Eficácia das sentenças arbitrais no Brasil: análise das ações anulatórias
Estatísticas recentes revelam que a maioria das sentenças arbitrais é mantida pelo Judiciário, destacando a confiabilidade e efetividade do sistema arbitral no país
As ações anulatórias de sentenças arbitrais são demandas declaratórias autônomas que, em caráter excepcional e fundamentadas nas hipóteses previstas no artigo 32 da Lei nº 9.307, de 1996 (Lei de Arbitragem), autorizam a anulação de sentenças arbitrais.
Elas devem ser propostas perante o Poder Judiciário no prazo de 90 dias após o recebimento da notificação da sentença, ou da decisão do pedido de correção ou esclarecimento. De acordo com o artigo 32 da Lei de Arbitragem, a sentença arbitral poderá ser anulada quando:
- For nula a convenção de arbitragem que fundamentou a instauração do procedimento;
- Emanou de quem não poderia ser árbitro;
- Não contiver os requisitos obrigatórios de uma sentença arbitral previstos no artigo 26 da Lei de Arbitragem;
- For proferida fora dos limites da convenção de arbitragem;
- For proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva;
- For proferida fora do prazo;
- Forem desrespeitados os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento, previsos no artigo 21, § 2º, da Lei de Arbitragem.
A arbitragem, mecanismo de resolução de disputas mais célere e especializado, tem como um de seus principais pilares os efeitos finais e vinculantes das sentenças proferidas pelos árbitros. Exatamente por isso, o percentual de ações anulatórias propostas contra sentenças arbitrais revela-se tema importante ao desenvolvimento do instituto da arbitragem no Brasil, pois o baixo percentual de admissibilidade dessas ações garante segurança jurídica ao investidor que escolhe a sede da arbitragem no Brasil.
Recentemente, foram divulgados resultados de pesquisas estatísticas nos tribunais brasileiros que revelam números favoráveis à arbitragem. O mais recente, publicado em 2024, foi o estudo “Ações Anulatórias de Sentença Arbitral em Números” elaborado pelo Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário – FGV Justiça, coordenado pelo Ministro Luis Felipe Salomão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O estudo analisou ações anulatórias de sentenças arbitrais do período entre 2018 e 2023 e baseou-se em dados colhidos por meio do site Jusbrasil. Foram analisadas 358 apelações nos tribunais estaduais e 31 recursos especiais no STJ, concluindo-se que, na maioria das vezes em que é questionada no Judiciário, a sentença arbitral é mantida no país. Mais especificamente, a pesquisa indicou que em 68,90% dos casos, a sentença arbitral foi mantida.
A pesquisa da FGV Justiça analisou de forma quantitativa e qualitativa as decisões de cada um dos tribunais estaduais e trouxe ainda outras informações relevantes, como a pulverização das Câmaras de Arbitragem no Brasil, identificando que os procedimentos arbitrais que deram origem aos 389 casos de anulação de sentenças arbitrais analisados foram administrados por 51 Câmaras de Arbitragem diferentes.
O tribunal estadual brasileiro com maior quantidade de apelações de ações anulatórias de sentenças arbitrais, entre 2018 e 2023, por exemplo, é o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), representando 46,65% do total analisado. A despeito da quantidade de casos, o posicionamento do TJGO foi de manter as sentenças arbitrais em 74,90% das decisões. Vale ressaltar que o Estado de Goiás tem a peculiaridade de possuir a Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem da Administração Estadual (CCMA), vinculada à Procuradoria-Geral do Estado e criada pela Lei Complementar nº 144/2018, o que justifica a alta judicialização e a parcela significativa da estatística nacional de ações anulatórias de sentenças arbitrais.
Já o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) foi classificado como o segundo tribunal com maior número de apelações julgadas entre 2018 e 2023, correspondendo a 25,14% do total analisado. Ao desconsiderar demandas relacionadas a um tipo de contrato de cooperativa, a taxa de procedência das ações anulatórias se confirmou reduzida, equivalendo a apenas 17,50%.
Especificamente em relação ao TJSP, outra recente pesquisa publicada pelo Comitê Brasileiro de Arbitragem – CBAr e pela Associação Brasileira de Jurimetria – ABJ em novembro de 2023, divulgou o Relatório do Observatório de Arbitragem que, baseado em análise estatística e inferencial sobre as decisões judiciais envolvendo a anulação de sentenças arbitrais no TJSP, proferidas entre 2018 e 2022, identificou que apenas 17,7% das ações anulatórias oriundas de sentenças arbitrais foram julgadas procedentes (total ou parcialmente). A pesquisa foi realizada por meio do banco de sentenças e acórdãos do TJSP e se restringiu apenas aos casos não sujeitos a segredo de justiça, por isso, a análise não abarcou a totalidade dos casos do tribunal.
A pesquisa do CBAr concluiu que a taxa de impugnação das sentenças arbitrais proferidas em relação aos contratos em geral seria de 2.8% ou, no máximo 8.4%, levando-se em conta um número 3 vezes maior para abarcar os processos em segredo de justiça. Além disso, concluiu-se que a probabilidade de anulação de sentença arbitral hoje nas principais câmaras de São Paulo seria de 1.5%.
O estudo da FGV Justiça ainda revelou que outros tribunais, como o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), apresentaram resultados amplamente favoráveis à arbitragem. Notadamente, dos 15 casos julgados pelo TJRJ entre 2018 e 2023, analisados pelo estudo, as sentenças arbitrais foram mantidas em 93,30%, os outros 6,70% trataram de outras questões processuais.
Nesse contexto, os recentes estudos estatísticos em relação ao número de ações anulatórias propostas nos tribunais brasileiros e o baixo número de sentenças arbitrais que são ao final anuladas confirmam a solidez da arbitragem no país e reforçam a cooperação e respeito entre o Poder Judiciário e a jurisdição arbitral.
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