Cade lança Guia de Dosimetria de Multas de Cartel
Guia proporciona maior visibilidade e clareza sobre os parâmetros de cálculo de multas
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) publicou, em 27 de setembro de 2023, seu mais novo Guia de Dosimetria de Multas de Cartel (Guia). Elaborado a partir da análise das multas aplicadas pelo Cade em casos de cartéis de janeiro de 2012 a dezembro de 2022, o documento tem como objetivo dar maior transparência às ações e decisões da autarquia. O Guia não tem caráter vinculante e não altera as leis e regulamentações do Cade sobre o tema, mas descreve a metodologia utilizada pelo Tribunal do Cade para condenações por cartel.
A base de cálculo da multa para empresas é o faturamento bruto registrado pela empresa, grupo ou conglomerado no ramo de atividade no Brasil no ano anterior à instauração do processo administrativo. A Resolução Cade 3/2012 contém uma lista de 144 ramos de atividades. O Guia sugere, em geral, o uso do faturamento da empresa, e, excepcionalmente, o faturamento do grupo ou conglomerado.
Em uma análise caso a caso, o ramo de atividade da lista da Resolução Cade 3/2012 pode ser adaptado quando for manifestamente desproporcional. O Guia apresenta exemplos dessa flexibilização do ramo de atividade, como a utilização de um sub-ramo ou do mercado relevante do produto afetado, ou mesmo o ajuste para abranger apenas alguns territórios.
Conforme previsto em lei, o ano do faturamento comumente utilizado para fins de base de cálculo é o anterior à instauração do processo administrativo. Contudo, o Guia dispõe que esse valor poderá ser adaptado caso não seja adequado ao cálculo da multa ou não seja possível obter esse dado de faturamento. Algumas alternativas apresentadas no Guia para esses casos incluem a utilização do faturamento no último ano da conduta; no ano da licitação, para casos de cartéis em licitação; no ramo de atividade ou no mercado afetado, nos últimos 12 meses da conduta; ou a média dos faturamentos no ramo de atividade ou no mercado afetado durante o período da conduta.
O Guia também aborda casos de cartéis internacionais em que as empresas não possuem faturamento no Brasil. Uma das sugestões para essa situação é a utilização do “faturamento virtual”, ou seja, uma estimativa de faturamento a partir do percentual de participação do mercado brasileiro no volume total do mercado mundial em que a empresa atua. Como alternativa, o Guia também sugere a utilização de estimativas de vendas indiretas das empresas no mercado nacional ou no mercado afetado, a partir de dados de volume, preço médio ou importação/exportação.
Uma vez estabelecido, o valor do faturamento a ser utilizado deve ser atualizado com base na SELIC, prática comum no Cade que foi referendada pelo Guia.
O próximo passo para cálculo da multa é a definição da alíquota. Nesse sentido, o Guia recomenda a adoção de alíquota de referência de 17% (mínima de 14%) para cartéis em licitação; alíquota de referência de 15% (mínima de 12%) para cartéis hardcore clássicos; e alíquota de referência de 8% (mínima de 5%) para cartéis difusos e outras formas de conduta concertada. As alíquotas mencionadas pelo Guia estão sujeitas a ajustes com base na duração da conduta, sendo sugerido que representados com participação mais duradoura recebam penalidades mais graves do que representados que participaram de forma lateral ou esporádica.
As alíquotas de referência adotadas também devem considerar os agravantes e atenuantes. Um dos fatores agravantes mencionados pelo Guia, observado em decisões do Cade, é gravidade da infração, mensurada, por exemplo, pela liderança exercida na conduta. Pessoas jurídicas podem ser enquadradas como quando, por exemplo, desempenham funções significativas na conduta colusiva como agendamento de reuniões e preparação de documentos orientando sobre a conduta. No caso das pessoas físicas, já foram considerados líderes pelo Cade indivíduos que eram sócios, administradores ou detinham outros cargos relevantes nas empresas ou que exerciam protagonismo nas tratativas da conduta.
Outras atenuantes e agravantes trazidas no Guia são boa-fé do infrator; vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; consumação da infração; grau de lesão, ou perigo de lesão, à livre concorrência, à economia nacional, aos consumidores, ou a terceiros; efeitos negativos no mercado; situação econômica do infrator, podendo ser usada como atenuante no caso de o representado conseguir provar que se encontra em dificuldades econômicas (em recuperação judicial e falência, por exemplo); e reincidência (nesse caso, a multa imposta será cobrada em dobro).
Definidas a base de cálculo e alíquota de referência, com seus agravantes e atenuantes, a próxima etapa é verificar se a multa calculada está dentro dos limites legais, conforme o art. 37 da Lei de Defesa da Concorrência.
O Guia também retoma os precedentes do Cade sobre cartéis praticados na vigência da Lei 8.884/1994. Nesses casos, deve ser aplicada a lei mais benéfica ao representado. Comumente, os parâmetros estabelecidos na Lei de Defesa da Concorrência para condenação são mais benéficos para empresas e pessoas físicas administradoras, ao passo que a Lei 8.884/1994 é mais benéfica para a condenação de entidades jurídicas que não exerçam atividade empresarial e para pessoas físicas não administradoras. Apesar de essa ser a praxe, é possível que representados que pleitearem e comprovarem que uma ou outra lei é mais benéfica, a tenham aplicada ao seu caso.
O Guia também reitera a importância de sopesar os efeitos das sanções não pecuniárias previstas na Lei de Defesa da Concorrência, para que não gerem mais efeitos negativos do que positivos.
Embora o Guia não tenha caráter vinculante e os precedentes do Cade estejam em constante evolução, sua publicação representa um passo importante para fornecer visibilidade sobre os passos geralmente adotados pelo Tribunal do Cade no cálculo de multas por cartéis, além de apresentar um panorama de decisões recentes, o que traz maior transparência e clareza. No entanto, a experiência demonstra que as particularidades e detalhes de cada caso concreto podem ter um impacto significativo na sanção final específica aplicável a cada situação.
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