

TCU autoriza a flexibilização de regras para aquisição de vacinas contra a Covid-19
Decisão considerou a excepcionalidade da situação e a urgente necessidade de vacinação da população
Por conta da necessidade de aquisição de vacinas para a COVID-19 pela União, o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello protocolou consulta, no Tribunal de Contas da União (TCU), a respeito da aplicabilidade e dos efeitos das Medidas Provisórias 1.003/2020 e 1.026/2021, convertidas nas Leis 14.121/2021 e 14.124/2021.
Tais normas tratam, respectivamente, da autorização do Poder Executivo federal a aderir ao Instrumento de Acesso Global de Vacinas Covid-19 (Covax Facility) e das medidas excepcionais relativas à aquisição de vacinas, insumos, bens e serviços de diversas naturezas destinados à vacinação contra a Covid-19 e sobre o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra o vírus.
O art. 2º da Lei 14.121/2021 prevê que a adesão ao Covax Facility e que a aquisição de vacinas por meio desse instrumento deve ser regida por normas internacionais da Aliança Gavi (administradora da Covax Facility), com aplicação apenas subsidiária da Lei 8.666/1993. Por sua vez, o art. 12 da Lei 14.124/2021 traz a previsão de que, nos contratos para aquisição ou fornecimento de vacinas contra a Covid-19, cláusulas especiais poderão ser estabelecidas, desde que se mostrem condições indispensáveis para aquisição do bem e que haja comprovação e justificativa do gestor para adoção de tal caminho.
Em resposta ao Ministério da Saúde, o TCU (por meio do Acórdão 534/2021 – Plenário) entendeu que a situação excepcional de calamidade pública possibilitaria a flexibilização das regras para aquisição de bens (no caso, vacinas e insumos) pela Administração Pública. Exemplo dessa flexibilização seria justamente a realocação de riscos entre as contratantes, materializada na assunção, pelo Governo Federal, da responsabilidade por eventuais indenizações provenientes de danos relacionadas às vacinas.
Aplicação da legislação
O questionamento inicial se vinculou à questão de aplicabilidade das Leis, em especial se garantiriam a validade de cláusulas contratuais que seriam consideradas inválidas à luz do ordenamento geral dos contratos e em virtude da legislação existente aplicada no Brasil.
O TCU entendeu que, ao menos preliminarmente, não haveria invalidade das regras da Aliança Gavi, introduzidas e autorizadas pela Lei 14.121/2021, pois não haveria afronta à Constituição Federal (CF) ou à ordem pública. Isso, contudo, não impediria que, nos contratos específicos, haja alguma cláusula inválida.
O Tribunal ainda reforçou que, em eventual contradição entre as regras da Aliança Gavi e demais normas sobre contratos administrativos, aplicam-se as normas da Aliança, em virtude de seu caráter especial e ulterior.
Alocação de riscos e responsabilidade contratual
Dentre os pontos, questionou-se se o Poder Público poderia assumir riscos contratuais, com a assunção pelo Governo Federal da responsabilidade por eventuais indenizações provenientes de danos relacionadas às vacinas, em divergência com o que traz a Lei 8.666/1993.
A Corte ainda destacou que a situação excepcional da pandemia, a necessidade urgente de vacinação da população e o grande desequilíbrio entre oferta e demanda levaram à não usual situação de equidade contratual entre a Administração Pública e os laboratórios produtores de vacinas, o que possibilita maior liberdade negocial entre as partes.
Nesse sentido, o TCU entendeu que, no caso específico das vacinas contra a Covid-19, seria válida a realocação dos riscos, pois estão alinhadas com o evidente interesse público de remediar os efeitos da pandemia. Nessa linha, o Tribunal ponderou que podem ser previstas cláusulas limitadoras da responsabilidade das empresas fornecedoras, desde que tal condição esteja sendo praticada nos negócios firmados com os diversos países e seja requisito intransponível para a aquisição do produto.
Contudo, o TCU ressaltou que que a permissão das cláusulas limitadoras da responsabilidade fica prejudicada em casos de dolo ou culpa grave ou de ofensa à ordem pública pelos fornecedores. Do mesmo modo, a Administração Pública não poderia se responsabilizar por atos similares de terceiros.
O Tribunal, por fim, recomendou que as cláusulas de alocação de riscos dos contratos de aquisição de vacinas sejam objeto de Parecer da Advocacia-Geral da União, para conferir maior segurança jurídica aos contratos.
Perspectivas com a limitação de responsabilidade
Em certas contratações, especialmente de grandes empresas de tecnologia e de agências de rating, um dos principais obstáculos está na justamente na recusa da Administração em admitir limitação de responsabilidade, por força dos arts. 69 e 70 da Lei 8.666/1993 e do art. 76 da Lei 13.303/2016.
Com a decisão (cujo caráter obrigatório se restringe à aquisição de vacinas e respectivos insumos), o TCU aponta para hipóteses em que esse tipo de limitação seria possível. Essas situações seriam uma situação de excepcionalidade ou ainda a uma situação de desequilíbrio entre oferta e demanda, o que levaria a uma não usual “situação de equidade contratual” entre Administração Pública e contratados.
É certo que a decisão pode ter sido adotada apenas para acomodar uma situação muito específica: a superação de obstáculos para a aquisição das vacinas. Mas isso não deixa de ser uma porta para outros casos em que a limitação de responsabilidade é a única forma de viabilizar um contrato que atenderia a necessidade administrativa.
Para saber mais sobre o tema, conheça as práticas de Infraestrutura e Energia e Life Sciences e Saúde do Mattos Filho.