Entenda as novas regras para aquisição de vacinas contra a Covid-19 pelo setor privado
Normas trazem condições para a aquisição de doses pelo setor privado, Estados e Municípios, além de regras de responsabilização civil
Assuntos
O Presidente da República sancionou, no último dia 10 de março de 2021, as leis nº 14.124/2021 e nº 14.125/2021, que tratam de temas relativos à aquisição e aplicação de vacinas no âmbito da estratégia de imunização contra a Covid-19.
As duas novas normas jurídicas dispõem sobre as seguintes questões:
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Lei nº 14.124/2021
Estabelece medidas excepcionais relativas à aquisição de vacinas e de insumos e à contratação de bens e serviços de logística, de tecnologia da informação e comunicação, de comunicação social e publicitária e de treinamentos no âmbito do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19.
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Lei nº 14.125/2021
Trata de regras sobre a responsabilidade civil decorrente de eventos adversos pós-vacinação, além de condições para aquisição e comercialização de vacinas por pessoas jurídicas de direito privado.
Confira abaixo as principais novidades de cada legislação:
Aquisição de vacinas contra a Covid-19 por Estados e Municípios
Diferentemente do posicionamento adotado quando do veto aos dispositivos da Medida Provisória nº 1.003/2020, o Presidente da República decidiu sancionar o dispositivo legal que autoriza a aquisição, distribuição e aplicação de vacinas por Estados, Municípios e o Distrito Federal.
De acordo com a Lei nº 14.124/2021, os entes federativos poderão realizar tais atividades com vacinas que possuam registro sanitário, Autorização de Uso Emergencial (AUE) ou Autorização Excepcional e Temporária (AET). No entanto, essa possibilidade está condicionada à ausência de aquisição e distribuição tempestiva, por parte do governo federal, de doses suficientes para a vacinação dos grupos prioritários do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNOV) – ou seja: profissionais de saúde; pessoas entre 60 e 90 anos ou mais; indígenas, quilombolas e comunidades ribeirinhas; população privada de liberdade; pessoas com comorbidades, com deficiência permanente ou em situação de rua; e trabalhadores dos setores de educação, segurança e salvamento, sistema carcerário, forças armadas, transporte e de indústrias.
Contração de bens e serviços e atualização de informações
A nova norma também estabelece regras excepcionais para contratação de bens e serviços necessários à implementação da vacinação por entes da administração pública direta e indireta. No caso específico de contratos para aquisição de vacinas, firmado antes ou após o registro sanitário ou AUE do produto pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), há previsão para o estabelecimento de cláusulas especiais que sejam consideradas indispensáveis à execução do contrato – por exemplo: cláusulas de confidencialidade, possibilidade de pagamentos antecipados, inclusive com a possibilidade de perda do valor, hipóteses de não imposição de penalidade à empresa contratada.
Além disso, informações atualizadas acerca de contratações públicas no âmbito da estratégia de imunização contra a Convid-19 deverão ser disponibilizadas em site oficial em até cinco dias úteis contados da realização do ato jurídico – requisitos mínimos de publicação incluem:
- nome do contratado (empresa local ou estrangeira);
- prazo contratual, valor e respectivo processo de aquisição ou de contratação;
- ato que autoriza a contratação direta ou o extrato decorrente do contrato;
- o valor global do contrato, as parcelas do objeto, os montantes pagos e o saldo disponível ou bloqueado, caso exista;
- a quantidade entregue ou prestada em cada ente federativo durante a execução do contrato;
- as atas de registros de preços das quais a contratação se origine, se houver.
Regras para submissão de pedidos de AET
Em complemento, a Diretoria Colegiada da Anvisa aprovou a Resolução RDC nº 476 de 10 de março de 2021 (RDC ANVISA nº 476/2021), que estabelece procedimentos e requisitos para submissão de pedidos de AET para importação e distribuição de medicamentos e vacinas para Covid-19, pela União, Estados, Municípios e o Distrito Federal, no âmbito das possibilidades previstas na Lei nº 14.124/2021. As operações de importação por consórcios públicos ainda dependem de Instrução Normativa, a ser publicada pela Anvisa.
