Governo Federal define condições para prorrogação das concessões de energia elétrica
Decreto publicado estabelece regras para a renovação e licitação das concessões de distribuição de energia elétrica
Assuntos
O Governo Federal publicou, em 21 de junho de 2024, o Decreto n° 12.068, que estabelece regras para a prorrogação de parte das concessões de distribuição de energia elétrica e define diretrizes visando a modernização dessas concessões.
O Decreto n° 12.068/2024 foi editado em um momento importante para definição das novas características que o setor elétrico terá nas próximas décadas, considerando os esforços para a modernização do setor, a abertura do mercado livre de energia, as novas relações de direitos e obrigações entre os agentes e a necessidade de medidas (governamentais e das concessionárias) para enfrentamento das mudanças climáticas.
A prorrogação será permitida para as concessionárias outorgadas após 1995, as quais, se assim desejarem, poderão aderir ao procedimento estabelecido no Decreto e assinar um termo aditivo aos respectivos contratos, a ser elaborado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). O termo aditivo deverá seguir as diretrizes estabelecidas, em especial, nos artigos 4° e 6° do Decreto – analisados a seguir – e será submetido a consulta pública pela Agência.
As concessionárias não abrangidas pelo Decreto n° 12.068/2024 também poderão aderir, voluntariamente, às novas condições estabelecidas no termo aditivo. Na prática, entendemos que essa será uma opção factível apenas se os termos concretos do aditivo representarem uma evolução em relação aos contratos atuais – e não apenas um aumento de obrigações.
As concessões que não forem prorrogadas sob as novas regras deverão ser objeto de licitação para seleção de nova concessionária.
Critérios para prorrogação das concessões
As atuais concessionárias interessadas em prorrogar suas concessões deverão demonstrar a prestação adequada do serviço público, que será aferida por dois critérios de eficiência já conhecidos: continuidade do fornecimento de energia elétrica e gestão econômico-financeira. Métricas inovadoras em tese discutidas nos últimos meses, tal como a captura de eventual excedente econômico, não foram incluídas no decreto.
O primeiro critério, continuidade do fornecimento, será medido pelos indicadores de frequência e duração média das interrupções do serviço. Este será considerado descumprido em caso de não atendimento dos limites anuais globais dos indicadores de continuidade coletivos de frequência e de duração, de forma isolada ou conjuntamente, por três anos consecutivos.
Já o critério relacionado à gestão econômico-financeira será mensurado por um indicador que aferirá a capacidade de a concessionária honrar seus compromissos econômico-financeiros de maneira sustentável. O descumprimento, nesse caso, será configurado pelo não atendimento do critério de eficiência com relação à gestão econômico-financeira por dois anos consecutivos.
O Decreto n° 12.068/2024 também previu uma alternativa, em princípio, positiva às distribuidoras que, por ocasião da avaliação, não cumprirem (por dois anos) o critério de eficiência da gestão econômico-financeira no período de cinco anos anteriores. O agente poderá promover aporte de capital, na forma e no valor a serem definidos pela ANEEL, em até 90 dias após a assinatura do termo aditivo ao contrato de concessão.
Procedimento de prorrogação: requerimento à ANEEL e recomendação ao MME
Para prorrogação de seus contratos, as concessionárias deverão apresentar à ANEEL requerimento de prorrogação do prazo da concessão com a antecedência de, no mínimo, 36 meses do fim do contrato. O agente deverá comprovar a regularidade fiscal, trabalhista e setorial e qualificações jurídica, econômico-financeira e técnica no momento do seu pedido.
Em até 21 meses antes do fim do contrato, a ANEEL deverá realizar a avaliação e dar publicidade sobre a prestação do serviço adequado pela distribuidora, encaminhando em seguida recomendação ao Ministério de Minas e Energia (MME) quanto à prorrogação da concessão.
A decisão final do Ministério, por sua vez, deverá ser publicada até 18 meses antes do término do prazo contratual. Caso o MME decida pela prorrogação, a ANEEL disponibilizará à concessionária a minuta de termo aditivo ao contrato, devendo o agente assiná-lo em até 90 dias.
Possibilidade de prorrogação contratual antecipada
O Decreto n° 12.068/2024 também admite a possibilidade de se antecipar os efeitos da prorrogação – tema que causou controvérsia quando da edição da Medida Provisória n° 579/2012 e de sua conversão na Lei n° 12.783/2013.
