Ibama publica regulamentação para processo de apuração de infrações ambientais
A norma estabelece regime de transição para as audiências de conciliação, altera a estrutura dos órgãos julgadores, dispõe sobre prazos prescricionais e trata da destinação de animais silvestres
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) publicou, em 7 de junho de 2023, a Instrução Normativa nº 19/2023 (IN 19/2023), que regulamenta o processo administrativo para apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
A IN 19/2023 prevê expressamente que sua aplicação se dará apenas de forma prospectiva, devendo ser respeitados os atos processuais consumados e as situações jurídicas consolidadas. A norma demonstra, no geral, uma intenção do Ibama em deixar as regras dos processos administrativos mais claros, com o objetivo de trazer celeridade e eficiência na apuração das infrações.
Extinção das audiências de conciliação
Uma das alterações adotadas pela IN 19/2023, como consequência da edição do Decreto Federal nº 11.373/2023, foi a extinção das audiências de conciliação, que haviam sido introduzidas no Ibama pelo Decreto Federal nº 9.760/2019 e pela IN 02/2020.
Na época da criação das audiências de conciliação ambiental, o objetivo era proporcionar um diálogo entre órgão ambiental e o autuado, na busca de uma solução consensual dos processos administrativos ambientais. No entanto, na prática, o resultado foi muito distinto. Fatores como o déficit pessoal no Ibama para realização de todas as audiências, demora para o agendamento, e impossibilidade de concessões para além do que estava previsto no próprio Decreto Federal nº 6.514/08 fizeram com que a audiência de conciliação se tornasse apenas uma etapa adicional, o que procrastinava o término do processo.
Com efeito, a extinção da audiência de conciliação e a manutenção da possibilidade de adesão às soluções legais ou conversão da multa em serviços ambientais a qualquer tempo no curso do processo administrativo, permite que se alcance o mesmo propósito conciliatório intentado com a audiência.
Para aqueles casos em que o autuado já havia requerido o agendamento da audiência ou no caso de já ter sido agendada antes da publicação da norma, a IN 19/2023 estabeleceu um regime de transição.
Estrutura dos órgãos julgadores
A IN 1/2021 era taxativa no sentido de que o julgamento dos autos de infração competia, em primeira instância, ao respectivo Superintendente Estadual do local da lavratura, ao passo que os recursos seriam sempre apreciados pelo Presidente do Ibama. A IN 19/2023, por sua vez, inovou ao estabelecer um procedimento substancialmente distinto e que tem por objetivo especializar um setor do órgão para a análise e julgamento dos autos de infração.
Nesse sentido, o artigo 12 da IN 19/2023 dispõe que compete ao Centro Nacional do Processo Sancionador Ambiental (Cenpsa) organizar a equipe responsável pela decisão sobre pedidos de adesão à solução legal e instrução e julgamento de processos de apuração de infrações ambientais, sendo que tal equipe será subdividida em grupos de trabalho.
Já o julgamento propriamente dito será realizado por “autoridade designada pelo Presidente do Ibama”, mas o coordenador-geral do Cenpsa poderá avocar o julgamento mediante decisão fundamentada. Ainda, o dispositivo estabelece que o julgamento do auto de infração deverá ser precedido de relatório circunstanciado, cuja elaboração ficará a cargo de servidor integrante da equipe nacional.
Por fim, os artigos 14 e 15 dispõem sobre a competência para julgamento dos recursos. Nos casos em que o valor da multa indicada é inferior a R$ 1 milhão, o presidente do Ibama indicará autoridade para realizar o julgamento, salvo se avocar competência mediante decisão fundamentada. Nos casos em que a multa for igual ou superior a R$ 1 milhão, o presidente será competente para julgamento.
Previsão expressa dos prazos prescricionais
Outra novidade importante introduzida pela IN 19/2023 é a previsão expressa dos prazos prescricionais aplicáveis aos processos administrativos de apuração de infração ambiental. Apesar de tais disposições constarem de normas esparsas, a escolha de destacar a prescrição na instrução normativa é um avanço para a segurança jurídica dos administrados.
Com relação à prescrição da pretensão punitiva, a IN 19/2023 prevê que prescreve em “cinco anos a ação do Ibama objetivando apurar a prática de infrações contra o meio ambiente, contada da data da prática do ato, ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia que esta tiver cessado”, reproduzindo a redação do artigo 21 do Decreto Federal nº 6.514/2008.
Já no que tange à prescrição intercorrente, a IN 19/2023 determina que incide a prescrição no procedimento de apuração de infração ambiental paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho.
Ainda, a IN dispõe que a prescrição da pretensão executória do crédito decorrente da multa prescreve em cinco anos, a contar de sua constituição definitiva, repetindo o que consta na Lei Federal nº 9.873/1999.
A IN 19/2023 traz as mesmas hipóteses de interrupção do fluxo do prazo prescricional que o Decreto 6.514/2008, mas acrescenta que “qualquer ato inequívoco que importe manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória” também poderá interromper a prescrição.
Causas de interrupção de prescrição devem ser avaliadas criticamente e com parcimônia, já que não são atos meramente ordinatórios ou de mera expressão de vontade que serão suficientes para interromper a prescrição.