De forma inédita, a RDC ANVISA nº 476/2021 permite a importação de produtos sem registro sanitário ou AUE concedida pela Anvisa, desde que tenham sido registrados ou tenham autorização para uso emergencial concedida por, no mínimo, uma das seguintes autoridades sanitárias internacionais:
- Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos da América;
- European Medicines Agency (EMA), da União Europeia;
- Pharmaceuticals and Medical Devices Agency (PMDA), do Japão;
- National Medical Products Administration (NMPA), da República Popular da China;
- Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency (MHRA), do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte;
- Federal Service for Surveillance in Healthcare, da Federação da Rússia;
- Central Drugs Standard Control Organization (CDSCO), da República da Índia;
- Korea Disease Control and Prevention Agency (KDCA), da República da Coreia;
- Health Canada (HC), do Canadá;
- Therapeutic Goods Administration (TGA), da Comunidade da Austrália;
- Administración Nacional de Medicamentos, Alimentos y Tecnología Médica (ANMAT), da República Argentina;
- Outras autoridades sanitárias estrangeiras com reconhecimento internacional e certificadas, com nível de maturidade IV, pela Organização Mundial de Saúde (OMS) ou pelo Conselho Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos para Registro de Medicamentos de Uso Humano (International Council for Harmonization of Technical Requirements for Pharmaceuticals for Human Use – ICH) e pelo Esquema de Cooperação em Inspeção Farmacêutica (Pharmaceutical Inspection Co-operation Scheme – PIC/s).
Para tanto, o medicamento ou a vacina importada deverá cumprir os seguintes requisitos:
- Submissão de um dossiê para concessão da AET pela Anvisa em até sete dias, podendo a Agência requerer, fundamentadamente, a realização de diligências para complementação e esclarecimentos sobre os dados de qualidade, de eficácia e de segurança do produto. Na ausência do relatório técnico de avaliação de uma autoridade sanitária internacional, o prazo de decisão da Anvisa será de até 30 dias;
- Peticionamento eletrônico para a importação e deferimento da respectiva Licença de Importação (LI);
- Possuir, pelo menos, estudos clínicos de fase três concluídos ou com resultados provisórios de um ou mais estudos clínicos;
- Indicação específica para tratamento ou prevenção da Covid-19;
- Destinação exclusiva ao uso em programas públicos de saúde até a vacinação dos grupos prioritários previstos no PNOV;
- Todos os lotes do produto a ser fornecido devem atender às condições aprovadas pela autoridade sanitária internacional;
- notificação de eventos adversos graves à Anvisa em até 24 horas por meio do sistema VigiMed ou e-SUS Notifica.
Aquisição de vacinas contra a Covid-19 pelo setor privado
Após intenso debate sobre a possibilidade, ou não, de aquisição de vacinas contra a Covid-19 também pelo setor privado, foi publicada a Lei nº 14.125/2021, que autoriza expressamente a medida, desde que observados e cumpridos requisitos objetivos.
De acordo com a nova norma, pessoas jurídicas de direito privado poderão adquirir vacinas contra a Covid-19 que tenham sido autorizadas pela Anvisa – ou seja, produtos com registro sanitário, AUE ou AET, desde que sejam integralmente doadas ao Sistema Único de Saúde (SUS). Após o término da imunização dos grupos de risco prioritários, conforme definido pelo Ministério da Saúde no PNOV, o setor privado poderá comprar, distribuir e administrar as vacinas de forma independente, desde que:
- A aplicação seja realizada em estabelecimentos de saúde devidamente licenciados para aplicação de injetáveis;
- As doses sejam utilizadas de forma gratuita;
- Metade do quantitativo seja doado ao SUS.
As empresas que optarem por adquirir as doses de vacinas contra a Covid-19 também deverão fornecer ao Ministério da Saúde informações atualizadas e detalhadas sobre a compra ou doação, bem como sobre a aplicação das vacinas. De acordo com a versão aprovada pelo Congresso Nacional, esses dados deveriam ser publicados pelo Ministério da Saúde em até 48 horas contadas da data de reporte. Este dispositivo, contudo, foi vetado.
Vale ressaltar que, de acordo com a RDC ANVISA nº 476/2021, as regras de importação de medicamentos e vacinas pela União, Estados, Municípios e o Distrito Federal também são aplicadas para pessoas jurídicas de direito privado, embora requisitos adicionais possam ser estabelecidos por meio de Instrução Normativa, a ser publicada pela Anvisa.
Responsabilidade Civil por Eventos Adversos
Enquanto durar a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) decorrente da Covid-19, a Lei nº 14.125/2021 autoriza expressamente que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Munícipios assumam qualquer responsabilidade civil decorrente de adversos pós-vacinação contra a Covid-19, desde que tais produtos estejam devidamente autorizados pela Anvisa.
Em contrapartida à assunção de responsabilidade, foi facultado aos entes federativos constituir garantias ou contratar seguro privado, nacional ou internacional, em uma ou mais apólices, para a cobertura dos riscos decorrentes de eventos adversos das vacinas contra a Covid-19.
Para mais informações sobre as regulamentações aplicáveis às vacinas e à Covid-19, conheça a prática de Life Sciences e Saúde do Mattos Filho.