No caso do Decreto n° 12.068/2024, as concessionárias podem apresentar à ANEEL requerimento de prorrogação no prazo de 30 dias contados da publicação da minuta do termo aditivo, a ser emitido pela ANEEL em até 120 dias contados da publicação do Decreto 12.068/2024.
A ANEEL deverá encaminhar recomendação ao MME com avaliação do atendimento dos critérios de eficiência no prazo de 60 dias contados da apresentação do requerimento. A decisão do MME quanto à prorrogação deverá ser informada à concessionária em 30 dias após a recomendação, para subsequente assinatura do termo aditivo.
Há uma outra medida contemplada pelo Decreto n° 12.068/2024: as concessionárias que desejarem antecipar a renovação, mas não atenderem os critérios de eficiência na data do requerimento poderão apresentar ao MME um plano de resultados, com ações e investimentos para o atingimento do critério para os anos seguintes até o marco de 18 meses antes do fim do contrato. O MME também poderá estabelecer condições adicionais e metas específicas a serem cumpridas pela concessionária para o plano de resultados.
Conteúdo do termo aditivo para formalizar a prorrogação da concessão
O termo aditivo, a ser elaborado pela ANEEL, será assinado entre o agente e o MME seguindo as diretrizes ditadas pelo Decreto n° 12.068/2024.
Nesse sentido, o novo termo aditivo abarcará uma série de temas relacionados à concessão, que vão desde o atendimento ao mercado cativo até o tratamento de dados pessoais custodiados pelas concessionárias de distribuição.
Os temas previstos no referido decreto ainda precisarão ser melhor detalhados no termo aditivo e regulamentos pela ANEEL. Certas cláusulas previstas pelo Decreto n° 12.068/2024 merecem especial atenção:
- Flexibilização normativa para definição do regime de regulação econômica – ainda que os termos concretos desse dispositivo precisem de melhor detalhamento, vale observar que a Lei n° 9.427/1996 já definiu o regime econômico de serviço pelo preço (price cap) e a Constituição Federal e a Lei n° 8.987/1995 garantem a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro em caso de novas alterações (unilaterais) pelo Poder Concedente posteriores à assinatura do termo aditivo. A Constituição também estabelece que política tarifária deve ser regulada exclusivamente mediante lei. A flexibilização normativa deve ter, assim, alcance limitado;
- Publicidade de indicadores de continuidade sem aplicação de expurgos – a depender dos termos concretos do aditivo, essa obrigação poderá se restringir à publicação de indicadores sem aplicação de expurgos, os quais, esperamos, poderão continuar a ser aplicados pelas concessionárias para fins de verificação do cumprimento das respectivas metas. Do contrário, eventual criação de regime de assunção integral de risco pelas distribuidoras, no qual se responsabilizem por situações evidentes de caso fortuito ou força maior, poderia levar ao aumento expressivo das tarifas (necessárias para os investimentos correspondentes), em violação ao princípio legal de modicidade tarifária; e
- Definição de metas de eficiência para recomposição após eventos climáticos extremos – há grande complexidades para atuação entre as diversas emergências possíveis (incêndios, tempestades, enchentes etc.) e o país ainda carece de legislação e regulamentação específicas que permitam a articulação entre governos, concessionárias e sociedade para enfrentamento adequado da nova realidade climática. Nesse contexto, esperamos que a definição concreta deste item no termo aditivo (que tratará apenas de medidas em poder das concessionárias) seja ponderada e foque em obrigações de meio (aplicação de planos de contingências, mobilização de equipes de atendimento, compartilhamento de equipes e equipamentos etc.) ao invés de estipular metas horárias para recomposição do serviço. A experiência internacional na última década relativa a eventos extremos comprova que a efetiva retomada do serviço pode levar semanas em casos extraordinários, mesmo com grandes contingentes de equipes envolvidos. A experiência em questão será, certamente, o melhor parâmetro concreto a ser considerado na regulamentação do assunto.
