Desastres climáticos como eventos de força maior e seus reflexos nos contratos administrativos
A influência das tragédias climáticas, como a do Rio Grande do Sul, nas discussões sobre descumprimento contratual e aplicação de penalidades
As fortes chuvas seguidas de enchentes registradas no Rio Grande do Sul são umas das maiores tragédias na história do país. Pessoas estão desabrigadas, bens móveis e imóveis foram perdidos ou gravemente deteriorados e ainda não é possível estimar quanto tempo levará para reconstruir e reparar as perdas individuais e coletivas.
Uma das consequências de eventos naturais dessa magnitude é a impossibilidade da prestação de serviços públicos essenciais, como fornecimento de luz, água e gás, transporte, educação e até assistência médica e segurança. A Prefeitura de Porto Alegre, por exemplo, sinalizou que diversos serviços públicos – como unidades de saúde e postos da Guarda Municipal – foram suspensos em razão das complicações trazidas pelas chuvas e enchentes.
No caso de serviços públicos prestados por particulares contratados pela Administração Pública, a interrupção pode ser considerada inadimplemento contratual e infração administrativa. Porém, para que se determine sobre quem recairá a responsabilidade pelos danos e a sanção administrativa, é preciso ponderar o papel que os eventos climáticos desempenharam na interrupção da prestação de um determinado serviço público.
A Lei de Licitações (Lei 14.133/2021 – art. 155) prevê que quando o contratado ou licitante der causa à inexecução (parcial ou total) do contrato poderá ser responsabilizado na esfera administrativa.
No entanto, para que a inexecução crie ao devedor um dever de indenizar ou configure hipótese de infração, é necessário que a sua causa seja atribuída à ação ou omissão do devedor. Portanto, a inexecução de uma obrigação, por si só, não implica na responsabilidade do devedor por eventuais perdas e danos, e não significa que o particular será automaticamente penalizado.
A ocorrência de eventos de força maior pode representar a quebra do nexo de causalidade entre a inexecução da obrigação e possíveis ações ou omissões do devedor, o que o exonera de responsabilidade civil e administrativa.
Mais do que ser previsível ou não, o evento que caracteriza a força maior tem efeitos inevitáveis. No caso do Rio Grande do Sul – assim como em outras situações vividas pelo país afora nos últimos meses –, ainda que as chuvas fossem previsíveis por análises meteorológicas, seus efeitos foram tão devastadores que não haveria como evitar, por exemplo, a inundação de hospitais, escolas, casas. E esse cenário exigiu a interrupção de serviços como fornecimento de energia elétrica e água, seja pela segurança dos cidadãos, ou porque não era possível prestar o serviço em razão dos danos sofridos em aparelhos e maquinários das empresas.
Esse tipo de situação pode configurar excludente de responsabilidade por descumprimento do contrato se for possível demonstrar que o evento foi fator determinante para a inexecução das obrigações contratuais pelo particular.
Além disso, abrem espaço para debates sobre cabimento de pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos, mas é essencial analisar as previsões contratuais sobre a matriz de riscos alocadas para cada uma das partes.
Com as mudanças climáticas e a recorrência desses eventos, é importante avaliar as previsões contratuais e, em especial, os elementos fáticos de cada caso para conduzir discussões com o Poder Público sobre descumprimento contratual e mitigar a aplicação de penalidades. Essa análise cuidadosa e detalhada será essencial também para definição de estratégia nos casos em que esses assuntos (aplicação de penalidades e pleitos de reequilíbrio por força maior) terão de ser submetidos para resolução do Poder Judiciário.
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