Relações de consumo e STJ: principais temas julgados no primeiro semestre de 2023
Dentre os destaques estão notificações ao consumidor, responsabilidades ao autorizar compras que diferem do perfil do consumidor, entre outros assuntos
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfrentou, no primeiro semestre de 2023, temas de relevância para o direito das relações de consumo. Confira os acórdãos de destaque:
Competência da Justiça Estadual para processar e julgar ações de superendividamento
Ao julgar o Conflito de Competência nº 193.066/DF, em março de 2023, a Segunda Turma do STJ consolidou o entendimento de que a Justiça Estadual é competente para julgar demandas oriundas de repactuação de dívidas decorrentes de superendividamento previstas nos artigos 104-A a 104-C do Código de Defesa do Consumidor (CDC), ainda que uma das partes do processo seja um ente público federal.
Constou no acórdão que “o procedimento judicial relacionado ao superendividamento (…) possui inegável e nítida natureza concursal, de modo que as empresas públicas federais, excepcionalmente, sujeitam-se à competência da Justiça estadual e/ou distrital, justamente em razão (…) da existência de concursalidade entre credores”. A Corte também ressaltou que o desmembramento do processo representa prejuízo ao consumidor, já que, conforme o artigo 104-A do CDC, todos os credores devem participar simultaneamente do procedimento, incluindo a audiência conciliatória.
Notificação ao consumidor sobre a inscrição em serviços de proteção ao crédito deve ser prévia e enviada ao endereço
A Terceira Turma do STJ, sob relatoria da ministra Nancy Andrighi, julgou, em abril de 2023, o Recurso Especial nº 2.056.285/RS, que determinou que a prévia notificação do consumidor para cadastro nos serviços de proteção ao crédito não pode ser realizada por e-mail ou mensagem de texto ao celular (SMS), sendo necessário o envio de correspondência ao seu endereço, a partir da interpretação do artigo 43, §2º do CDC.
Segundo a ministra relatora, “não se pode ignorar que o consumidor, parte vulnerável da relação, em muitas hipóteses, não possui endereço eletrônico (e-mail) ou, quando o possui, não tem acesso facilitado a computadores, celulares ou outros dispositivos que permitam acessá-lo constantemente e sem maiores dificuldades, ressaltando-se a sua vulnerabilidade técnica, informacional e socioeconômica.”
A ministra relatora reafirmou o dever do órgão responsável pelo cadastro de notificar o consumidor previamente à inscrição – e não apenas de que a inscrição foi realizada –, conferindo prazo para que ele tenha a chance de pagar a dívida e impedir a negativação, ou de adotar medidas extrajudiciais ou judiciais para se opor à negativação quando esta se revelar ilegal.
Afastamento de responsabilidade do fornecedor em casos de reação adversa previsível por uso de medicamento
Em abril 2023, a Quarta Turma julgou o Recurso Especial nº 1.402.929/DF, reafirmando entendimento já consolidado sobre ser indevida a reparação civil ao consumidor no caso de reação adversa causada pela ingestão de medicamento, se o fornecedor houver cumprido o dever de informação na bula.
A relatora, ministra Maria Isabel Gallotti, esclareceu que a existência de reação adversa, por si só, não atrai o dever de indenizar o consumidor. Para que haja a responsabilização do fornecedor nos termos do artigo 8° do CDC, é necessária a comprovação do defeito do produto, ou a ausência de informação adequada sobre a periculosidade do medicamento.
Instituição financeira deve ser responsabilizada ao autorizar compras que diferem do perfil do consumidor
A Quarta Turma julgou, em maio de 2023, o Agravo Interno em Recurso Especial nº 1728279/SP, em que consolidou o entendimento de que a instituição financeira pode ser responsabilizada civilmente quando não impede a realização de transações em estabelecimentos comerciais suspeitos e que diferem dos valores normalmente dispendidos pelo consumidor.
Segundo o ministro relator Raul Araújo, “não se pode olvidar que a vulnerabilidade do sistema bancário, que admite operações totalmente atípicas em relação ao padrão de consumo dos consumidores, viola o dever de segurança que cabe às instituições financeiras e, por conseguinte, cristaliza a falha na prestação de serviço”, conforme artigo 14, §3º do CDC.
Para saber mais sobre assuntos relacionados ao direito das relações de consumo, conheça a prática de Contencioso e Arbitragem do Mattos Filho.
*Com a colaboração de Maria Eduarda Lacerda Ribeiro