Novos decretos resolvem parcialmente impasse sobre a regulamentação do saneamento básico
Publicações recentes substituem os decretos de abril de 2023, sobre comprovação da capacidade econômico-financeira e prestação regionalizada dos serviços públicos de saneamento básico
Assuntos
Como resultado de extensas negociações entre o Poder Executivo e o Senado Federal, foram editados, em 12 de julho de 2023, os Decretos nº 11.598 e 11.599, ambos publicados na edição do Diário Oficial da União de 13 de julho de 2023.
Com a publicação das novas regras, ficam revogados os Decretos nº 11.466/2023 e 11.467/2023, que estabeleceram a metodologia para a comprovação da capacidade econômico-financeira dos prestadores de serviços e normas para a prestação regionalizada dos serviços de saneamento básico.
Embora tenham revogado integralmente os decretos publicados em abril desse ano, as regras trazidas pelos Decretos nº 11.598 e 11.599 são muito semelhantes às contidas nos normativos revogados, com exceção de dois importantes temas.
Capacidade econômico-financeira
O Decreto nº 11.598/2023 praticamente repetiu a redação do agora revogado Decreto nº 11.466/2023, com modificações específicas detalhadas a seguir.
A primeira está relacionada ao procedimento para comprovação da capacidade econômico-financeira. De acordo com a nova norma, o prestador do serviço deverá apresentar à entidade reguladora responsável pela fiscalização de seus contratos a minuta de termo aditivo que pretenda celebrar para incluir ajustes relacionados à comprovação da capacidade econômico-financeira, acompanhada de declaração de anuência do titular do serviço. E, ao que tudo indica, isso pode ser feito até 31 de dezembro de 2023, oferecendo um fôlego adicional às estatais que pretenderem continuar prestando serviços no contexto de contratos devidamente formalizados na forma da legislação.
Sobre quais contratos podem ser considerados para compor o cálculo da capacidade econômico-financeira, o Decreto nº 11.598/2023 deixou de fora três polêmicos dispositivos previstos na norma por ele revogada. Dentre eles, foram excluídas a possibilidade de o prestador incluir contratos provisórios não formalizados ou relações irregulares ou de natureza precária no processo de comprovação da capacidade econômico-financeira, e a oportunidade de regularizar tais contratações até 31 de dezembro de 2025. Logo, realmente parece haver avanços para eliminar a prestação de serviços de maneira irregular, mediante instrumentos precários ou arranjos informais.
Na prática, tais alterações acomodam parte das preocupações que o Decreto nº 11.466/2023 criou, diminuindo a extensão da “segunda chance” oferecida às empresas estatais que não haviam passado pelo crivo econômico-financeiro.
Contudo, vale lembrar que o art. 11-B, § 1º, da Lei nº 11.445/2007 (Lei do Saneamento Básico) prevê que os contratos já celebrados deveriam ser aditados até 31 de março de2022 para incluir as metas de universalização. Resta saber se as estatais que não puderam promover tais aditamentos, em função de não terem condições econômicas e financeiras para manter sua prestação de serviço, terão nova possibilidade de fazê-lo até 31 de dezembro de 2023, em função da superveniência da “segunda chance”.
Prestação regionalizada
Por sua vez, o Decreto nº 11.599/2023 modifica a disciplina, então prevista no Decreto nº 11.467/2023, no que diz respeito à prestação dos serviços de saneamento básico por meio de empresas estatais em estruturas regionalizadas. Esse último recebeu acertadas críticas por contrariar um dos princípios fundamentais da Lei nº 11.445/2007, criando a possiblidade de prestação direta de serviços por empresas estatais, sem necessidade de licitação.
O Decreto nº 11.599/2023 resolve parcialmente essa questão. De fato, a norma revoga a possibilidade, antes prevista, de uma empresa pública ou sociedade de economia mista estadual prestar serviços aos municípios que integrem uma região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião, sob o argumento de que se trataria de uma prestação direta.
Tal mudança torna mais difícil viabilizar estruturas que, adotando uma interpretação da legislação bastante controvertida, pretendiam organizar a prestação direta dos serviços de saneamento a municípios por empresas estatais estaduais sem licitação – como o que ocorreu em microrregiões no estado da Paraíba, por exemplo.
Contudo, vale ter em mente que o Decreto nº 11.599/2023 admite que o município, por meio de uma empresa estatal municipal (que é ente da administração pública indireta), possa promover a prestação do serviço correspondente sem licitação. Dessa forma, ao que tudo indica, entende-se que prestação direta é quando um ente federativo presta o serviço a si próprio, ainda que por meio de órgão da administração indireta organizado sob a forma de uma empresa.
A opção normativa não elimina completamente as controvérsias sobre o assunto, motivo pelo qual parece que a discussão travada a respeito da constitucionalidade de tais opções no âmbito das ADPFs 1055 e 1057 ainda haverá de ser solucionada pelo Supremo Tribunal Federal. Por ora, ao menos há maior clareza sobre o que o Executivo pretende que seja admitido, permitindo algum avanço institucional, ainda que não seja o ideal.
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