Tributação de ativos offshore: Medida Provisória nº 1.172/23 recoloca a discussão em foco
Parecer da Comissão Mista incorpora os dispositivos da MP nº 1.171/23 sobre o tema
As alterações sobre o regime da tributação da renda de pessoas físicas no Brasil em relação a ativos no exterior foram apresentadas inicialmente pelo Governo Federal com a Medida Provisória (MP) nº 1.171/23 (confira nossas principais considerações sobre a MP nº 1.171/23 aqui), cuja conversão em lei ainda não foi aprovada.
No entanto, o assunto tomou novos contornos em 8 de agosto de 2023, com a aprovação do parecer da Comissão Mista da MP nº 1.172/23, que incorporou ao texto legal justamente os dispositivos trazidos anteriormente pela MP nº 1.171/23.
Com isso, a MP nº 1.172/23, cujo texto original tratava apenas do aumento do salário-mínimo no Brasil, agora passa a tramitar na forma de projeto de lei de conversão (PLV) e inclui todos os temas atinentes à tributação de ativos offshore detidos por pessoa física.
Apesar da alusão expressa à MP nº 1.171/23, o novo texto da MP nº 1.172/23 traz algumas mudanças, que incorporam questões que vinham sendo debatidas pela sociedade no âmbito da MP nº 1.171/23, conforme demonstrado nos quadros comparativos abaixo.
Investimentos diretos por pessoas físicas no exterior
MP nº 1.171/23 | MP nº 1.172/23 | |
Disposições gerais sobre variação cambial | Regra geral – tributação de toda variação cambial (alíquotas progressivas até 22.5%) | Isenção para ganhos da variação cambial de depósitos em conta corrente não remunerada ou em cartão de débito ou crédito no exterior, desde que sejam mantidos em instituição financeira no exterior |
Ganho de variação cambial na alienação de moeda estrangeira em espécie é isento até US$ 5.000,00. Ganhos que excederem esse montante serão tributados (até 22,5%) | ||
Conceito de aplicações financeiras no exterior | Definição da MP 1.171 abarcava:
I – aplicações financeiras exemplificativamente, depósitos bancários, certificados de depósitos, cotas de fundos de investimento, com exceção daqueles tratados como entidades controladas no exterior, instrumentos financeiros, apólices de seguro, certificados de investimento ou operações de capitalização, depósitos em cartões de crédito, fundos de aposentadoria ou pensão, títulos de renda fixa e de renda variável, derivativos e participações societárias, com exceção daquelas tratadas como entidades controladas no exterior; e II – rendimentos – remuneração produzida pelas aplicações financeiras, incluindo, exemplificativamente, variação cambial da moeda estrangeira frente à moeda nacional, juros, prêmios, comissões, ágio, deságio, participações nos lucros, dividendos e ganhos em negociações no mercado secundário, incluindo ganhos na venda de ações das entidades não controladas em bolsa de valores no exterior |
MP 1.172 acrescenta ativos de cripto e carteiras digitais na definição, esclarece as espécies de apólices de seguros englobadas na regra e exclui os depósitos em cartões de crédito
I – aplicações financeiras no exterior – exemplificativamente, depósitos bancários remunerados, certificados de depósitos remunerados, criptoativos, carteiras digitais ou contas correntes com rendimentos, cotas de fundos de investimento, com exceção daqueles tratados como entidades controladas no exterior, instrumentos financeiros, apólices de seguro cujo principal e rendimentos sejam resgatáveis pelo segurado ou por seus beneficiários, certificados de investimento ou operações de capitalização, fundos de aposentadoria ou pensão, títulos de renda fixa e de renda variável, derivativos e participações societárias, com exceção daquelas tratadas como entidades controladas no exterior; e II – rendimentos – remuneração produzida pelas aplicações financeiras no exterior, incluindo, exemplificativamente, variação cambial da moeda estrangeira ou variação da criptomoeda frente à moeda nacional, rendimentos em depósitos em carteiras digitais ou contas correntes remuneradas, juros, prêmios, comissões, ágio, deságio, participações nos lucros, dividendos e ganhos em negociações no mercado secundário, incluindo ganhos na venda de ações das entidades não controladas em bolsa de valores no exterior |
Compensação de IR em aplicações financeiras no exterior | Sem previsão | Possibilidade de compensação de imposto pago no exterior, desde que (i) haja previsão em acordo ou convenção internacional com o país de origem dos rendimentos ou (ii) haja reciprocidade de tratamento em relação aos rendimentos produzidos no Brasil |
Investimento em entidades controladas no exterior
