Atos de concentração: tendências na análise feita pelo Cade
Destaque para maior escrutínio de parcerias entre concorrentes
O Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tem manifestado preocupação em relação a algumas parcerias de longo prazo, tais como joint ventures e contratos associativos, entre empresas concorrentes. Isso exige maior atenção e planejamento por parte das empresas, que devem ter claro o racional e as justificativas para esse tipo de projeto, em especial aqueles que exijam prazos de duração mais alongados. Três casos julgados recentemente pelo Tribunal do Cade merecem destaque.
Em agosto de 2023, o Tribunal do Cade aprovou, com restrições, os consórcios entre Ultragaz, Bahiana Distribuidora, Supergasbras e Minasgás (Ato de Concentração nº 08700.004940/2022-14), para o compartilhamento de estruturas operacionais de produção, armazenamento, envase e carregamento de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP). Os contratos haviam sido originalmente contratados pelo prazo de 35 anos, renováveis por igual período. O Tribunal concluiu que a operação teria o potencial de reduzir a capacidade e os incentivos dos grupos envolvidos para continuar concorrendo entre si, o que seria agravado pela longa duração do projeto. Por maioria, o Tribunal determinou a redução do prazo contratual para 13 anos e condicionou a renovação por igual período a uma nova aprovação pelo Cade, nos termos do Acordo em Controle de Concentrações (ACC) negociado com as empresas.
Já em setembro de 2023, o Tribunal do Cade aprovou sem restrições um conjunto de contratos de compartilhamento recíproco de elementos de infraestrutura de telecomunicações entre a Telefônica Brasil e a Winity Telecom, investida do Pátria Investimentos que se sagrou vitoriosa em um dos lotes do Leilão do 5G em 2021 (Ato de Concentração n° 08700.008322/2022-35). Um dos Conselheiros votou pela aprovação da operação condicionada à redução do prazo de vigência dos contratos para cinco anos, mas a maioria do Tribunal acabou decidindo pela aprovação sem restrições, concluindo que o prazo de 20 anos originalmente contratado era justificado pelas características do projeto.
Outro caso decidido em setembro de 2023, e que envolveu discussão similar, foi a prorrogação da joint venture entre SBT, Record e RedeTV com o objetivo de negociar conjuntamente a distribuição e exibição do seu conteúdo para operadoras de TV por assinatura (Ato de Concentração nº 08700.009574/2022-81). Quando foi criada em 2016, o Tribunal do Cade concluiu que a joint venture seria capaz de elevar os preços cobrados pelas emissoras e, por isso, não poderia ter um prazo indeterminado. Naquela oportunidade, o Cade determinou que a operação teria que ser notificada novamente à autoridade após seis anos de vigência (Ato de Concentração nº 08700.006723/2015-21). Ao resubmeterem a joint venture para análise do Cade, as redes de televisão pediram a sua prorrogação por prazo indeterminado, o que foi novamente negado pelo Tribunal. Em ACC negociado com as empresas, o Cade determinou um novo prazo de 14 anos para nova renotificação e explicou que o prazo mais extenso foi admitido por conta da ausência de provas de que a joint venture tenha causado efeitos anticompetitivos até agora.
As discussões e intervenções do Tribunal do Cade sinalizam a importância de as empresas interessadas em estruturar parcerias de longo prazo com concorrentes terem condições de explicar claramente o racional e justificar o prazo do arranjo contratual.
Cade aprova a compra da Garoto pela Nestlé após mais de 20 anos
Outro destaque do trimestre foi o julgamento definitivo pelo Cade da compra da Chocolates Garoto pela Nestlé. As companhias fecharam o negócio em 2002, mas a operação foi reprovada pelo Cade dois anos depois (Ato de Concentração nº 08012.001697/2002-69). À época, a análise de atos de concentração pelo Cade ainda poderia ocorrer depois do fechamento. A Nestlé buscou o Judiciário para reverter a decisão do Cade e, desde 2004, as partes vinham travando uma disputa judicial e buscando soluções para resolver o assunto.
Em junho de 2023, o Tribunal do Cade aceitou proposta de acordo apresentada pela Nestlé e aprovou a operação, após a Superintendência-Geral ter analisado a reconfiguração do mercado de chocolates nos últimos 20 anos. Em linhas gerais, o ACC (i) impede, por cinco anos, que a Nestlé adquira ativos no mercado de chocolates brasileiro com participação de 5% ou mais; e (ii) determina a notificação pela Nestlé de quaisquer operações no mercado de chocolates nos próximos sete anos, independentemente do atingimento dos critérios legais; além de prever outros compromissos comportamentais.
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