada.
Regras relativas à transparência: apesar de a possibilidade de tratar estruturas no exterior como transparentes em determinadas circunstancias já ter sido prevista no texto original do PL, o texto aprovado esclarece que o indivíduo que optar pela regra da transparência (ou seja, por declarar os ativos detidos pela entidade controlada no exterior como se fossem detidos diretamente pela pessoa física) deverá declarar não apenas bens e direitos, mas também obrigações, tais como dividas, detidas direta ou indiretamente pela entidade controlada, sendo que tais obrigações deverão ser declaradas na ficha de dívidas e ônus reais da Declaração de Ajuste Anual, a valor zero.
Atualização de ativos no exterior
Alíquota: o ganho de capital apurado por pessoas físicas que optem por atualizar o valor de ativos situados no exterior indicados nas respectivas Declarações de Ajuste Anual estará sujeito à alíquota de 8%.
Bens declarados diretamente pela pessoa física (transparência): o contribuinte que tiver optado por declarar as entidades controladas como se fossem transparentes poderá optar por proceder à atualização do valor dos bens que vier a declarar diretamente.
Novo regime para fundos de investimentos
De acordo com a redação aprovada, a partir de 2024, os fundos de investimentos fechados estarão sujeitos ao recolhimento periódico do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) na sistemática de Come-Cotas (alíquota de 15% ou 20%, conforme classificação dos fundos como curto ou longo prazo), em linha com o regime já atualmente aplicado aos fundos abertos.
Excetuam-se do regime de Come-Cotas os fundos sujeitos a regime específico previsto no PL e outros regulados por leis específicas e não sujeitos ao regime do PL, detalhados abaixo.
FIDC: em comparação à redação originariamente proposta na MP 1184, o PL 4173 avança ao incluir os FIDC, ao lado dos FIP, FIA e ETF de Renda Variável (os ETF-RV), no rol de fundos excepcionados do regime do Come-Cotas, de modo que os cotistas serão tributados apenas no momento da distribuição de rendimentos, amortização ou resgate de cotas.
Em linha com a proposta originalmente concebida para FIPs, FIA e ETF-RV, o PL 4173 determina a não aplicação do Come-Cotas aos FIDC com gestão discricionária, classificados como entidade de investimento, nos termos de regulamentação a ser editada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). A proposta também inclui um requisito de composição de carteira mais exigente para os FIDC do que o atualmente previsto na regulamentação, exigindo que tais fundos tenham, ao menos, 67% de sua carteira composta por direitos creditórios. O conceito de direito creditório, para esse fim, também será regulamentado pelo CMN e os fundos existentes terão até 30 de junho de 2024 para se enquadrar neste percentual.
FIA: o PL 4173 mantém os FIA excluídos do Come-Cotas dispensando, contudo, o cumprimento da classificação como entidade de investimento.
Adicionalmente, o PL 4173 avança em relação ao texto da MP 1184 no que concerne à composição de carteira dos FIA, eliminando o requisito da “efetiva negociação” em bolsa que poderia gerar insegurança jurídica na aplicação da norma. No texto do PL 4173, os FIA devem investir ao menos 67% de sua carteira em ações e ativos elegíveis, que sejam admitidos à negociação em bolsa ou mercado de balcão organizado no país ou em bolsa no exterior.
O PL 4173 também traz alguns aperfeiçoamentos em relação ao rol de ativos elegíveis, destacando-se as representações digitais (tokens) dos ativos elegíveis e fundos de ações no exterior na forma permitida pela regulamentação da CVM.
FIP e ETF-RV Entidade de Investimento: sem modificações neste aspecto, o PL 4173 mantém os FIP e ETF-RV não sujeitos ao Come-Cotas, desde que cumpram regras de composição de carteira previstas pela CVM e sejam classificados como entidades de investimento.
FIP, ETF-RV e FIDC não Entidade de Investimento: serão tributados pelo Come-Cotas. No caso específico dos fundos que detenham participações societárias, será excluída a variação de valor das participações em controladas e coligadas da base de cálculo do Come-Cotas, desde que efetuado o controle em subconta específica, de forma que a tributação periódica seja aplicada apenas sobre eventos de realização em relação a tais participações.
O PL 4173 aprimorou a redação original da MP 1184 ao esclarecer que, no caso de fundos que invistam em fundos classificados como “não entidade de investimento” que realizem o controle em subconta acima tratado, sejam eles FIP ou outros fundos (como os fundos multimercados), o fundo investidor poderá não incluir na base de cálculo do Come-Cotas a variação reflexa decorrente dos ajustes no valor da participação societária no fundo investido, desde que observado o controle em subconta reflexa.
Fundos de Fundos: em outro aperfeiçoamento importante, o PL 4173 esclarece que os fundos que investirem 95% do seu patrimônio líquido em FIP, ETF-RV, FIDC (estes três desde que classificados como entidade de investimento), FIA, FII, FIAGRO, FIP-IE, FIP-PD&I e fundos de debêntures incentivadas (FI-Infra) não se sujeitarão ao Come-Cotas (redação da MP 1184 trazia esse regramento apenas para FIP, ETF-RV e FIA).