Destinação de animais silvestres
A IN 1/2021 previa que a destinação de animais teria seu procedimento regulado por Instrução Normativa Conjunta a ser editada e, enquanto não fosse editada a norma, deveria ser observado o procedimento previsto pela Instrução Normativa Ibama nº 19/2014 (IN 19/2014), que já trazia alguns direcionamentos com relação à destinação de animais silvestres e domésticos, sejam eles exóticos ou nativos.
A IN 19/2023 optou por já regulamentar o tema, incorporando algumas das previsões da IN 19/2014 e introduzindo outras novas. A norma estabelece que os animais silvestres nativos terão destinação, prioritariamente, à libertação em habitat natural ou a centros triagem. Apenas no caso de tais alternativas se mostrarem inviáveis e que os animais serão destinados a outros estabelecimentos, na seguinte ordem de preferência: (1) jardins zoológicos; (2) criadouros conservacionistas; (3) mantenedouros; e (4) criadouros comerciais.
Como se verifica, os criadouros comerciais serão a última alternativa para o destino dos animais e, caso sejam remetidos a tais estabelecimentos, não poderão ser comercializados por expressa determinação da IN 19/2023. A intenção do Ibama é justamente vedar a destinação da fauna silvestre nativa com propósitos comerciais.
A IN 19/2023 ainda prevê que a reprodução dos animais silvestres nativos nos jardins zoológicos somente será permitida mediante prévia aprovação pelo Ibama de projeto de conservação relacionado àquela espécie.
Já com relação aos animais silvestres exóticos, a norma estabelece que eles serão repatriados ou entregues a criadouros conservacionistas, mantenedouros ou jardins zoológicos. Ademais, a IN condiciona a reprodução desses animais nos jardins zoológicos e criadouros conservacionistas à prévia aprovação do Ibama – sem necessidade de apresentação de um projeto de conservação. A IN 19/2023 não exige aprovação do Ibama para reprodução em mantenedouros.
Por fim, a norma estabelece que os animais de produção serão leiloados ou doados e os animais domésticos serão doados.
Termo de notificação
A IN 19/2023 retomou o detalhamento do Termo Próprio de Notificação, que será lavrado nas seguintes hipóteses:
- Incerteza quanto à autoria ou à materialidade da infração, para apresentação de informações ou documentos que contribuam para sua identificação e comprovação;
- Impossibilidade ou recusa de nomeação de depositário, para comunicação da proibição de remoção ou alteração dos bens apreendidos até que sejam colocados sob a guarda do órgão ambiental federal autuante, confiados em depósito ou destinados;
- Necessidade de adoção de providências especificadas no momento da ação fiscalizatória ou posteriormente, para seu atendimento.
O prazo determinado no Termo Próprio de Notificação poderá ser prorrogado se houver requerimento do interessado antes do vencimento do prazo inicial. Caso não apreciado o requerimento de postergação no prazo de 15 dias, o prazo estará automaticamente prorrogado por período igual ao que fora assinalado inicialmente.
Por fim, a IN 19/2023 estabelece que cabe ao agente ambiental federal que lavrou o Termo Próprio de Notificação deliberar sobre o encerramento do procedimento próprio de notificação, caso dele não decorra a lavratura de auto de infração. No caso de indisponibilidade do agente ambiental que lavrou o termo, o procedimento próprio deverá ser conduzido pelos demais agentes integrantes da ação fiscalizatória ou pelo chefe da unidade ordenadora da ação.
Medidas cautelares
Medidas cautelares são ações de caráter preventivo, que objetivam prevenir a ocorrência de novas infrações, resguardar a recuperação ambiental e garantir o resultado prático do processo administrativo, independentemente da lavratura de auto de infração. Apreensão, embargo de obra ou atividade, suspensão de venda ou fabricação de produto, suspensão parcial ou total de atividades, demolição são exemplos de medidas cautelares.
A IN 19/2023 determinou que os efeitos das medidas cautelares poderão ser suspensos mediante requerimento do interessado, que deverá, necessariamente, ser instruído com documentos que comprovem a regularidade ambiental de obra, empreendimento ou atividade.
O requerimento será apreciado por servidor da unidade do local da infração indicado por alguma das seguintes autoridades: chefe da Divisão Técnico-Ambiental das Superintendências estaduais, do Serviço de Apoio Ambiental das Gerências Executivas ou da Unidade Técnica.
Desconsideração da personalidade jurídica
A IN 19/2023 reproduz os conceitos básicos previstos na Lei Federal nº 9.605/1998 a respeito de responsabilização ambiental das pessoas naturais e jurídicas, incluindo a possibilidade de desconsiderar a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for um obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.
A respeito desse ponto, embora a norma aborda a desconsideração, isso não ocorre no processo administrativo sancionatório, de natureza subjetiva, objeto da instrução normativa.
A eventual tentativa de atingir o patrimônio dos sócios, somente poderia ser intentada posteriormente, em incidente judicial específico denominado Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ).
Para mais informações sobre processos de apuração de infrações ambientais, conheça a prática de Direito Ambiental e Mudanças climáticas do Mattos Filho.