Adicionalmente, uma série de práticas já adotadas para o segmento de distribuição também passarão a integrar os contratos de concessão. Entre elas, destacam-se:
- Apuração de indicadores de continuidade que contemplem o atingimento de metas de qualidade para um percentual mínimo de conjuntos elétricos – essa medida já vem sendo praticada pela ANEEL desde a celebração de Plano de Resultados para atendimento dos limites regulatórios por conjuntos celebrado com todas as distribuidoras do País. No caso das prorrogações, é importante que as metas de atendimento por conjunto sejam adequadas às peculiaridades das concessões e considerem a realidade dos parâmetros do Plano de Resultados já em vigor;
- Utilização de critérios de satisfação dos usuários em processos tarifários – os processos tarifários já utilizam certas métricas de satisfação dos usuários. O ponto de atenção fica por conta do peso que tais indicadores terão na definição das tarifas (dado o risco que um critério subjetivo pode representar e as divergências que pode produzir);
- Avaliação da qualidade da governança corporativa das distribuidoras – o tema já foi discutido e regulamentado pela ANEEL, o que, espera-se, seja agora aproveitado nos contratos;
- A arrecadação de tributos na fatura de energia elétrica – trata-se de mecanismo já utilizado, mas que não deixa de ser um “subsídio” dos consumidores de energia elétrica para os serviços de arrecadação de tributos de autoridades governamentais. Espera-se que o termo aditivo aproveite a oportunidade para esclarecer que as distribuidoras não serão substitutas responsáveis pelas obrigações dos contribuintes.
Adicionalmente, o Decreto estabelece que as concessionárias deverão promover ações e investimentos para a redução da vulnerabilidade e aumento da resiliência das redes frente a eventos climáticos; robustecer o nível de atendimento em áreas rurais; e a inclusão energética, redução de perdas não técnicas, regularização da prestação do serviço em áreas vulneráveis e o desenvolvimento tecnológico para a redução da pobreza energética.
Tais pontos, como os demais, dependerão especialmente da regulamentação e das disposições concretas do termo aditivo, as quais deverão, obrigatoriamente, também levar em consideração a modicidade das tarifas (elemento central do conceito de serviço adequado, nos termos determinados pela Lei n° 8.987/1995 (art. 6°, §1°).
Licitação da concessão caso não seja prorrogada
Caso a concessão não seja prorrogada, deverá ser realizada licitação sem reversão prévia dos bens – isto é, os bens passarão diretamente à nova concessionária.
Nesse ponto, seria importante o Governo Federal avaliar e endereçar a não incidência de tributos (ou a anulação de seus efeitos) no caso da transferência direta de bens entre a antiga e a nova concessionária, evitando contenciosos relacionados ao tema.
A indenização pelos investimentos não depreciados e não amortizados (que incluirá saldos tarifários remanescentes) deverá ser paga à antiga concessionária pelo vencedor da licitação, ponto positivo e que traz maior segurança jurídica para este procedimento. Caso o valor a ser pago pela nova concessionária não seja suficiente para cobrir os valores de indenização, o saldo remanescente será suportado pela Reserva Global de Reversão (RGR).
Para períodos de transição entre as concessões, a ANEEL definirá critérios de operação com assistência entre as concessionárias em vista de assegurar a continuidade e a prestação adequada do serviço. A regulamentação do assunto, contudo, deverá também disciplinar as condições e a forma de remuneração em caso de prestação temporária do serviço por concessionária designada.
Compartilhamento de postes com o setor de telecomunicação
O Decreto n° 12.068/2024 também disciplinou a cessão de faixas de ocupação e pontos de fixação dos postes de energia para compartilhamento com o setor de telecomunicação.
De maneira diversa do esperado, a cessão onerosa das referidas infraestruturas passa a ser mandatória. Além disso, as faixas de ocupação e os pontos de fixação serão objeto de exploração comercial pela cessionária, que deverá observar a regulação conjunta a ser expedida pela ANEEL e pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL).
Trata-se de um tema sensível para o segmento de distribuição, que poderia ter sido melhor endereçado no âmbito do Projeto de Lei n° 414/2021 ou semelhante, no âmbito da reforma do setor, e, em especial, da separação das atividades de distribuição e comercialização de energia.
Considerações finais
Como dito acima, o Decreto realmente era necessário e veio em um contexto setorial importante. De qualquer forma, há ainda muitos pontos que dependem de regulamentação e que serão decisivos para as concessões de distribuição de energia elétrica.
Para mais informações, conheça a prática de Infraestrutura e Energia do Mattos Filho.