Nova lei estimula a reciclagem de embarcações e ativos marítimos descomissionados no RJ
Legislação fluminense visa a integrar e impulsionar arranjos produtivos de reciclagem marítima
A Lei Estadual nº 10.028/2023, publicada em 29 de maio de 2023, dispõe sobre atividades relacionadas ao desmantelamento de embarcações e ativos marítimos offshore que incluem navios, plataformas, instalações marítimas e equipamentos de apoio, como sistemas submarinos.
A lei é aplicável a todas as pessoas físicas e jurídicas, direta ou indiretamente responsáveis pelo desmantelamento de estruturas marítimas, e pela gestão integrada e gerenciamento de tal atividade, passível de regulamentação por parte do Poder Executivo Estadual.
A nível federal, atualmente tramita, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 1.584/2021 que dispõe sobre a reciclagem de embarcações no país e estabelece diretrizes para a gestão e gerenciamento da atividade. Sobre o tema, o conteúdo publicado no Único, preparado pela prática de Marítimo e Portuário do Mattos Filho, detalhou os pontos do projeto que está em tramitação na Comissão de Viação e Transportes e, também, aguarda aprovação de parecer nessa comissão para seguir para a Comissão de Constituição e Justiça.
Entre os pontos de potencial conflito entre o PL 1.584/2021 e a Lei Estadual nº 10.028/2023 está a instituição, pela normativa federal, de uma lista taxativa de estaleiros autorizados a realizar reciclagem de embarcações e que devem comprovar atendimento a diretrizes da Organização Marítima Internacional (OMI), da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e de Convenções Internacionais sobre o tema, previsão que não encontra par na lei estadual fluminense. Além de tal discrepância, o projeto de lei federal:
- Prevê a elaboração de inventário de materiais perigosos por embarcações novas;
- Dispõe sobre obrigações de preparo da embarcação para a reciclagem;
- Prevê regulamentação da autoridade marítima para exigência de seguro de risco para casos específicos.
Reciclagem e instalações de reciclagem de embarcações
Define-se como reciclagem o desmantelamento total ou parcial de embarcações e ativos marítimos, com vistas à recuperação de componentes para reprocessamento e reutilização. O conceito ainda inclui o armazenamento e tratamento dos materiais perigosos e demais resíduos envolvidos no desmantelamento, mas não a sua destinação final.
A reciclagem é feita em Instalações de Reciclagem de Embarcações (IREs), devidamente licenciadas para tanto. Dentre as diretrizes estabelecidas pela nova lei está a preferência para instalações localizadas na Plataforma Continental afeta ao Rio de Janeiro, de IREs no Estado do Rio de Janeiro, frente àquelas em outros estados ou países. Tal preferência poderá ser afastada caso o empreendedor comprove que as IREs fluminenses não ofertem condições equivalentes às de demais instalações de reciclagem.
O artigo 7° da normativa e seus parágrafos, por sua vez, estabelecem obrigações para os proprietários dos ativos a serem recicladas, como a elaboração do “Plano Específico de Reciclagem da Embarcação”, no qual devem constar as etapas de gestão, planejamento e destinação final dos componentes da reciclagem, incluindo, quando for o caso, detalhamentos dos processos de gestão de bioincrustação e resíduos nocivos, desde que tais atividades não sejam um óbice à reciclagem. A normativa proíbe, ainda, o encalhamento deliberado (beaching) para reciclagem, sujeitando o responsável a multa e a penalidades civis, administrativas e criminais.
Indústria de reciclagem marítima na Economia do Mar
Entre os objetivos da nova legislação está a inserção da atividade de desmantelamento e reciclagem de estruturas marítimas no regime de estímulo às atividades relacionadas direta ou indiretamente com o mar (Economia do Mar), conforme a Lei Estadual n° 9.466/2021.
De acordo com a norma, o Executivo e o Legislativo estaduais devem elaborar um plano estratégico para canalizar a economia marítima no auxílio ao desenvolvimento econômico e social do Rio de Janeiro. Entre os instrumentos de estímulo ao setor previstos na referida normativa estão o fortalecimento de arranjos científicos e tecnológicos no Estado que sirvam de apoio à Economia do Mar, bem como a promoção de incentivos tributários a agentes do setor – este último dependente da celebração de convênio com o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), do Ministério da Fazenda.