Outros Fundos sujeitos à legislação específica: por outro lado, o rol de fundos regulados por leis específicas não revogadas pela nova medida foi mantido inalterado pelo PL 4173. Clique aqui para conferir o rol destes fundos.
Estoque: a versão aprovada do PL 4173 mantém a tributação dos rendimentos acumulados nas cotas dos fundos fechados (estoque acumulado até 31/12/23) à alíquota de 15% em maio de 2024 (com opção de parcelamento do valor apurado em até 24 parcelas mensais acrescidas de Selic).
Antecipação da Tributação do Estoque: o PL reduziu de 10% para 8% a alíquota aplicável ao cotista que optar por antecipar o recolhimento do Come-Cotas, alterando para o dia 30 de novembro a data de corte para os rendimentos sujeitos ao primeiro recolhimento. O valor do imposto poderá ser pago em quatro primeiras parcelas que vencem em 29/12/2023, 31/01/2024, 29/02/2024 e 29/03/2024. Por sua vez, a valorização de cotas entre 01/01/2023 e 31/12/2023 fica sujeita ao recolhimento em parcela única no mesmo prazo de vencimento do Come-Cotas de maio/2024.
INR: outro importante avanço incorporado no PL 4173 foi o esclarecimento de que o Come-Cotas não é aplicável aos os Investidores Não-Residentes, que investirem no país nos termos da regulamentação do CMN, exceto se forem residentes ou domiciliados em jurisdição de tributação favorecida, mantendo, com isso, o regime atualmente aplicável a tais investidores.
Reorganizações de fundos
A partir de janeiro/2024, as reorganizações por meio de cisão, fusão incorporação e transformação de fundos ficarão sujeitas ao IRRF à alíquota aplicável aos cotistas do fundo naquela data. Nesse ponto, o PL 4173 manteve o espírito da MP 1184, mas corrigiu distorções para eliminar a tributação no caso de reorganizações envolvendo fundos sujeitos ao mesmo regime de tributação desde que não haja alteração da titularidade das cotas e não se tenha a disponibilização dos ativos dos fundos aos cotistas.
Além disso, a versão aprovada permite expressamente reorganizações (cisão, fusão incorporação e transformação) de fundos fechados em 2023, sem gerar necessidade de recolhimento de imposto, desde que a alíquota aplicável ao fundo resultante da reorganização seja igual ou maior a que os cotistas estavam sujeitos antes da reorganização e o fundo não esteja sujeito ao Come-Cotas em maio e novembro de 2023.
FII/Fiagro: em relação aos FII e Fiagro, a versão aprovada altera o requisito de dispersão para aplicação da alíquota zero de IRRF nas distribuições pagas por tais fundos para pessoas físicas, aumentando de 50 para 100 a quantidade mínima de cotistas. O prazo para adequação dessa dispersão será até 30 de junho de 2024.
A Câmara dos Deputados reduziu para 100 a quantidade mínima de cotistas, que havia sido proposta originalmente em 500 cotistas pela MP 1184. Por outro lado, inovou ao prever requisito adicional para fruição desse benefício, determinando que não farão jus à isenção os cotistas pessoas físicas que, em conjunto com partes ligadas, detenham 30% ou mais da totalidade das cotas ou dos direitos ao recebimento de rendimentos auferidos pelo fundo, trazendo maior complexidade da operacionalização da regra e restringindo o benefício atualmente aplicável. Por fim, o PL 4173 mantém o requisito atual de dispersão segundo o qual o cotista pessoa física não pode, individualmente, deter mais de 10% das cotas ou dos rendimentos do fundo.
Tributação por Classe de Cotas: em linha com a Lei da Liberdade Econômica e regulado pela CVM por meio da Resolução 175, diferentes classes de cotas de um mesmo fundo, com direitos e obrigações distintos e patrimônio segregado, serão consideradas separadamente para fins de determinação do regime tributário, permitindo a aplicação de regimes tributários diferentes de acordo com o enquadramento da carteira da classe de cotas.
O PL 4173 ainda inovou positivamente em relação aos fundos com diferentes classes de cotas, alterando o Código Civil para determinar que as limitações de responsabilidade do investidor e dos prestadores de serviço do fundo previstas no artigo 1.368-D deve ser aplicada a cada classe de cota, individualmente considerada.
Usufruto: conforme previsto originalmente pela MP 1184, o PL 4173 dispõe que, no caso de cotas de fundos de investimento gravadas com usufruto, o tratamento tributável levará em consideração o beneficiário dos rendimentos, ainda que esse não seja o proprietário da cota.
Para mais informações sobre o tema, conheça as práticas de Tributário, Gestão Patrimonial, Família e Sucessões e Fundos de investimento e Asset management do Mattos Filho.