

Cade publica minuta de Guia de Análise de Atos de Concentração Não Horizontais
O guia busca trazer clareza sobre critérios de análise aplicáveis a operações não horizontais
A minuta preliminar do Guia de Análise de Atos de Concentração Não Horizontais (Guia V+), lançada em julho de 2023, esteve sob consulta pública até o dia 18 de setembro de 2023. O guia visa sistematizar a prática decisória do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em atos de concentração não horizontais, fundamentando-se nas previsões legais vigentes e como intuito de trazer mais transparência aos critérios de análise técnica de tais operações.
A iniciativa do Cade é bem-vinda e está em linha com a de outras autoridades antitrustes. As autoridades concorrenciais dos Estados Unidos (Federal Trade Commission – FTC e Departament of Justice – DOJ) também publicaram, em julho de 2023, minuta da versão atualizada do guia de concentrações norte-americano, que incluem diretrizes específicas sobre esse tipo de operação. A autoridade concorrencial do Reino Unido (Competition & Market Authority) também atualizou o seu guia de concentrações em 2021. Já a Comissão Europeia publicou uma nova resolução sobre acordos verticais (um tipo de operação não horizontal) e práticas concertadas em maio de 2022.
As operações não horizontais são aquelas em que as partes atuam em níveis distintos da cadeia produtiva (integrações verticais), ou em que as partes têm atividades complementares . Justamente por envolverem múltiplos mercados e a interface entre eles, as análises de operações não horizontais tendem a ser mais complexas. Isso não significa, porém, que toda operação não horizontal demandará um escrutínio maior da autoridade antitruste.
A minuta do Guia V+ prevê as hipóteses elegíveis à análise simplificada de ato de concentração (rito sumário). A primeira delas, já prevista em resolução, é a participação de mercado das requerentes de até 30% nos mercados relevantes afetados pela operação. A minuta do Guia V+ destaca ainda a recomendação de rito sumário para as situações em que as partes já fornecem e adquirem o insumo de forma totalmente cativa e, pelo menos, uma das partes já é verticalizada pré-operação, e o aumento da participação de mercado seja pouco significativo.
No entanto, a minuta do Guia V+ ressalva que preocupações concorrenciais podem existir mesmo diante de tais cenários. Esse posicionamento está em linha com decisões passadas do Cade. Em 2020, no caso envolvendo Nike e Centauro (Ato de Concentração nº 08700.000627/2020-37), a Superintendência-Geral e o Tribunal do Cade concluíram que, apesar das participações das partes não ultrapassarem 30%, uma análise mais profunda era necessária devido a fatores como a relevância e o diferencial da marca Nike.
Esse aprofundamento da análise para identificar o potencial lesivo à concorrência requer entender se as partes têm capacidade de exercer poder de mercado, se existem incentivos para que o poder de mercado seja exercido e se há risco de efeitos anticompetitivos como resultado de tal prática. Esse último ponto é de suma importância e tem sido tema de debates.
Em linha com o posicionamento do FTC no caso Microsoft/Activision, a minuta preliminar do guia norte-americano traz uma postura mais agressiva de não reconhecer que é necessário comprovar que uma operação tem o efeito de substancialmente diminuir a concorrência. A minuta do Guia V+, por outro lado, inclui a identificação de efeitos anticompetitivos como uma etapa do processo de análise do Cade.
Dentre os efeitos anticompetitivos de operações não horizontais, destaca-se o fechamento de mercado de insumos ou de clientes. O fechamento de mercado de insumos implica dificultar ou restringir o acesso dos concorrentes a insumos relevantes para o processo produtivo. Já o fechamento de mercado de clientes se refere à restrição do acesso dos concorrentes a uma base de clientes suficiente. Nestes casos, uma das principais análises a ser feita é a ponderação entre os custos associados à perda de vendas ou à dificuldade ou impossibilidade de aquisição de insumos de concorrentes, e eventuais ganhos possibilitados pela operação.
Operações não horizontais também podem resultar na facilitação de coordenação entre agentes de mercado. A existência de efeitos coordenados abordada pela minuta do Guia V+ foi utilizada pelo Cade para justificar a reprovação de uma operação entre JBJ e JBS em 2017 (Ato de Concentração nº 08700.007553/2016-83). No entendimento do Cade, a relação de parentesco entre os controladores das partes, bem como a indicação do dono da JBJ para assumir a presidência da JBS na ausência dos controladores, evidenciaram uma potencial atuação coordenada entre as partes pós-operação.
Ainda que os efeitos anticompetitivos de uma operação sejam comprovados, tais efeitos devem ser contrabalanceados com as eficiências geradas. A minuta do Guia V+, ainda que de forma sucinta, acertadamente reconhece que operações verticais também podem ser pró-competitivas, resultando em melhorias nos processos de produção e/ou de distribuição, redução dos custos de transação ou eliminação da dupla marginalização, por exemplo. Dito isso, na visão do Cade é possível que a eliminação da dupla marginalização não seja alcançada ou não seja específica da operação. A existência de ressalvas com relação a esse ponto não é surpreendente, visto que o FTC e o DOJ tomaram uma posição ainda mais radical de suprimir esta eficiência da minuta do guia norte-americano.
O Guia V+ não possuirá caráter normativo e vinculativo. Após analisar os comentários recebidos, o Cade publicará a versão final do Guia V+, que deverá ter um texto muito próximo ao da minuta preliminar.
Para mais informações sobre o tema, conheça a prática de Direito concorrencial do Mattos Filho.