Lei da Propriedade Industrial: STF suspende eficácia de trecho sobre vigência de patentes
Ministro Dias Toffoli deferiu parcialmente o pedido de tutela provisória para suspender a eficácia do parágrafo único do art. 40 da Lei
Assuntos
Em decisão liminar, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a eficácia da regra que prorroga a vigência de patentes após sua data de concessão. A sessão, realizada no dia 7 de abril, sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli, tratava da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.529, ajuizada em 17 de maio de 2016 pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, com objetivo de declarar a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 40 da Lei da Propriedade Industrial (LPI).
Enquanto o art. 40 da LPI determina que o prazo de vigência da patente de invenção e de modelo de utilidade será de 20 ou 15 anos respectivamente, contados da data de protocolo do pedido, seu parágrafo único, objeto da ADI, garante que o prazo de vigência não será inferior a 10 e 7 anos, respectivamente, a contar da data de sua concessão.
Argumento da PGR e contexto da decisão
A Procuradoria-Geral da República (PGR) defende a inconstitucionalidade da ADI sob o fundamento de que contrariaria o princípio da temporariedade da proteção das patentes (art. 5º, XXIX, Constituição Federal), da livre concorrência e da proteção aos consumidores. Sustenta que haveria indefinição no prazo da proteção patentária, acarretando insegurança jurídica e, consequentemente, criando obstáculos na atuação dos agentes econômicos concorrentes em potencial.
O julgamento de mérito da ADI 5.529 foi inicialmente pautado para o dia 26 de maio de 2021. Em 24 de fevereiro do mesmo ano, a PGR protocolou pedido de concessão de tutela provisória de urgência, a fim de suspender imediatamente os efeitos do parágrafo único, justificando a necessidade da liminar em razão da crise ocasionada pela pandemia do Covid-19. Seu entendimento seria de que, enquanto não expirada a vigência de patentes de grandes laboratórios, a indústria farmacêutica ficaria impedida de produzir medicamentos genéricos contra o novo coronavírus e suas atuais e futuras variantes. Diante do pedido de medida liminar, o Ministro Relator antecipou o julgamento colegiado do recurso para a sessão de 7 de abril de 2021.
Principais pontos do pedido de tutela provisória
A análise do mérito da ADI teve de ser postergada em virtude do prolongamento excessivo do julgamento da ADPF 811, que debate as medidas emergenciais de contenção ao Covid-19 impostas pelo governo de São Paulo. Contudo, o Ministro Dias Toffoli, vislumbrando urgência na apreciação da questão, apreciou monocraticamente a medida liminar, concedendo-a parcialmente para suspender a eficácia do dispositivo legal apenas no que diz respeito a produtos e processos farmacêuticos e equipamentos e materiais relacionados à saúde.
Em sua decisão, o Ministro Relator colaciona o voto de mérito que proferiria naquela data, caso o mérito do processo fosse julgado. Nele, frisa que a norma, ao tornar o prazo de vigência das patentes relativo ao momento da concessão é arbitrária e favorável à formação de monopólios, ferindo preceitos constitucionais como os princípios da ordem econômica e do direito à saúde. Estabelece também uma relação entre o backlog enfrentado na análise das patentes e o dispositivo em exame: segundo seu entendimento, a garantia de proteção mínima por 10 ou sete anos após a concessão da patente acaba por atenuar as consequências da mora administrativa e beneficiar os depositantes ao prolongar o período de privilégio do qual usufruem, fomentando condutas de ambas as partes que contribuem para que o atraso crônico dos processos se perpetue.
O voto atribui especial enfoque aos impactos do parágrafo único do artigo 40 sobre o setor farmacêutico. Apesar de não pretender reduzir o escopo da discussão às patentes de medicamento, o Ministro indica que essa indústria conta com alguns dos maiores tempos médios de decisão técnica do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), sendo especialmente afetada. Além disso, estabelece que o dispositivo em análise onera o sistema público de saúde ao eliminar a concorrência e impor a aquisição de itens farmacêuticos por valores unilateralmente estipulados, acrescidos dos royalties pagos sobre os itens patenteados que o Poder Público adquire e distribui. O resultado, portanto, seria um contexto de onerosidade excessiva aos cofres públicos, o que prejudica a capacidade do Estado de executar políticas públicas de saúde, colocando em risco a concretização do direito à saúde e à vida.
Concluiu, portanto, pela existência da fumaça do bom direito, bem como do periculum in mora, este último evidenciado pela atual emergência de saúde pública decorrente da Covid-19, que impõe a gestão eficiente de recursos e a adoção de políticas públicas capazes de estancar a crise sanitária. Diante disso, deferiu parcialmente a medida cautelar para suspender a eficácia da norma, até o julgamento definitivo do mérito, somente no que tange aos produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos e/ou materiais de uso em saúde cujas patentes venham a ser concedidas a partir de 8 de abril de 2021. Com a referida decisão, as patentes com objeto abarcado pela liminar passarão a ser protegidas sempre por 20 anos a partir da data de depósito do pedido, independentemente da data da concessão.
Efeitos da decisão e próximos passos
A decisão liminar foi proferida com efeitos ex nunc, ou seja, tem o imediato efeito de impedir a aplicação do parágrafo único do art. 40 da Lei 9.279 pelo INPI apenas aos pedidos de patente ainda não concedidos e que estejam relacionados a produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos e/ou materiais de uso em saúde (ie. todas as patentes de uso em saúde concedidas a partir de 8 de abril terão o prazo de vigência regulado exclusivamente pelo caput do art. 40).
Vale notar que, embora o Ministro Dias Toffoli tenha destacado que a liminar somente tem efeitos ex nunc, o julgamento do mérito poderá ter efeitos ex tunc, de modo que, nesses casos, a decisão, caso seja favorável à inconstitucionalidade do dispositivo impugnado, poderá retroagir a todos os pedidos de patente de invenção e modelo de utilidade ou até patentes já concedidas, a depender da modulação dos efeitos da decisão.
O julgamento da ADI 5.529 já foi remarcado e está previsto para ser realizado no dia 14 de abril, quando o colegiado chancelará ou reverterá a decisão do Ministro Relator.
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*Com colaboração de Lorena Sampaio Pereira