Até o momento, contudo, não foram concedidos incentivos fiscais a agentes econômicos com base em plano estratégico de fomento à Economia do Mar, tampouco é a novel legislação clara em relação a demais incentivos econômicos específicos ou concretos.
Desburocratização do licenciamento ambiental de estaleiros
A nova lei também facilita o licenciamento ambiental das IREs, determinando, em seu art. 6°, parágrafo 1º, que os estaleiros que possuam licenças ambientais para a construção, reparação e manutenção de embarcações poderão requerer o averbamento das mesmas para incluir a atividade de desmantelamento. Para tanto, além de requerer a averbação da Licença de Operação (LO) ao órgão ambiental que a emitiu, os estaleiros devem elaborar um Plano de Instalação para a Reciclagem de Embarcações que estabeleça condições físicas e operacionais da atividade. Os empreendedores também deverão adotar políticas de gestão de responsabilidade e sustentabilidade socioambiental e atender aos requisitos da ISO 9002, da ISO 14000 e da NR 34.
De acordo com a Lei Estadual nº 10.028/2023, as operações destinadas à reciclagem de embarcações devem ser realizadas em condições apropriadas, estando a embarcação a ser desmantelada atracada em cais, colocada em dique seco ou flutuante, transportada por balsa, rebocada ou por máquinas próprias.
Assim, o licenciamento das atividades de reciclagem onshore de embarcações, em princípio, será de competência do órgão ambiental estadual, uma vez que a atividade não está prevista nas tipologias de empreendimentos e atividades cujo licenciamento será da União, conforme a Lei Complementar n° 140/2011 e o Decreto Federal n° 8.437/2015.
O licenciamento poderia, em tese, ser municipal desde que a legislação estabelecesse que a atividade fosse classificada como de impacto local. Neste ponto, de acordo com a legislação do Estado do Rio de Janeiro (Resolução CONEMA n° 92/2021), a reciclagem de embarcações não é listada como atividade de impacto local, o que reforça a competência estadual.
As instalações licenciadas para reparação e manutenção de embarcações poderão ter, para fins de enquadramento, o licenciamento estendido à atividade de reciclagem de embarcações, desde que cumpridos critérios e certificações exigidos pelo órgão ambiental.
Embarcações abandonadas em área de fundeio
Por fim, a lei estabelece que as embarcações identificadas como abandonadas em área de fundeio, quando afundadas, submersas, encalhadas ou perdidas, constituindo perigo, ameaça ou obstáculo à navegação ou ao meio ambiente, deverão ter o acionamento do representante da autoridade marítima ou da autoridade portuária para que sejam tomadas as medidas cabíveis.
Entre as consequências, deve-se registrar o cancelamento do registro para perdimento das embarcações, na forma da NORMAM 1. Cumpre rememorar que as preocupações com segurança marítima no estado, com a remoção de embarcações abandonadas na Baía de Guanabara, ganharam novo fôlego desde a colisão de um navio abandonado com a Ponte Rio Niterói, em novembro de 2022.
Vetos do governador a demais provisões
O projeto de Lei nº 6.513/2022, de que adveio a Lei Estadual nº 10.028/2023, também pretendia criar um Fundo de Emergência para Remoção de Ativos Marítimos (Feramar), que tinha como receitas, entre outras, 30% do Fundo Soberano do Estado do Rio de Janeiro. O projeto de lei também previa, originalmente, tratamento tributário especial de ICMS às empresas engajadas com a reciclagem das estruturas marítimas. No entanto, os artigos relativos a tais temas foram vetados pelo governador por incompatibilidade com os ordenamentos jurídicos estadual e federal.
A legislação estadual busca conferir segurança jurídica e incentivar a instalação desse tipo de empreendimento no estado do Rio de Janeiro no contexto da Economia do Mar. Apesar disso, deve-se mencionar que a previsão de preferência para estaleiros fluminenses que operem em condições similares aos de outros estados pode vir a ser questionada quanto à sua constitucionalidade, notadamente à luz do princípio da livre concorrência inscrito na Constituição da República.
Para mais informações, conheça a prática de Marítimo e Portuário e Direito ambiental e Mudanças climáticas do Mattos Filho.
* Com a colaboração de Bernardo Andreiuolo Tagliabue.