Impactos jurídicos e econômicos da ADI 5.529 nas PDPs
Decisão sobre constitucionalidade de artigo da Lei de Propriedade Industrial está em discussão no STF
Assuntos
Encontra-se em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (LPI), que confere uma prorrogação do prazo de vigência de patentes de invenção e de modelo de utilidade em determinadas hipóteses. O debate é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.529 (ADI 5.529), ajuizada em 17 de maio de 2016 pelo procurador-geral da república, Rodrigo Janot, que apresentou relevantes questionamentos acerca da regra que assegura a observância de um prazo mínimo de vigência de 10 e 7 anos, respectivamente, para as patentes de invenção e de modelo de utilidade, contado da data de sua concessão. Esse dispositivo era, até 22 de abril de 2021, uma solução para mitigar os efeitos do backlog do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Conforme dados prestados pelo INPI no âmbito da ADI 5.529, o dispositivo legal foi responsável por viabilizar a concessão de cerca de 30 mil patentes com vigência superior ao prazo ordinário, de 20 ou 15 anos, previsto no caput do artigo 40 da LPI, sendo que o setor de saúde é responsável por boa parte desse número.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) – com o coro de algumas das diversas entidades e associações que intervêm no feito na qualidade de amicus curiae – defende a inconstitucionalidade do referido dispositivo com base em argumentos relacionados à segurança jurídica, livre concorrência, defesa do consumidor, função social da propriedade e indevido estímulo ao prolongamento do procedimento de exame do pedido de patente pelo INPI. Enquanto isso, a Advocacia Geral da União – também com o reforço argumentativo de outros amicus curiae admitidos no feito – aduz que o dispositivo legal, por assegurar prazo mínimo de vigência da patente, estimula o desenvolvimento tecnológico e econômico do país e sua declaração de inconstitucionalidade, por outro lado, não mitigaria a demora na atuação do INPI no processo de análise dos pedidos.
A recente decisão do ministro Dias Toffoli
Embora a ação já esteja tramitando há quase cinco anos, o assunto foi amplamente debatido nas últimas semanas, quando o ministro Dias Toffoli, relator da ADI 5.529, decidiu antecipar para 7 de abril o julgamento inicialmente pautado para o dia 26 de maio, que julgaria o mérito da ação, em vista de um pedido superveniente de concessão de tutela provisória de urgência formulado pela PGR.
O pedido da PGR, cuja urgência estava fundamentada na emergência em saúde pública de importância nacional em decorrência da Covid-19, foi acolhido pelo ministro em decisão monocrática, que suspendeu a eficácia do parágrafo único do artigo 40 da LPI para patentes de produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos e/ou materiais de uso em saúde, passando tal restrição a vigorar a partir de 8 de abril.
Pela relevância que o dispositivo legal tem para as patentes de invenção e de modelo de utilidade concedidas no país – grande parte com prazo de vigência estendido –, muito se vem especulando a respeito da potencial declaração de inconstitucionalidade da norma e dos impactos decorrentes dessa decisão, em especial, para as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs).
Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs)
As PDPs, segundo a Portaria de Consolidação nº 5, de 28 de setembro de 2017, do Ministério da Saúde (MS), são parcerias que envolvem a cooperação mediante acordo entre instituições públicas e entidades privadas para o desenvolvimento, transferência e absorção de tecnologia, produção, capacitação produtiva e tecnológica do país em produtos estratégicos para atendimento às demandas do Sistema Único de Saúde (SUS).
Nesse contexto, as PDPs visam reduzir as dependências produtiva e tecnológica para atender às necessidades de saúde da população brasileira, fomentando o desenvolvimento da rede de produção pública no país e seu papel estratégico para o SUS. Antes da submissão da proposta e análise de projeto de PDP e, caso aprovada, da celebração do termo de compromisso, o MS define, anualmente, a lista de produtos estratégicos que poderão ser objeto da proposta, obrigatoriamente considerando como critérios a relevância do produto para o SUS, a aquisição centralizada do produto pelo MS, o interesse de produção nacional e, adicionalmente, o alto valor de aquisição, a dependência expressiva de importação, a incorporação tecnológica no SUS e o risco de desabastecimento.
