TCU deixa de aplicar sanção de inidoneidade em função de alienação do controle societário
O Tribunal deixou de aplicar a pena a uma empresa que tinha passado por mudança prévia de controlador antes do início das investigações
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Recentemente, foi publicado o Acórdão 1257/2023 – Plenário que já é considerado, pela própria Corte, como o principal precedente para a responsabilização administrativa de empresas. No acórdão, o Tribunal de Contas da União (TCU), divergindo do parecer da unidade técnica, entendeu que a alteração do controle societário de pessoa jurídica investigada, ocorrida antes da instauração do processo sancionador pelo TCU, impediria que ela sofresse a sanção de inidoneidade, prevista no art. 46 da Lei Orgânica do TCU (Lei 8.443/1992).
A declaração de inidoneidade é considerada a sanção administrativa mais gravosa do ordenamento jurídico brasileiro por impedir que as empresas participem de licitações ou celebrem contratos administrativos com entes públicos federais, municipais e estaduais. Não bastasse a abrangência, a sanção poderia perdurar por até cinco anos.
O entendimento do TCU pela não aplicação da sanção levou em consideração que “a finalidade última da pena prevista no art. 46 da Lei Orgânica do TCU é evitar que o Poder Público continue contratando com empresas controladas por pessoas que não reúnam o requisito moral necessário”. Ao analisar o caso concreto, o TCU entendeu que a alteração do controle societário mediante a aquisição de 100% do capital social “produziu uma solução de mercado para o problema”, pois permitiu o alcance do objetivo principal da sanção, que seria não mais contratar com empresas sem a qualificação necessária.
Na prática, como os gestores que levaram a empresa a cometer os supostos ilícitos não mais integravam os quadros da sociedade, a aplicação da pena seria indevida, “a despeito de estarem confirmadas as irregularidades imputadas à empresa, já que a sanção repercutiria exclusivamente sobre o novo acionista, o qual não participou dos fatos ilícitos imputados à sociedade antes de sua aquisição”.
Por fim, a Corte entendeu que esse encaminhamento prestigiaria a segurança jurídica em transações dessa natureza e resguardaria os direitos de terceiros de boa-fé, notadamente aqueles do novo acionista controlador. Com isso, privilegiaria a obrigação legal de os órgãos de controle e fiscalização considerarem as consequências práticas de suas decisões (art. 20 do Decreto-Lei 4.657/1942, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb).
Impactos na análise de casos futuros
O caso é bastante relevante não apenas em função de seu desfecho, mas, sobretudo, porque permite delinear alguns critérios que levaram o TCU a adotar esse entendimento, os quais tendem a pautar a análise do órgão em casos futuros.
O primeiro deles, naturalmente, é que haja a completa alteração do controle, mediante a saída de todos os acionistas que, no exercício do poder, tenham tido algum tipo de participação na prática da irregularidade em questão.
Além disso, outros dois pontos foram essenciais na análise do TCU acerca da comprovação da boa-fé no caso concreto:
- A completa alteração do controle previamente à abertura do processo sancionador, de modo que a empresa não era sequer formalmente “investigada” e muito menos “acusada” quando a transação ocorreu;
- O fato de a transação ter sido precedida de medidas preventivas visando a detecção de eventuais irregularidades e suas possíveis consequências, como a realização de auditoria prévia (due diligence).
Considerando a influência que o TCU tem exercido em temas de direito administrativo sancionador, o precedente tende a repercutir na esfera administrativa e judicial.
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