MP nº 1.171/23 | MP nº 1.172/23 | |
Conceito de entidades controladas no exterior | Definição abarcava sociedades e as demais entidades, personificadas ou não, incluindo fundos de investimento e fundações | Além de manter a definição da MP 1.171, a nova redação acrescenta que no caso das sociedades, fundos de investimento e demais entidades no exterior com classes de cotas ou ações com patrimônios segregados, cada classe será considerada como uma entidade separada |
Limite de renda passiva | Limite máximo de renda passiva era de 20% (renda ativa própria mínima de 80%) | Limite é aumentado para 40% (renda ativa própria mínima de 60%) |
Conceito de renda ativa | Sem previsão | Exclusão da definição de renda passiva dos juros de instituições financeiras autorizadas a funcionar no exterior; das rendas oriundas de participações em empresas operacionais; e da renda imobiliária, se a empresa tiver, como atividade principal, atuação comercial com construção ou incorporação imobiliária no exterior |
Critério contábil entidades controladas no exterior | Sem previsão | A apuração do lucro da entidade controlada no exterior deverá seguir os padrões contábeis e a legislação comercial brasileira |
Na MP 1.171 não havia previsão em relação à dedução dos lucros de controladas indiretas | Possibilidade de dedução dos lucros das entidades controladas no Brasil, inclusive das indiretas, para fins de apuração do IR, desde que tributados pelo IRPF por alíquota igual ou maior que 22,5% | |
Entidades controladas no exterior / Devolução de capital | Sem previsão | Inclusão de esclarecimento sobre as regras de apuração do ganho de capital na devolução de capital ao Brasil:
O ganho de capital corresponderá à diferença positiva entre o valor percebido em reais e o custo de aquisição médio por quota ou ação alienada, baixada ou liquidada, em reais. Caso não haja cancelamento de quota ou ação na devolução do capital, o custo de aquisição médio deverá ser calculado levando em consideração a proporção que o valor da devolução de capital representar do capital total aplicado na entidade |
Trusts
MP nº 1.171/23 | MP nº 1.172/23 | |
Trust Irrevogável | Previsão de que o patrimônio do instituidor do trust só era considerado transmitido (como doação ou transmissão causa mortis) ao beneficiário no momento da distribuição dos bens ou do falecimento do instituidor | O bem poderá ser considerado transferido (como doação ou transmissão causa mortis) do instituidor ao beneficiário no momento da transferência do patrimônio ao trust, nos casos de estruturas irrevogáveis em que o instituidor não seja beneficiário |
Deveres do trustee | Sem previsão | Trustee deverá disponibilizar ao instituidor ou aos beneficiários, conforme aplicável, os recursos financeiros e as informações necessárias para viabilizar o pagamento do imposto e o cumprimento das demais obrigações tributárias no Brasil |
Estruturas fiduciárias análogas | Sem previsão | Inclusão de previsão para aplicação das mesmas regras dos Trusts a outros contratos similares |
Atualização do valor de ativos
MP nº 1.171/23 | MP nº 1.172/23 | |
Ativos passíveis de atualização | Aplicações financeiras, bens imóveis em geral, veículos, aeronaves, embarcações e bens móveis sujeitos a registro em geral e participações em entidades controladas | Inclusão dos depósitos em contas correntes e cartões de débito e crédito, não remunerados, dentre os ativos passíveis de atualização |
Taxa de câmbio para primeira atualização dos ativos | Utilização da taxa de câmbio de 31 de dezembro de 2022 | Utilização da taxa de câmbio de 30 de junho de 2023 |
Variação cambial na atualização dos ativos | Ganho de variação cambial na atualização de ativos adquiridos em moeda estrangeira seria tributado | Ganho de variação cambial de ativos adquiridos originalmente em moeda estrangeira são isentos |
Revogações
MP nº 1.171/23 | MP nº 1.172/23 | |
Eficácia das revogações | Revogação imediata da isenção no que se refere à tributação de variações cambiais e da isenção de imposto na venda de bens no exterior, adquiridos por residentes no Brasil na condição de não-residentes | Manutenção das revogações, porém com previsão de eficácia somente a partir de 1 de janeiro de 2024 |
Por fim, vale lembrar que o PLV ainda deverá ser encaminhado para análise da Câmara dos Deputados, tendo em vista as inclusões substanciais feitas no texto original da MP 1.172. Posteriormente, o texto será apreciado pelo Senado Federal e então seguirá para sanção presidencial. Nenhuma das novas alterações está atualmente em vigor.
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