Como as PDPs, muitas vezes, envolvem produtos de alto grau de complexidade tecnológica (como é o caso dos medicamentos biotecnológicos), poderá viger pelo prazo máximo de 10 anos até a conclusão do desenvolvimento, transferência e absorção da tecnologia objeto da PDP, permitindo a produção do produto no país e a portabilidade tecnológica pela instituição pública. Por isso, não é incomum que algumas PDPs envolvam produtos com patentes ainda em vigor no momento da celebração das parcerias. Vale notar que esse caminho é possível uma vez que as PDPs levam anos até a efetiva comercialização do produto, período, por vezes, suficiente para que a patente expire.
As PDPs podem ser celebradas com o próprio detentor da patente, bem como com parceiros privados que transferem a tecnologia durante a vigência da patente, estando autorizada a sua comercialização tão logo expirada.
Para o primeiro grupo, a condição de ter o SUS como principal comprador de produtos de saúde no país, alinhada com o compromisso de aquisição exclusiva pelos primeiros anos da transferência de tecnologia, é um importante atrativo para os titulares de patente, capaz, inclusive, de compensar as perdas de faturamento inerentes à difusão da tecnologia patenteada. Para o segundo grupo, há investimentos relevantes do governo federal e a possibilidade de ter acesso à tecnologia antes da expiração da patente de forma legítima.
Em ambas as hipóteses, a potencial declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da LPI gerará impactos tanto às entidades privadas quanto às instituições públicas.
Abreviação da exclusividade e potenciais impactos
Apesar da limitação dos efeitos da tutela provisória concedida pelo ministro Dias Toffoli impactar apenas as patentes concedidas após a decisão, a inconstitucionalidade poderá, a depender da modulação dos seus efeitos, afetar todas as patentes que tenham sido concedidas com base nesse dispositivo, havendo inegáveis impactos econômicos nos diversos setores abrangidos.
Na hipótese de aplicarem efeitos retroativos à decisão de mérito que vier a ser proferida na ADI 5.229, as milhares de patentes que ainda estão em vigor passarão ao domínio público em caráter imediato e, consequentemente, haverá redução no preço de aquisição desses produtos diante da comercialização, por exemplo, de medicamentos genéricos.
Para os produtos objetos de PDPs, a antecipação do termo final de vigência da patente, com aumento da concorrência e consequente queda considerável no preço do produto pode impactar o equilíbrio econômico-financeiro do compromisso firmado. Além do processo natural de autorregulação do mercado em ambiente de concorrência, a regulamentação aplicável exige que o preço dos medicamentos genéricos seja pelo menos 35% inferior ao dos medicamentos de referência correspondentes.
Cabe mencionar que, em geral, as PDPs possuem cronogramas extensos de implementação e não é incomum que a instituição pública demore anos até absorver a tecnologia e a capacidade de produção em escala comercial.
Esse arranjo, que podia ser interessante no contexto de vigência de uma patente mais longa, pode já não interessar o governo federal se antecipada a disponibilização do produto ao domínio público. Nesse cenário, o preço e o próprio cronograma originalmente ajustados no âmbito da PDP podem não fazer sentido diante da nova realidade de mercado.
Como se trata de uma contratação pública, é preciso observar a supremacia do interesse público que permite hipóteses mais amplas de alteração e rescisão unilateral por parte da administração pública, desde que devida e legalmente motivada.
Nesse cenário, a abreviação do prazo de vigência da patente poderá gerar pedidos de revisão do preço do medicamento que é objeto da PDP pelo SUS, havendo, de um lado, economia ao sistema público de saúde e, de outro, impacto financeiro relevante ao titular da patente.
Em razão disso, para o titular da patente, sua participação na PDP pode não ser mais vantajosa à medida que a antecipação do termo final de vigência da patente poderá interferir no prazo da PDP e, consequentemente, implicar em prejuízos econômicos, pois a remuneração à entidade privada está relacionada ao custo da transferência da tecnologia.
Ao mesmo tempo, essa possibilidade fomenta a concorrência, trazendo benefícios diretos ao sistema de saúde, uma vez que, nos casos de PDPs celebradas com entidades privadas que não titulares da patente, haverá a possibilidade de comercialização imediata dos medicamentos no mercado nacional.
Portanto, independentemente da modulação dos efeitos da decisão, o julgamento da ADI 5.529 com o decreto de inconstitucionalidade do artigo impugnado impactará as PDPs em vigor, devendo ser objeto de atenção e análise pelos contratantes de PDPs no país.
Para mais informações sobre os impactos da decisão da ADI 5.529, conheça as práticas de Contencioso e Arbitragem, Propriedade intelectual e Life Sciences e Saúde do Mattos Filho.